Orlando Kissner |
Luciane Andrade trabalhava com animais no Rio Grande do Sul e se adaptou com facilidade à rotina da escola. |
Se não têm o espaço na mídia de algumas décadas atrás, as provas mais concorridas do turfe, como o Grande Prêmio Paraná – disputado ontem, no hipódromo do Tarumã – ainda carregam charme peculiar e atraem personalidades aos prados nacionais.
Ao mesmo tempo, num País com imensa área rural, os cavalos compõem o cotidiano de milhões de agricultores, ou mesmo de moradores de metrópoles. A junção desta proximidade com o glamour do mundo dos páreos ainda chama a atenção de crianças e adolescentes, que procuram em escolas como a do Jockey Club do Paraná o sonho de montar cavalos de corrida.
A escolinha do Jockey funciona como um internato, no mesmo terreno do hipódromo do Tarumã. Os adolescentes dormem, recebem aulas de montaria e corrida e fazem as refeições em instalações limpas e organizadas. A maioria estuda, e uma vez por semana têm o dia livre para visitar a família. Entre os passatempos, uma TV e um videocassete, que reproduzia teipes das corridas (ou carreiras, no jargão do turfe) dos garotos quando a reportagem da Tribuna visitou a escola. Tudo é bancado pelo Jockey Club e supervisionado por Lauro José de Lima – o L.J. Lima, montador profissional entre 1955 e 1983.
A escolha dos garotos aprovados para a escolinha obedece critérios de certa forma subjetivos. L.J. Lima observa o trato dos iniciantes com os cavalos e define se eles podem receber aulas ou não. ?Já reprovei vários. É fácil ver quem tem jeito para a montaria?, conta o veterano.
Nas sessões de vídeo, L.J. Lima costuma reforçar alguns de seus ensinamentos prediletos: fazer a curva sempre por dentro, calcular o ritmo do cavalo para o restante da prova e reduzir ao máximo as chicotadas no bicho, controlando-o pela boca. ?Cada vez que você bate no cavalo, ele balanceia e perde-se velocidade?, ensina.
Atualmente, moram na escolinha cinco meninos e duas meninas, entre 15 e 17 anos – a maioria, filhos de jóqueis ou treinadores de cavalos. Entre as duas candidatas a ?joquetas?, destaca-se a gaúcha Luciane Andrade, 15 anos, vencedora de duas das pouco mais de 10 carreiras de que participou. Ser filha de um treinador de cavalos facilitou a escolha da jovem, que já ?trabalhava? (treinava para corridas) animais desde os 11 anos.
Quando a família mudou-se para Curitiba, Luciane procurou a escola e só precisou adaptar-se ao prado – no Rio Grande, montava apenas em retas. Apesar da juventude, a menina avalia com segurança os prós e contras de uma joqueta em relação aos homens. ?Claro que a mulher tem menos força, mas ela pensa mais antes de agir. Acho que é uma boa vantagem?, acredita.
Os feitos de Luciane são reconhecidos na escolinha, mas a ?menina dos olhos? do treinador é Bárbara Chagas Melo, 16 anos, também natural do Rio Grande do Sul. O orgulho de L.J. Lima é ter ensinado todo o beabá à menina, que segundo ele mal sabia montar quando iniciou as aulas, há um mês. ?Em pouco tempo a Bárbara estará correndo. Ela tem talento e garanto que vai virar uma grande joqueta?, torce o orientador. Seguir carreira é desejo da adolescente tímida, que animou-se a montar depois de assistir a uma corrida no hipódromo do Tarumã. ?Mesmo galopando rápido, nunca tive medo. A vontade sempre foi maior?, conta a aprendiz.
Caso ?vinguem? na profissão, Bárbara ou Luciane entrarão num terreno há muito tempo inexplorado por mulheres. Desde Josi Ferreira, que disputou inúmeros páreos nos anos 70 e 80, não há joquetas de destaque radicadas no Paraná. Hoje, no Brasil, somente a gaúcha Josiane Gulart corre em provas de alto nível – ela foi a primeira a disputar o GP Brasil, em 2002.
Baixa estatura é fundamental
Para virar jóquei profissional, não basta querer. Um fator inevitável pode aposentar inapelavelmente grandes promessas do esporte: a estatura. Os pequenos aprendizes sabem que seus sonhos virarão pó caso extrapolem o limite rígido de peso e altura.
Eli Machado Bueno, um dos coordenadores da escolinha do Jockey Club do Paraná, calcula em 1,65m o limite máximo para montar profissionalmente. ?Mais do que isso, o cavalo não agüenta?, conta ele, que na época de jóquei assinava E.M. Bueno.
No caso de Bueno, que mede cerca de 1,60m, a genética permitiu-lhe trilhar o caminho dos páreos desde cedo. ?Meu pai e meus irmãos eram pequenos e já montavam?, recorda.
Tal limite, porém, já assusta a maior promessa da escolinha. Entre alunos e alunas, Luiz Carlos dos Santos Júnior é quem tem maior potencial, de acordo com o instrutor L.J. Lima. Mas, aos 15 anos, o garoto já chegou a 1,57m. ?Tenho amigos que cresceram muito e foram dispensados. Vamos ver, minha mãe é pequena?, diz, numa expectativa oposta à mais comum entre os meninos de sua idade. ?Mas, se não der, vou aproveitando enquanto estou na escolinha?, diz.
Antes de atingir o tamanho máximo, Luiz Carlos espera, ao menos, saborear uma vitória. Em 15 corridas, jamais chegou em primeiro lugar – fato que atribui à qualidade ruim de alguns cavalos que montou. ?Ele só está com azar. Quando ganhar a primeira, vai deslanchar?, confia o professor Lima.