O jogo final da Copa entre Alemanha e Argentina embaralha uma verdade que parecia eterna: os sul-americanos são técnicos e habilidosos e os europeus, fortes e disciplinados. Anos atrás, o cineasta Pier Paolo Pasolini chegou a propor uma comparação com a literatura para ilustrar a questão. A poesia seria o drible sul-americano; a prosa seria a tabela ou a retranca europeia. Neste domingo, às 16 horas, no Maracanã, as coisas não serão tão simples assim.

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A globalização uniu continentes e deixou tudo junto e misturado. Existem dribladores dos dois lados; há organização, preparo físico e disciplina lá e cá. O futebol de hoje é uma grande arena global. Jogadores de Alemanha e Argentina formam equipes totais que não seriam reconhecidas pelos seus avós. O processo não é novo, mas, em 2002, quando europeus e sul-americanos se enfrentaram pela última em uma final de Copa – Brasil e Alemanha -, as fronteiras da bola ainda tinham relevo. Agora, não mais.

A Alemanha que luta por seu quarto título mundial é bem diferente daquela que o mundo se acostumou a ver, uma Alemanha em que a força física era fundamental e que dificilmente enchia olhos dos observadores mais exigentes. Hoje, a seleção alemã baseia seu jogo na troca de passes e nos deslocamentos de seus homens de frente. A tradicional bola aérea continua lá, mas se tornou mais um recurso a ser usado em caso de emergência do que um fim em si.

Em comum, o atual time da Alemanha e os antigos têm a determinação infinita e a calma necessária para não perder o controle nos momentos mais complicados. Isso é do povo alemão e nunca vai mudar. O que mudou foi o jeito de jogar bola, resultado de uma óbvia influência espanhola – escancarada pela presença de Pep Guardiola no Bayern de Munique – e dos muitos jogadores de origem estrangeira que vestem a camisa da seleção.

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O mais talentoso jogador da atual geração alemã é um descendente de turcos, Mesut Özil. Khedira descende de tunisianos, Boateng, de ganeses, e Klose e Podolski nasceram na Polônia. Esse caldeirão de nacionalidades produziu um time inventivo e atrevido com a bola nos pés. E muito disciplinado sem a bola, porque, afinal de contas, continua sendo a Alemanha.

Neste domingo, essa seleção miscigenada terá a chance de alcançar a sua maior façanha. E o fará com a mesma equipe que iniciou os dois últimos jogos. Depois dos 7 a 1 sobre o Brasil, seria estranho se Joachim Löw fizesse alguma alteração. Assim, a Alemanha vai apostar no toque de bola de seu meio-campo. Caberá também a Özil e a Thomas Müller, abertos pelas pontas, a tarefa de alimentar o eterno goleador Miroslav Klose, mas a Argentina sabe que é com Müller que precisa se preocupar mais. Ele é o arco e a flecha.

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MAIS EUROPA – Em um caminho inverso, os argentinos apostam no processo que eles chamam de “europeização”, ou seja, a presença da maioria dos jogadores no futebol europeu, para aperfeiçoar a histórica habilidade com a bola. Em termos práticos, isso significa que a genialidade de Messi para criar, driblar e finalizar convive bem com a disciplina tática de Lavezzi, por exemplo, que ataca e marca.

O ponto forte continua sendo o improviso, mas a Argentina cresceu na Copa à medida que conseguiu um equilíbrio entre o ataque e a defesa. Há disciplina tática. O volante Javier Mascherano, que vem jogando o fino, é o símbolo de um time centrado. O esfacelamento do Quarteto Fantástico, com as contusões de Agüero e Di María, também obrigou a equipe a reinventar seu jogo durante a competição.

Messi ataca, mas se preocupa em ocupar espaços quando não tem a bola. Higuaín corre atrás dos zagueiros. A Argentina vai precisar de tudo isso neste domingo. Enzo Perez será o substituto de Di María e Lavezzi será mantido apesar da recuperação de Agüero. A defesa está nos eixos com Demichelis e Biglia como protetor.

Argentina e Alemanha fizeram duas finais de Copa. Cada seleção venceu uma. No tira-teima do Maracanã, será campeã a equipe que melhor sintetizar estilos que não podem mais ser separados.