Intensidade, força, entrega e profissionalismo. Esses eram apenas alguns dos atributos de Sonia Regina Nassar, repórter que fez história no jornalismo esportivo paranaense. Sonia, sem dúvidas, era do time daqueles profissionais seletos com ‘faro de notícia’, pois ela não descansava até descobrir a verdade por trás dos fatos. Uma repórter admirável.
No dia 16 de fevereiro, celebra-se o Dia do Repórter no Brasil e o jornal Tribuna do Paraná faz uma homenagem a uma das profissionais mais icônicas que já passaram pela redação do impresso nesses 62 anos de existência do jornal. Sonia, que nasceu em 1951 e começou sua carreira na imprensa muito nova, aos 17 anos, não dispensava a adrenalina da apuração, a correria do fechamento do jornal e, principalmente, a busca incansável pela notícia. Chegou à Tribuna nos anos 70 e amava o que fazia, como conta a também jornalista Sandra Nassar, irmã mais nova de Sonia.
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“Ela tinha grande paixão pela Tribuna do Paraná. Era aficionada pelo trabalho, raramente tirava férias, eu até brigava com ela, mas ela falava que não podia deixar o jornal na mão”, lembrou. Mesmo com todo o profissionalismo que sempre teve ao falar dos times de futebol de Curitiba, Sonia não fazia questão nenhuma de esconder um importante detalhe de sua vida: era atleticana incurável. Como sempre morou muito próximo ao estádio Joaquim Américo, se acostumou desde criança a ver o movimento de torcedores com camisas e bandeiras e achava incrível aquele ambiente festivo. Um pouco mais velha, com cerca de 15 anos, começou a realmente acompanhar o Campeonato Paranaense e decidiu o que faria pelo resto de sua vida: trabalhar falando de futebol.
“Ela tinha 17 para 18 anos, era 1969, e como gostava muito de rádio, foi à sede da Guairacá. Pediu para conhecer a rádio e acabou pedindo um estágio, ficando por lá antes mesmo de entrar na faculdade”, lembrou a irmã, que contou um detalhe curioso sobre a repórter, que não foi exatamente criada para se estar em um ambiente visto, na época, como exclusivamente masculino.
“Ela frequentou o Instituto de Educação Familiar, que era uma escola na Rua Bento Viana que já não existe. O apelido dessa instituição era ’caça-marido’, porque lá as meninas aprendiam a cozinhar, costurar, enfim, tudo o que era necessário para manter um lar. Mas nunca a Sonia deixou de fazer as coisas que ela queria por causa dessa educação mais formal”, destacou.
Sonia se formou em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) nos anos 70 e cada vez mais foi escrevendo sua história na imprensa esportiva paranaense. Ainda que hoje seja comum que as mulheres trabalhem na área, ela foi uma das pioneiras. E mesmo em uma época em que fazia algo incomum para os padrões, a jornalista nunca se deixou constranger em situações que poderiam coloca-la à prova.
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Sonia entrava sem nenhum constrangimento nos vestiários onde os jogadores estavam tomando banho após o jogo. Conta ‘a lenda‘, que certa vez, após uma derrota do Athletico, ela ficou sabendo que o treinador seria demitido. Então, entrou no vestiário correndo para entrevistar o presidente e foi uma correria só. Os jogadores se enrolaram com pressa na toalha, pois a intrépida repórter chegou ali sem nenhum aviso. O dirigente, vendo a situação, perguntou se ela não estava com vergonha de entrar assim em um vestiário cheio de homens nus. Com ar de deboche, Sonia respondeu: pra mim vergonha é perder um furo de notícia!
E com todo esse traquejo, não foi difícil que a repórter fosse criando importantes redes de contato. Em um tempo em que não existiam as facilidades tecnológicas, ela sabia exatamente onde encontrar suas fontes. O jornalista Roberto José da Silva, o Zé Beto, lembra de uma história inusitada, em que as informações privilegiadas de Sonia o ‘salvaram‘.
“Eu era correspondente da revista Placar, em Curitiba. Na final do Campeonato Paranaense de 1978, em que o Coritiba levou o título, a redação da revista em São Paulo pediu para eu entrevistar o goleiro Manga, famoso, ex-seleção brasileira, herói do jogo por ter defendido pênaltis. O pedido veio perto das dez da noite e eu não tinha nem ideia de onde achar o ’bicho’, pois naquele tempo não havia celular. Liguei para a Sonia, que sabia onde os boleiros iam depois dos jogos. Ela indicou um restaurante discreto na Manoel Ribas, em Santa Felicidade. Fui lá e ’batata’! A surpresa é que lá estavam o Manga e o Tobias, ex-Corinthians, goleiro do Athletico. Rendeu uma boa matéria”, lembrou o amigo.
Boas histórias não faltam ao recordar da repórter. O jornalista Luiz Augusto Xavier é outro colega que depois de muita convivência com Sonia pode contar vários relatos curiosos. “Todo mundo sabia que nós tínhamos a mesma idade. Nascemos no mesmo ano, mas eu em janeiro e ela em outubro. Nessas rodinhas de jornalistas, depois do fechamento do jornal, no Bar Palácio ou no Tortuga, começávamos a falar que estávamos velhos, aí o pessoal me perguntava quantos anos eu tinha. Falava que não sabia, virava para a Sonia e perguntava: quantos anos nós temos mesmo, Sonia? Porque ela sempre diminuía um pouco, então era ela que sempre sabia a nossa idade”, recordou o amigo de longa data.
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“Já conhecia a Sonia porque ela estudou com minha irmã na escola ’caça-maridos’, mas nos reencontramos no jornalismo. Entrei em O Estado do Paraná em 1975 e só nos separamos quando ela nos deixou, em 2001″, falou Xavier. Sonia, além de atuar no rádio e no impresso, também passou pela televisão.
No jornal Tribuna do Paraná criou o prêmio ‘Corujinha de Ouro‘, que premiava os melhores do Campeonato Paranaense. Também assinou por muito tempo a coluna ‘Plumas e Paetês‘, um espaço para falar da vida social dos jogadores. Enfrentando alguns problemas de saúde, Sonia faleceu por conta de uma parada respiratória no dia 17 de outubro, exatamente no dia do aniversário do jornal.
Casada com o Athletico
Sonia não tinha tempo para outras atividades que não fossem seu trabalho e sua paixão pelo Rubro-Negro. “Ela foi casada com o Athletico, até nos piores momentos do clube. Em meio a uma grave crise financeira, chegou a costurar camisas, pois não havia dinheiro para que se comprassem novos uniformes”, recordou a irmã.
Uma das frases mais icônicas de Sonia que demonstra sua devoção pelo vermelho e preto é até hoje conhecida entre os torcedores. “O Athletico é um estado de espírito, se ele vai bem, todos nós vamos bem, se vai mal, sai da frente!”. E comprovando a frase, Sandra lembra do mau humor da irmã nas derrotas do clube do coração. “Quando o Athletico perdia, no dia seguinte ela não dava nem bom dia”, contou.
O ex-presidente do clube, Valmor Zimermann é outro personagem que recorda com carinho da devoção de Sonia pelo Furacão. “Convivi muito com ela desde quando era apenas torcedor até quando cheguei a presidente, ela fazia qualquer coisa para ajudar o Athletico. O que pedisse, ela ia atrás e conseguia. Sonia tinha algumas ideias ousadas para a época e sempre falava que o Athletico tinha que trazer jogadores consagrados para o elenco”, falou o ex-dirigente, lembrando também das caronas que dava à jornalista.
“Íamos em alguns amigos de carro para o interior do Estado ver os jogos e ela ia de carona. Foi assim que conheci a Sonia. Ela contava que já tinha quem mandasse a matéria, mas mesmo assim ela queria ir para ver o jogo e acabava ela mesma escrevendo”, disse Valmor. Sonia faleceu dois meses antes de o Athletico se consagrar campeão brasileiro. Em homenagem à Sonia, a sala de imprensa do Athletico no CT do Caju leva o nome da jornalista.
Legado
Além de influenciar de certa forma a irmã Sandra a se tornar jornalista, Sonia também passou sua paixão pela profissão à sobrinha Tabata Viapiana. “Quando eu era criança, sabia que minha tia era jornalista, mas não tinha a dimensão de tudo que ela representava na crônica esportiva paranaense. Quando decidi seguir a carreira, até porque meu pai e minha mãe também são jornalistas, me inspirei nela para acreditar que eu também conseguiria chegar lá. Ela se destacou em uma época em que o futebol era um ambiente totalmente machista e ainda assim falava de igual para igual com qualquer um da área”, disse a sobrinha, que já atuou no jornalismo esportivo e hoje é repórter política na rádio CBN, em São Paulo.
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