Iracema 236m volta no Festival de Teatro

O mais recente espetáculo da Companhia Silenciosa é Iracema 236ml, com encenação de Giorgia Conceição e Léo Glück. Teve sua estréia em dezembro de 2004 no Espaço Cultural Falec, e Curitiba poderá revê-lo em novas apresentações no Fringe do Festival de Teatro de Curitiba, este mês.

A Companhia Silenciosa refaz o caminho traçado pelo escritor nordestino José Martiniano de Alencar no espetáculo Iracema 236ml, uma sobrevisão contemporânea e ácida do mito da virgem dos lábios de mel. Já nos idos anos de 1970, Afrânio Coutinho assinalava que o índio de José de Alencar era um europeu de tanga e tacape. O indianismo – segmento do romantismo brasileiro que agrega ao tipo humano nativo traços do ideal rousseuaniano e da moral cristã – é a referência primordial para a construção da versão século XXI de Iracema pela Companhia Silenciosa. A cena aparece revestida de milhares de camadas de anos, discussões e escapismos românticos à procura de uma possível identidade nacional.

Iracema 236ml não decifra questões, que nem o próprio José de Alencar decifrou, mas lança algumas novas. Como atravessar séculos com as mesmas matrizes se friccionando numa cultura estética múltipla e estéril, a um só tempo?

O espetáculo coloca paralelamente palavra, som e imagem, privilegiando a concretude, a referencialidade, a ironia sarcástica, a fisicalidade, a espacialidade única, enfim, a presença. O resultado é Iracema 236ml (irônica e cabidamente transformada em um frasco), um drama paradoxalmente trágico e bem humorado, que lança pós-Semana de Arte de 22 e pós-Tropicália, as alças da brasilidade real, virtual e viável.

Sobre a virgem dos lábios de mel

Iracema, a virgem índia, está no repouso de sua terra, a Grande Nação Tabajara, quando Europa, o Conquistador surge para perturbar seu sossego, apaixonar-se pela virgem e arruinar sua vida e seu povo. As irmãs de Iracema tentam alertá-la dos perigos de um guerreiro branco em solo vermelho, mas Iracema, ainda assim, foge com Europa para terras inimigas. O único e mortal erro de Iracema é ser brasileira, nascida na terra da dor e da cultura transplantada. Onde a pequenez dos regionalismos é avassaladoramente comandada pela pequenez dos regionalismos potentes. O Brasil é a Europa. A América. O Brasil, desde sempre, é de quem tem mais a oferecer. Não há cultura genuinamente brasileira.

O tema central e norteador de Iracema 236ml é dominação em larga escala, tanto quando se trata do colonial-imperialismo, evidente nas obras literária e dramatúrgica (respectivamente nas personagens Martim e Poti [Alencar] e Europa e Burgomestre Camarão [Glück], ?representações vivas dos ideólogos do imperialismo?), quanto em termos da traição à pátria de Iracema (aqui comparável à Medéia grega) e, subseqüentemente, à ruína progressiva da Grande Nação Tabajara: a exata simbologia do funcionamento imperial-capitalista mundial e, mais especificadamente, do nosso país.

O composto Iracema 236ml enfrenta a ousada tentativa de entender a nação brasileira (a mesma da Grande Nação Tabajara), no próprio país e no seio da pátria mameluca mais miscigenada, una e densa do mundo.

Serviço

Iracema 236ml. Dias: 20.03 às12h; 21.03 às 18h; 22.03 às 12h; 23.03 às 24h;  24.03 às 18h; 25.03 às15h e 26.03 às 21h, no Teatro Edson Bueno (antigo Teatro da Cia.). Galeria Pinheiro Lima. Pça. Tiradentes, 106.

Ingressos antecipados a partir do dia 26.02 no Shopping Estação a R$ 14 e R$ 7 (estudantes).

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