Malawi, Etiópia, Camboja, Vietnã. Nenhuma distância é grande demais quando o coração pede um filho. Em Hollywood, artistas ansiosos por adotar, há tempos procuram os países do terceiro mundo em busca de crianças para chamarem de suas. No Brasil, um exemplo recente é o casal global Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, que no ano passado formalizou a adoção de Titi, a linda bebezinha malawiana que conquistou as redes sociais.
Crianças pequenas, retiradas de situações de pobreza extrema que hoje, encontram o amor e o cuidado que nunca tiveram no seio das novas famílias. Agora, já imaginou ir ao centro de Curitiba e levar pra casa um morador de rua adulto, visivelmente afetado pelas drogas, maltratado, doente e, há tempos sem tomar um banho sequer? Foi assim que a confeiteira, Gessi Brohner, deu os primeiros passos em direção a um projeto que já retirou muitas pessoas das ruas e hoje, ajuda centenas de moradores de comunidades carentes no Uberaba, em Curitiba.
É terça-feira à tarde. Na Rua Rozália Tatarin, número 225, o movimento começa às 14h. O local onde antes funcionava um boteco conhecido por ser ponto de tráfico de drogas, agora é sede da Organização Não Governamental (ONG) Missão Acolher, fundada em 2015 pela confeiteira Gessi Brohner, 44, e o marido, o eletricista Ronaldo dos Anjos. Com foco terapêutico, preventivo e educacional, o projeto ajuda muitas famílias a encontrarem uma nova chance, por meio da capacitação profissional.
Hoje tem aula de artesanato. Pelas salas da ONG, mais de 30 moradoras das comunidades Vila Reno, União e Jardim Icaraí, se reúnem para a oficina de costura. E as atividades não param. Mais tarde, uma mesa redonda com psicólogas vai receber mais de 100 crianças e adolescentes para debater assuntos como prevenção às drogas e discutir os problemas do dia a dia na comunidade. É assim há quase três anos.
Boa hora
O projeto nasceu em boa hora. Conhecidas pela alta criminalidade, as Vilas União e Icaraí que fazem parte do perímetro atendido pela ONG foram cenário do evento que ficou conhecido como “Chacina do Uberaba”, que vitimou 8 pessoas em 2009. Amedrontados, Moradores viviam à mercê do crime e sofriam em silêncio, intimidados pela violência. “Na época a administração pública chegou a dar atenção às comunidades por meio de um reforço no policiamento, porém não passaram de mudanças estéticas. Logo os problemas voltaram a acontecer”, afirma o diretor administrativo da Missão, Igor Storck da Silva.
Fundada oficialmente em 2015, a ONG surgiu por iniciativa da própria Gessi, que já realizava trabalhos de resgate e encaminhamento de pessoas em situação de rua para clínicas de reabilitação. “Eu abordava as pessoas e trazia pra minha própria casa. Eles ficavam hospedados comigo por um tempo, até que surgissem vagas nas unidades terapêuticas. Muitas acabaram virando ‘membros’ da minha família”, conta.
Tomada pelo engajamento social, Gessi quis fazer mais. “Os parentes das pessoas que ajudávamos nos procuravam em busca de todo tipo de ajuda e começaram a espalhar pra outras pessoas. Logo a gente viu que valia a pena investir melhor e alugar um espaço específico para prestar esse tipo de apoio”, lembra.
Acolhidos
Com uma agenda movimentada, a ONG recebe mais de 200 pessoas semanalmente e conta com o apoio de cinco profissionais: duas psicólogas, duas artesãs e um assistente social. As atividades são gratuitas e incluem oficinas de arte, costura, mesas redondas, atividades lúdicas e consultas particulares. Ainda para esse semestre a previsão é de que mais 4 oficinas sejam disponibilizadas: dança, música, futebol e reforço escolar.
De acordo com o diretor Igor, o impacto do projeto na comunidade é visto principalmente entre as mulheres e crianças, por meio de projetos que estimulam a autonomia financeira e a prevenção à drogadição. “A ONG veio como um revitalizador para a comunidade. Famílias que chegavam vulneráveis agora encontram uma nova chance com a habilitação profissional e apoio clínico”, afirma. Ainda segundo o diretor, o projeto não deve ser visto como assistencialismo, mas como uma parceira com a comunidade. “Os próprios beneficiados participam como apoiadores desse trabalho. Para nós, isso sim é sucesso”, ressalta.
O carregador Lucas Mendes Ferreira, 22, é um dos vários “filhos” de Gessi, que hoje têm muito a agradecer pelo trabalho da ONG. Ex-dependente de drogas, o jovem foi “adotado” pela confeiteira ainda antes do projeto nascer, em 2014.
“Ela veio até mim porque ficou sabendo da minha situação. Ninguém a chamou e eu relutei muito até que ela me convencesse a aceitar a frequentar a clínica de reabilitação. Cheguei a morar na casa dela por 6 meses até achar um emprego”, conta. Livre da cocaína, Lucas hoje apoia o projeto e ajuda outras pessoas a saírem das drogas. “Tem pouca gente no mundo como a Gessi. Assim como eu, mais de 20 pessoas foram ‘adotadas’ por ela. Não sei dizer em palavras o tamanho da minha gratidão”, diz.
O que começou como ato de amor, hoje virou compromisso de vida. Para Gessi, o projeto “Missão Acolher” representa muito mais que um trabalho. “Muita gente só olha pra miséria do exterior, como a dos países africanos, e ignora a situação de violência, abuso e fome nas ruas da nossa própria cidade. Não precisa ir longe pra fazer o bem. Esse é o ar que respiro. Se me tirar da ONG vou ser como um peixe fora da água”, brinca.
Doações
Com a aproximação das estações frias, a ONG recebe doações de vestuário, calçados e cobertores em bom estado. Para ajudar, basta levar os itens diretamente à sede da Missão Acolher ou entrar em contato com a Gessi pelo telefone (41) 99591-1491. Brinquedos também são bem vindos.
Conheça a ONG “Missão Acolher”
Rua Rozália Tatarin, 225 – Uberaba – https://www.facebook.com/ongmissaoacolher.org/
Agenda
Terças: das 14h30 Às 16h oficina de artesanato para mulheres das 18h30 às 19h grupo de apoio, prevenção e recreação para crianças e adolescentes
Quintas: das 14h30 às 16h grupo de apoio e atendimento clínico para mulheres
Sextas: das 14h às 15h30 reforço escolar para crianças e adolescentes que estudam pela manhã