O fanatismo pelo clube é revelado assim que qualquer visitante chega à porta do apartamento, situado no 3.º andar de um prédio no bairro Boa Vista. O interruptor da campainha, tomado por símbolos rubro-negros, não deixa dúvidas de que ali reside uma família atleticana. Harry Matitz, de 69 anos, é quem recebe a reportagem da Tribuna. Vestido com a camisa e a calça de agasalho do clube do coração, o simpático senhor nos acolhe e, depois de saudar a equipe – como se fôssemos todos atleticanos, começa a mostrar sua moradia que, no decorrer dos anos, vem se transformando num templo do Atlético Paranaense.
O outrora slogan do clube -Atlético Total – parece ilustrar bem o que o Furacão representa na vida desse ex-jogador de futebol que atuou nas categorias amador e profissional do Botafogo e do Britânia, nas décadas de 1950 e 1960. O amor e o respeito pelo Rubro-Negro transformou Harry num ?historiador? do clube e cujos posicionamentos o leitor da poderá conhecer a seguir.
Toda a paixão pelo time é externada em um dos cômodos do apartamento, que foi transformado em um templo do futebol. O local de adoração ao Atlético possui dezenas de chaveiros, flâmulas, faixas e fotografias espalhados pelas paredes. Diversos souvenirs, tais como copos de vidro, canecas, xícaras e pires de café estão expostos em uma estante, cujo único objeto acomodado que não tem o logotipo do Furacão ainda é a televisão. No sofá, almofadas rubro-negras dão o toque feminino no local.
?Ele é doente pelo Atlético e acompanha tudo quanto é notícia que sai do clube?, afirma a esposa de Harry, dona Ariete.
Por sinal, é graças a ela que todo o apartamento não está tomado pelo simbolismo atleticano. O casal se mudou para o atual endereço há quatro anos e, devido à grande coleção de objetos que Harry possui do Furacão, a esposa resolveu ceder um dos quartos para que o material fosse guardado. Entretanto, o espaço não mais comporta a adoração pelo Atlético e novas áreas do apartamento estão sendo aos poucos tomadas pela decoração ?harryana?.
Apesar da ?reprovação? de Aríete, que não é fanática por futebol, três quadros com o desenho do mascote do clube já estão pendurados na parede da sala de jantar. A toalhinha sob o aparelho de telefone é rubro-negra e os interruptores de luz de toda a moradia também contêm símbolos do Atlético. E como a superstição caminha junto ao futebol, no caixilho da porta da cozinha há uma ferradura cravada – ?só para dar sorte?. Outros cômodos da moradia receberam a decoração vermelha e preta, mas com muita sutileza para não descontentar a dona da casa. ? Tenho que convencê-la aos poucos?, diz sorrindo o atleticano.
Na porta do quarto do casal, há espaço até para uma brincadeira com o clube rival. Uma moldura contém a certidão de óbito do Coritiba, datada de 2005. ? O Coxa morreu em 2005 quando caiu para a 2.ª Divisão. O que está aí, agora, é um clone, mas parece que também já está com defeito?, brinca o torcedor em alusão à atual situação do Coritiba.
Coração bate forte
O templo atleticano começou a ganhar forma há quatro anos, quando Harry mudou-se para o Boa Vista. Mas os apetrechos colecionados datam de mais de duas décadas. Alguns objetos são mostrados com orgulho pelo atleticano, como uma tira rasgada da camisa do zagueiro Alfredo, campeão paranaense em 1970, e os tijolinhos da antiga Baixada. Mas a pasta contendo os ingressos de todas as partidas realizadas na nova Baixada, a Kyocera Arena, é o xodó do fanático torcedor. Harry tem uma cadeira no estádio e vai a todos os jogos. Não tem idéia de quantas partidas foram realizados na Arena, mas sabe precisar quantas não pôde acompanhar: uma. ? Tive que ir ao enterro de um parente. Não deu para escapar. Mas o ingresso do jogo eu tenho?, revelou.
Outro objeto de admiração é o estádio atleticano. O torcedor mostra com satisfação o álbum de fotografias contendo as fases de construção da Arena, desde a demolição, passando pelos primeiros alicerces até a inauguração em 1999.
Primeiro o Coxa, depois a emoção…
A paixão pelo Furacão teve início ainda na infância, quando, aos oito anos, o pai começou a levá-lo aos estádios de futebol. ?Como morava perto dos coxa (sic), meu pai me levou para assistir um jogo deles. Mas não senti nada. Ao contrário de quando fui ver um jogo do Atlético. Foi emocionante?, revela.
Mesmo com a comodidade de poder assistir jogos pela TV, o torcedor não troca a ?magia? do estádio. E, para acompanhar os jogos, cultiva um ritual. Antes do início de cada partida, ele reza. Se é contra os eternos rivais paranaenses, então, a oração é estendida. ?rezo pelo menos dez pai nossos e dez ave marias?, conta.
Inesquecível foi o Atlético de 70
A história do Furacão também é de conhecimento deste torcedor que adora contar passagens antigas e fazer paralelos com a atualidade, demonstrando estar muito ciente da realidade do clube em suas narrativas que revelam fatos pitorescos. Perguntado sobre o momento inesquecível da carreira do Atlético, Harry não titubeia ao afirmar: o Campeonato Paranaense de 1970.
?Foi um ano de muita emoção, pois o Atlético tava quebrado. O então presidente, Passerino Moura, pegou o clube quebrado, para fechar as portas. Chegou a entregar as chaves no Palácio Iguaçu em busca de ajuda. A torcida se uniu e o clube se ergueu. Foi um ano de muita luta, o que simboliza a raça e o amor do atleticano?, explicou. A conquista do título aconteceu em Paranaguá, quando o Furacão ganhou do Seleto. De recordação dessa partida, Harry guarda um pedaço da camisa do jogador Alfredo, que conseguiu após invadir o campo para comemorar.
Após a conquista de 1970, ele destaca os bons momentos das duplas Washington e Assis e Paulo Rink e Oséias. ?O título de campeão brasileiro foi a demonstração do crescimento do Atlético. Os títulos anteriores à ?era Petraglia? foram conquistas de raça, pois o clube não tinha dinheiro nem material para reinar. Eram épocas difíceis?, relembra.
A política tacanha e a era Petraglia
Se tem algo na política atleticana que incomoda Harry é a atual briga da diretoria com a imprensa. Para o torcedor é necessário a mídia focar atenção no Rubro-Negro e divulgar o trabalho que é desenvolvido no clube. ?Em termos de informação, o Atlético está ficando em segundo plano – atrás do Paraná e Coritiba – e isso não é bom. O Furacão tem coisas boas para mostrar e para que seus torcedores possam debater, gozar dos coxas e adversários?, afirma.
Para ele, esse cerceamento de informações reflete no comportamento da torcida, detalhe que a diretoria não está prestando atenção. ?Não concebo que um clube tão grande, como é o Atlético, tenha vendido até agora pouco mais de dois mil pacotes para a temporada. Isso é resultado da falta de diálogo com a torcida, que é feita através da imprensa?, explica.
?O Atlético sempre foi amor, entusiasmo. Agora a torcida parece que mixou?, finaliza.
Petraglia forever – Para Harry, a história do Atlético pode ser dividida em antes e depois de Mário Celso Petraglia. Depois de 1995 o clube tornou-se motivo de grande orgulho para a sua torcida, pelos títulos conquistados e estrutura montada. Para o torcedor, o clube tornou-se profissional. ?Antes éramos motivo de ?chacota? de adversários, pois durante muitos anos o Atlético se afundava em dívidas e não tinha dinheiro sequer para pagar salários de jogadores. O torcedor tinha que engolir zombarias do adversário, porque era verdade. Quem deve em cartório abaixa a cabeça?, comenta.
Mas a fase de incertezas acabou com o início da era Petraglia. ?O Atlético vem melhorando a cada dia e o orgulho crescendo na mesma proporção?, explica. A fama de arrogante e antipático do comandante supremo do Furacão também é comentado por Harry. ?Ele tem seus rompantes, é temperamental. Muita gente não gosta dele, mas até agora só vi ele fazer coisas boas pelo Atlético. Temos uma grande estrutura com os melhores centro de treinamento e estádio do País?, afirma.
A síntese de Petraglia para Harry é retirada de uma frase que teria sido dita pelo presidente do Conselho Deliberativo. ?Não quero que gostem de mim. Quero que gostem do Atlético?.
Se fosse falar com Dago, Harry daria um bom conselho
Dagol,Dagol!!!
Esse era o grito da fanática torcida para a sua maior promessa.
No entanto, anos e contusões depois, a relação deteriorou-se e o amor virou sabe-se lá o quê.
A conturbada relação entre o Atlético e Dagoberto também mereceu destaque na análise de Harry.
Para ele, o jogador é um craque, mas foi influenciado pela sua assessoria esportiva. ?Fizeram a cabeça do guri para ele pensar que iria ganhar horrores e teria sua independência financeira. Nada contra ser profissional. Mas desde que ele pegou a assessoria, não foi o mesmo jogador?, explicou.
Como ex-jogador e por ter vivido diversas experiências no futebol, Harry deu um conselho ao promissor atleta. ?Termine com a assessoria esportiva e sente novamente para conversar com a diretoria. Um bom e honesto diálogo resolve qualquer pendência?, diz. Para Harry, falta um pouco de bom senso e de reconhecimento a Dagoberto, ?por tudo que o clube proporcionou à carreira dele?. ?Dago era um deus para a torcida que gritava seu nome sem parar. Mas, agora…?
Antes de finalizar o tema, o ex-jogador citou uma passagem de sua vida para exemplificar o que diz a Dagoberto. Como naquele tempo, década de 50, o futebol pagava pouco, era comum o atleta ter outro emprego para sobreviver. Harry tinha sido, praticamente, formado pelo Botafogo e foi convidado a jogar numa outra equipe. Além do ?contrato? com o clube, ele ganhou um novo emprego, em numa grande loja da época, mas um atrelado ao outro. Entretanto, ao ser chamado a jogar novamente pelo seu clube formador, não pensou duas vezes. Voltou a jogar pelo Botafogo, mesmo perdendo o emprego rentável que ganhara. ?O amor pelo clube jamais se perde?, afirma.