No ano passado, o atacante Danilo Mariotto trocou um contrato no Fluminense pela chance de voltar à Europa. Sua experiência anterior havia sido boa e, por isso, decidiu aceitar o acordo de quatro anos com o FC Lviv, da primeira divisão da Ucrânia, com um salário de US$ 5 mil (cerca de R$ 20 mil). Levado por um ex-jogador brasileiro que atuou por lá, o atacante driblador desembarcou em Lviv cheio de esperança. Mas estranhou quando ficou um mês treinando e nada de seu contrato ser registrado na federação. Sem o registro, ele não podia jogar.

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Ele ficou ainda mais ressabiado quando disseram que seu salário seria de US$ 1 mil (R$ 4,1 mil) e não mais US$ 5 mil, portanto, menos da metade do que ganhava no Rio de Janeiro. Largou tudo. Deixou o alojamento precário onde morava ao lado de outros brasileiros e voltou. Ficou com uma dívida de R$ 7 mil no cartão de crédito e uma carreira em ascensão interrompida no futebol aos 23 anos.

Rai, ex-jogador da Portuguesa, viveu situação parecida. Em 2012, ele recebeu uma proposta do Boa Vista, que estava na terceira divisão portuguesa. Saiu do Brasil com contrato pronto, passagem aérea paga, salário definido e promessa de casa e carro na garagem. Quando chegou lá, os diretores nem sabiam quem ele era. Conheceu outros atletas que até pagavam para jogar. Como era mais velho – tinha 27 anos enquanto os outros estavam na casa dos 20 -, passou a cuidar dos mais jovens, que só comiam pão com presunto e queijo. Rai pegava parte do dinheiro que os pais mandavam para os filhos e cozinhava para eles voluntariamente.

A experiência só durou dois meses. Para ficar, ele teria de pagar sua própria transferência no valor de 2.500 euros (R$ 11.350). Voltou sem nada.

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Danilo e Rai são exemplos de transferências malsucedidas para o exterior, histórias que passam distantes do imaginário coletivo que situa a Europa como a versão futebolística do próprio paraíso. Dez entre dez garotos das bases sonham em jogar fora. Nem sempre isso é bom e dá certo. Descumprimento de cláusulas dos contratos de trabalho, redução de salários e repasse de taxas aos jogadores são problemas comuns. “Sei de atletas que aceitaram as condições e deram certo, mas, para mim, não funcionou. Preferi voltar”, disse Mariotto, que hoje está na Caldense (MG) e acabou de disputar a Série D do Campeonato Brasileiro.

Com receio de retaliações, alguns jogadores preferem não revelar seus nomes verdadeiros, mas relatam os dramas. Caio conta que um time russo que chegou a disputar a Liga dos Campeões da Europa reduziu seu salário depois que ele sofreu lesão séria no joelho esquerdo e se negou a custear a cirurgia. Na Eslovênia, Artur foi cobrado em US$ 10 mil (R$ 40 mil) para conseguir sua liberação para se transferir. Pechinchou e pagou só a metade.

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O drama dos atletas brasileiros preocupa até o Ministério das Relações Exteriores em Brasília. Questionado pelo Estado, o Itamaraty confirma a existência de denúncias. “Muitas embaixadas e consulados do Brasil no exterior recebem reclamações de profissionais brasileiros do futebol a respeito do não cumprimento de contratos de trabalho”, informa nota enviada pelo órgão.

O problema é grave, mas ainda não pode ser quantificado. O Itamaraty informa que “não mantém compilação sistematizada desses casos, que são registrados como assistência consular a cidadãos brasileiros. Tendo em vista que brasileiros no exterior não são obrigados a se registrar em repartição consular brasileira”.

Para minimizar o problema, o Itamaraty elaborou a apostila “Orientações para o trabalho no Exterior”, com tópicos específicos para jogadores de futebol. O documento eletrônico é atualizado com os alertas mais recentes sobre fraudes e quebras de contrato.

A Embaixada do Brasil em Berlim, por exemplo, tem sido procurada, com frequência, por atletas brasileiros, em sua maioria jovens, que viajam à Alemanha após receberem promessa de contrato com times das divisões inferiores. “Empresários” recebem pagamentos adiantados, prometendo intermediar o suposto acordo e pagar alimentação e alojamento no país. Depois de chegar, alguns desses jovens não são contratados nem recebem qualquer apoio. Descobrem que foram enganados e perderam o dinheiro.

Situação semelhante é relatada pelos diplomatas brasileiros na Guatemala, que tem recebido denúncias de atletas que viajam ao país motivados por promessas falsas de contratos com times locais. São “contatados” mediante pagamento (de taxa) que varia entre US$ 500 (R$ 2.065) e US$ 2.500 (R$ 10.325). Em muitos casos, vendem todos os seus pertences para custear esses custos e a própria passagem aérea, mas as promessas são todas falsas.