A elasticidade do placar do jogo entre Brasil x Alemanha surpreendeu. Mas, para os alemães, a superioridade do time de Joaquin Löw é apenas o resultado de um plano conduzido com detalhes por mais de uma década e que, agora, colhe seus frutos. A meta foi sempre muito clara: acabar finalmente com o jejum de 24 anos sem um título mundial.

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Tudo começou em 2000, depois de uma humilhante eliminação da Alemanha da Eurocopa daquele ano. Naquele torneio, a Mannschaft não venceu um só jogo e saiu da competição sem ter marcado um só gol. Clubes, federações locais e jogadores se reuniram para uma constatação preocupante: o futebol alemão não era mais competitivo e não havia conseguido fazer a transição.

Um plano foi montado para reerguer o futebol alemão e a prioridade não seria trazer estrelas estrangeiras. Mas criar uma base de jovens para que, dez anos depois, pudessem brilhar. A meta era de atrair, em cada cidade, jovens talentos e formá-los, mesmo que isso levasse anos para dar resultados. No campo financeiro, a ordem foi trocar os gastos milionários por jogadores estrangeiros por investimentos locais. Todos os clubes foram obrigados a montar escolinhas de futebol como exigência para que pudessem participar do campeonato nacional.

Desde então, US$ 1 bilhão foi gasto no desenvolvimento de jovens estrelas. Hoje, são 366 centros de treinamento de menores, empregando mil treinadores e dando espaço para 25 mil alemães tentarem a sorte no futebol. Hoje, alguns desses garotos que se beneficiaram dos investimentos são verdadeiras estrelas, como Thomas Muller e toda uma legião de jovens que já estão na seleção alemã.

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Não faltou espaço nem mesmo para os filhos de imigrantes que, pelo plano, foram considerados como essenciais para trazer ao modelo alemão um perfil mais leve e mais dinâmico. Sem traumas e longe da ideia de nacionalismo alemão, o time entra em campo com vários “estrangeiros” e várias religiões. O pai de Mesut Ozil é turco, enquanto a família de Sami Khedira vem inteira da Tunísia. Miroslav Klose nasceu na Polônia, assim como Lukas Podolski. Jerome Boateng tem sua família ainda em Gana e Shkodran Mustafi é kosovar.

Nos estádios, os preços de ingressos foram mantidos congelados, garantindo a lealdade do torcedor. Empresários estrangeiros e magnatas russos foram impedidos de comprar clubes, como na Inglaterra. Hoje, a Bundesliga é o torneio mais rentável de toda a Europa, com a maior média de público – 45 mil por jogo – e a única em que todos os times estão em uma situação financeira estável. A estrutura montada pelo Bayern de Munique se transformou em paradigma. Longe dos estereótipos do futebol germânico de décadas passadas, o local é um laboratório de técnica e inovações.

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Cinco campos de treinamento repartidos em 70 mil metros quadrados num elegante bairro de Munique recebem semanalmente 185 jovens. 90% deles são da própria região da Baviera, num esforço para criar jogadores que se identificam com o clube e demonstrar à comunidade que suas raízes são claras. No total, o clube mantém nada menos que onze times completos, além da equipe principal, sonho de todos os garotos na região. Para selecionar os jovens que poderão treinar na “academia”, o Bayern montou um verdadeiro exército e 26 olheiros e treinadores, todos com formação profissional. Outras 40 pessoas trabalham exclusivamente para os times de base, incluindo psicólogos. Os investimentos chegam a R$ 10 milhões apenas nas equipes de base, o que inclui até mesmo um gramado com aquecimento subterrâneo.

Os primeiros resultados já são reais. Por esses campos passou um jovem da região e que, hoje, é uma das grandes esperanças da Alemanha para levar o título no domingo: Thomas Muller. Dos mesmos campos saíram ainda Lahm, considerado um dos melhores laterais do mundo, Schweinsteinger e Toni Kroos. De fato, ao contrário da imagem do futebol alemão, o único critério para aceitar um jovem na escolinha é sua técnica. Mas, no melhor estilo alemão, qualquer indicação de que o jovem não possui uma técnica suficiente é motivo para que ele seja dispensado.

O rigor nos treinamentos também segue o melhor estilo alemão. Aos jovens de sete anos de idade, o clube exige presença obrigatória nos três treinos semanais. Para aqueles que prometem ser as novas estrelas, um tratamento VIP é garantido. O clube hospeda 13 desses jovens entre 15 e 18 nas suas instalações, um modelo parecido ao que existe no Barcelona. Os jovens são proibidos de falar com a imprensa – justamente para não os expor a pressão antes da hora correta. Mas, sem boas notas na escola local, são eliminados do programa.

Questionados se o investimento dá resultados, os profissionais do clube não hesitam em responder afirmativamente. Além de garantir a base da seleção da Alemanha, o Bayern conseguiu reduzir de forma drástica seus investimentos para trazer estrelas de fora. Na seleção, a renovação em relação à geração de Ballack ocorreu sem que haja sequer um temor sobre a qualidade do time em campo.

Outra constatação: dos 134 clubes europeus, o Bayern foi o que mais forneceu jogadores para a Eurocopa de 2012, superando até mesmo o Barcelona e o Real Madrid. O time também forneceu para a Copa do Mundo nada menos que 18 jogadores, a mesma quantidade de jogadores que todos os clubes brasileiros juntos forneceram para a Copa em seleções como a do Chile e alguns no time de Scolari.

SOLIDARIEDADE – Mas não são apenas os grandes clubes com dinheiro que investem. A federação aprovou uma lei em que estabeleceu que, para participar do campeonato nacional, todos os clubes seriam obrigados a manter uma escolinha. Para garantir que todos conseguissem montar suas academias, a federação exigiu que os clubes mais ricos financiassem parte das escolinhas dos clubes mais pobres.

O Schalke 04 foi um dos primeiros a reforçar suas equipes de base. A opção encontrada foi a de fechar um acordo com um colégio local e transformar as aulas de educação física em uma preparação para o clube. Agora, os investimentos estão dando frutos. Hoje, cinco goleiros titulares na primeira divisão alemã vieram da escolinha do Schalke, incluindo o goleiro da seleção Manuel Neuer.

Os resultados começaram a aparecer ainda em 2013, quando pela primeira vez, a Alemanha enviou na atual temporada sete clubes para as duas competições europeias. Todos passaram para as oitavas de final. Na Liga dos Campeões, Bayern de Munique, Borussia Dortmund e Schalke terminaram em primeiro lugar em seus grupos e a final foi entre Bayern e Borussia nesta temporada.

Ao contrário do futebol espanhol, onde apenas quatro times venceram a Liga nacional nos últimos 20 anos, na Alemanha a concorrência é forte. Em dez anos, cinco clubes levantaram o troféu da Bundesliga. Ao contrário do futebol inglês, mais de 80% dos jogadores na primeira divisão alemã são locais. Ao contrário do futebol italiano, os estádios estão lotados a cada rodada.

Para muitos, não há como não pensar que o principal título pode estar próximo e seria justamente na Copa do Mundo do Brasil. “Estamos prontos”, declarou o presidente da Federação Alemã de Futebol, Wolfgang Niersbach, em entrevista à reportagem. “O segredo é que trabalhamos muito e agora podemos dizer que somos um dos favoritos já para a vitória. Temos hoje um forte sentimento de autoconfiança”, declarou.

Para a reportagem, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, insistiu que o resultado dos clubes alemães e da seleção era consequência de apostar em jogadores locais. “Esse é o desenvolvimento do futebol em países em que jogadores locais estão nos clubes. Você tem isso na Alemanha e não é uma surpresa que esses clubes sejam os melhores”, disse.