A menos de uma semana do segundo turno das Eleições 2022, o Ministério Público do Trabalho (MTP) no Paraná já registrou mais denúncias de assédio eleitoral do que o total de denúncia formalizada em todo o Brasil nas eleições de 2018. Até o meio-dia desta segunda-feira (24) eram 123 empresas e empregadores paranaenses denunciados por coagirem, constrangerem ou obrigarem seus empregados a votarem em um determinado candidato. Em todo o período eleitoral de 2018, 98 empresas haviam sido denunciadas em todo o Brasil. Até agora, neste pleito, o número nacional de denúncias já passa dos mil casos.
Os números foram classificados pelo coordenador do Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) de Assédio Eleitoral do MPT-PR, o procurador Anderson Luiz Correa da Silva, como “assustadores”. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele aponta dois fatores como corresponsáveis pelo aumento exponencial no número de casos no estado, o vice-líder em denúncias em todo o Brasil, atrás apenas de Minas Gerais – na última sexta-feira eram 85 as denúncias formalizadas no Paraná.
O primeiro é a polarização entre as candidaturas de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Essa polarização, avalia Silva, leva à radicalização dos simpatizantes de ambos os candidatos, o que pode resultar em um engajamento maior por parte desses apoiadores. “Alguns empregadores estão confundindo o poder diretivo que eles têm em face da relação de emprego com uma interferência na vida privada do trabalhador. É uma falsa sensação de que eles têm esse direito de interferir na liberdade de consciência e escolha de seus empregados, o que é um erro grave. São coisas que não se confundem, mas na cabeça desses empregadores uma coisa pode levar à outra”, explicou.
O outro fator levantado pelo procurador para tentar entender o maior número de denúncias de assédio eleitoral é uma maior divulgação do trabalho do próprio Ministério Público do Trabalho. Segundo ele, com mais casos sendo mostrados na imprensa fica mais fácil para os empregados identificarem casos em que possam estar sendo vítimas de assédio.
O que caracteriza assédio eleitoral?
Silva explica que pedir voto para um ou outro candidato faz parte da democracia. O problema, confirma o procurador, se apresenta quando um patrão, de maneira ostensiva, promove campanha política dentro do ambiente de trabalho ou reúne os empregados para falar em quem eles devem ou não devem votar. Também é assédio, afirma Silva, quando o empregador exige que o empregado se manifeste publicamente a favor ou contra determinado candidato.
“Isso se dá, por exemplo, no uso de uniformes ou adereços alusivos a um determinado candidato, assim como na decoração do posto de trabalho com indicativos deste ou daquele candidato. Tudo isso ofende a dignidade do trabalhador, que não tem condições de argumentar com o patrão”, pontuou.
Falta de pudor dos assediadores
O advogado Nasser Ahmad Allan, especialista em Direito do Trabalho, Doutor em Direito pela UFPR, concorda com o procurador do MPT e também destaca o que chamou de “falta de pudor” por parte dos denunciados. De acordo com Allan, a prática de assédio eleitoral não é nova, mas antigamente havia uma certa preocupação por parte do assediador no sentido de tentar disfarçar a ação ilícita.
“Era tudo mais velado. Agora o que chama a atenção é que neste ano aumentou a incidência, e os fatos e as denúncias trazem um assédio completamente escancarado e descarado. É tudo muito literal, ‘se não votar no meu candidato eu vou demitir’, ‘se você não votar contra o adversário do meu candidato não vamos mais investir’”, comentou.
Justiça expede liminar contra assédio eleitoral; Concrevali vê “mal entendido”
Na semana passada, por exemplo, uma liminar da Justiça do Trabalho determinou que a empresa Concrevali, localizada na região central do Paraná, se abstenha de ameaçar, constranger ou orientar funcionários e fornecedores em relação ao voto no segundo turno das Eleições 2022. Por não ter chegado a um acordo com o MPT, a empresa, sediada em Jardim Alegre, foi alvo de uma ação civil pública.
Na ação, o MPT apresentou um comunicado feito pela Concrevali a seus fornecedores, informando que se os resultados do primeiro turno se mantivessem no segundo turno das eleições presidenciais “a empresa deverá reduzir sua base orçamentária e o número de colaboradores (…) em pelo menos 30%”.
Procurada pela Gazeta do Povo, a defesa da Concrevali confirmou que não houve concordância com o MPT para a formalização do Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelos promotores. Em nota oficial encaminhada à reportagem, a empresa afirma que o comunicado foi “mal interpretado”, e que como não houve em nenhum momento a intenção de intimidar funcionários, não houve também dano a trabalhador ou qualquer cidadão.
Questionada sobre qual seria, então, a interpretação correta do comunicado sobre a citada possível redução de 30% no número de colaboradores, a defesa da Concrevali disse apenas que “o esclarecimento em relação a esse trecho foi dado junto ao MPT em audiência”, e que a empresa “não tem intenção de demitir e não houve coação, logo o voto é livre”.
Rede Condor formaliza TAC com o MPT pela segunda eleição seguida
A rede de supermercados Condor foi uma das denunciadas ao MPT. A alegação é de estar distribuindo camisetas e incentivando, entre seus funcionários, o voto em um determinado candidato. Esta não é a primeira vez que a rede é alvo de denúncias: nas eleições de 2018, um Termo de Ajustamento de Conduta foi formalizado entre o MPT e o dono da empresa, Pedro Joanir Zonta, que havia divulgado uma carta aos funcionários na qual divulgou sua preferência de voto.
Um novo TAC foi formalizado após a denúncia recebida em 2022. Ainda antes do acordo a empresa já tinha encaminhado, por decisão própria, a seus funcionários um comunicado incentivando a paz nas eleições. “Eleições 2022. O direito de votar livremente de acordo com a própria consciência é essência para a democracia. A rede condor se engaja em um movimento pela paz nessas eleições e respeito à liberdade de convicção política. Lembre-se: o voto é secreto, essa é uma grande garantia para o cidadão”, afirma a nota. Pelo acordo feito com o MPT, caso venha a assediar seus empregados, a empresa está sujeita ao pagamento de uma multa de R$ 100 mil por loja onde o ato ilícito ocorrer.
Diretor da Cooperativa Lar divulgou carta aberta incentivando votos de trabalhadores
Por determinação da Justiça do Trabalho, a Cooperativa Agroindustrial Lar, sediada em Medianeira, se vê obrigada a cumprir uma série de exigências para coibir a prática de assédio eleitoral. O descumprimento da decisão liminar emitida nesta segunda-feira (24) prevê pena de multa diária de R$ 200 mil.
O MPT havia proposto uma ação civil pública em resposta a uma carta aberta assinada pelo diretor-presidente da cooperativa, na qual incentivava trabalhadores e líderes da cooperativa a votarem em determinado candidato. Outro pedido feito pelos promotores na ação é de pagamento de meio milhão de reais por danos morais coletivos. A Justiça ainda não se manifestou a esse respeito.
À Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa da Cooperativa Agroindustrial Lar informou que a empresa ainda não havia sido notificada oficialmente sobre a decisão. Como o caso está judicializado, informou a assessoria, a empresa só deve se manifestar sobre o caso após o final do período eleitoral.
Após não formalizar TAC, Justiça dá direito de contraditório à Troncos Romancini
A empresa Troncos Romancini, com matriz em Laranjeiras do Sul, também está na lista das denunciadas ao MPT por supostas práticas de assédio eleitoral. Na proposta de ação civil pública, o MPT cita depoimentos de testemunhas ao apontar que o estabelecimento empresarial se assemelharia a um “comitê partidário”. Um trabalhador teria sido demitido, de acordo com as testemunhas, por não concordar com o assédio, e outras demissões poderiam ocorrer contra quem não votasse de acordo com as indicações feitas dentro da empresa.
As redes sociais dos empregados estariam, também segundo essas testemunhas, sob “vigilância ostensiva”, e haveria coação sobre esses trabalhadores com a instauração de um suposto “contexto de guerra (inclusive religiosa), terror e medo provocado, instaurado e estimulado pelos empregadores e por seus prepostos”.
A proposta de TAC foi rejeitada pela empresa, e o pedido de liminar feito pelo Ministério Público do Trabalho foi rejeitado pela Justiça em Laranjeiras do Sul. Na decisão, o juiz titular da Vara do Trabalho, João Luiz Wentz, apontou que os termos propostos pelos promotores para a formalização do TAC, como a publicação de notas de retratação, não levaram em conta a possibilidade de ampla defesa e contraditório. “No momento atual, inexiste prova de que, após tal comunicado, esteja ocorrendo qualquer infração e, assim, não se verifica necessidade, ao menos por ora, do acolhimento da tutela inibitória requerida na inicial”, afirmou o juiz.
A empresa informou à reportagem que está elaborando uma nota oficial sobre a denúncia. Esse espaço segue aberto para a manifestação a esse respeito.
“Assédio não é brincadeira”
“Assédio não é brincadeira. Um patrão não reúne uma equipe inteira de trabalho em local de trabalho para falar algo nesse sentido em tom de brincadeira. Não se fala que vai demitir um terço do quadro de empregados em tom de brincadeira. E mesmo que seja em tom de brincadeira, isso não descaracteriza o assédio. O assédio continua existindo”, reforçou o advogado Nasser Allan.
Denúncias podem ser feitas pelo site do MPT ou por aplicativo
Denúncias sobre assédio eleitoral podem ser feitas por meio do aplicativo Pardal MPT ou no site do próprio Ministério Público do Trabalho. De acordo com o procurador Anderson Luiz Correa da Silva, a privacidade do denunciante é preservada durante todo o processo. Além da opção de formalizar uma denúncia anônima, o processo pode ser feito de forma sigilosa, onde há a possibilidade de os procuradores entrarem em contato com o denunciante, mas sem que o nome ou os fatos relatados fiquem disponíveis para consulta externa.
Qualquer que seja o caso, Silva esclarece que quanto mais elementos de prova apresentados no momento da denúncia, mais fácil fica o trabalho para os procuradores. “Quem vai fazer a denúncia precisa fornecer o máximo de informações possíveis, senão a atuação do MPT fica muito prejudicada. Denúncias muito genéricas, sem nenhuma prova ou evidência, nos obrigam a começar a investigação do zero, e pode não dar tempo de coibir essas ações. Por isso, quando há prints, áudios, vídeos, isso nos facilita muito a resolução do problema”.
Procurador teme volta do voto de cabresto
Por fim, o procurador avaliou o cenário atual com preocupação, e disse temer a volta de uma figura considerada extinta no cenário eleitoral brasileiro: o voto de cabresto. “Nossa sociedade não comporta mais esse tipo de atitude. É um comportamento que já ficou no século passado, e não podemos mais admitir nem tolerar esse tipo de determinação. É o extremo, é a barbárie, é algo que beira o absurdo. É um erro achar que porque uma pessoa emprega alguém ele tem o direito de escolher o voto dessa pessoa. Não é porque uma pessoa tem 10 empregados que ela tem 11 votos, não é preciso muito bom senso para entender isso”, concluiu.