Palmas para avisar que a visita chegou e logo de cara duas máquinas de costura antigas e uma cabeça de búfalo. Assim entramos na residência em que o morador tem fama de mau, mas em segundos, a sensação já é de conforto e segurança no bairro Tingui, em Curitiba. Essa é a casa do ferreiro Milton Rodrigues, 58 anos, natural de Santa Mariana, Norte Pioneiro do Paraná. Miltão, como é conhecido pelos vizinhos, faz facas de vários tipos na oficina que fica no fundo da residência e aproveita a “onda” das redes sociais para compartilhar com o mundo a técnica que aprendeu com a vida.
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A profissão é nobre e está literalmente na pele, marcada por ferimentos que o tempo custa a cicatrizar. O gosto pelas facas veio com um habitat mais rústico e sem inspiração familiar. “O pai era carroceiro e a mãe, do lar. Mas no interiorzão, era comum o homem andar com a faca e isto naturalmente atrai o olhar quando criança. Aquela coisa de botar na cinta e ir andando. Hoje mesmo, sou conhecido pelas facas e pelo jeitão. Chapéu, fivela e bota. Se não estiver assim, não sou eu”, ironizou o ferreiro.
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Milton seguia no interior ajudando os pais, mas o sonho de estar ao lado das facas aumentava com o passar dos anos e uma influência do outro lado do planeta mudaria a rotina deste homem alto e magro. A arte milenar do karatê aparece na sua mente com vídeos e apresentações de asiáticos com um objeto pra lá de especial. As katanas, espadas usadas por Samurais, têm insuperável velocidade, curvatura mais ou menos acentuada na lâmina e são mortais em combates. “Sempre gostei de arte marcial e admirava as armas chinesas. A ideia era iniciar com facas pequenas para chegar na longa. Fui pegando amor pelo negócio, mas nunca tinha visto alguém fazer uma faca. Antigamente, os ferreiros faziam ferramentas, foice, enxada e roda de carroça”, ressaltou Rodrigues.
Primeira faca
Com sonho de viver da confecção de facas, Milton fez a primeira ainda no interior. Mas sem experiência e com poucos utensílios para praticar, o objeto não agradou ninguém. A persistência em evoluir e melhorar cada vez mais, fez com que o ferreiro produzisse seus próprios instrumentos. Já em Curitiba, Milton fez a forja, a lixadeira e deu um jeito de comprar a bigorna. A partir daí, surgiu um cuteleiro que começava aos poucos a negociar o produto e ganhar algum dinheiro com a venda. “Fazia meia dúzia de facas e ia até os bares. Eles gostavam e compravam. Os primeiros elogios começaram a aparecer e fui ficando conhecido. Fui inventando mesmo e deu certo”, afirmou o homem das facas do Tingui.
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Separação
Apesar do início promissor de vendas, Milton Rodrigues sofreu um revés na sua história. A sua mulher na época não aprovava o dia a dia do ferreiro e ocorreu a separação. Sem a esposa, o ferreiro apostou tudo na paixão pelas facas e começou a viajar pelo Brasil de caminhão. “Na bagagem levava alguns modelos diferentes de facas. A família não queria que eu continuasse porque não dava dinheiro. Continuei firme e com muita garra para chegar a posição que tenho hoje”, relembra Miltão.
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Facas diferentes
Milton Rodrigues, já experiente com seu maquinário e decidido a viver da venda de facas, valorizou o seu material com alguns diferenciais. O cabo pode ser de madeira de lei, chifre bovino, de cervo e até de búfalo. “Para uma faca forjada, o tempo de preparação é de até 3 dias. Uso mola de caminhão ou de trem, capa de rolamento, corto o material, boto na forja e aí marreta. Desenho a faca no aço e depois lixadeira. Após isto, vai para a têmpera (fogo), lixa de volta e refinamento (calor no forno para aliviar a tensão do aço). Polimento e bainha de sola bovina. Faço faca por amor e me dedico em todos os pedidos. Não sei explicar este amor, pois eu mesmo não tenho uma faca boa. Quem gosta, leva daqui de casa”, relatou o apaixonado por armas brancas.
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Internet afiada
Avesso aos computadores e à tecnologia, Milton Rodrigues seguia no caminho tradicional de vendas, mas os negócios ficavam restritos aos bairros próximos ao Tingui. A clientela já estava satisfeita e os novos clientes vinham pelo boca a boca. No entanto, um dos filhos do ferreiro cobrava que o pai deveria aparecer mais e as redes sociais poderiam ajudar. Homem do interior, tímido e satisfeito com as amizades no bairro, Milton não curtiu inicialmente a ideia.
Depois de alguns pedidos negados, veio o famoso “grava aí”. O pesado trabalho de fazer uma faca começava a ganhar novos horizontes e a vida, antes tranquila fora dos computadores, se alterou. “Os pedidos começaram a chegar de todos os lugares. Do Norte do país até para o exterior. Estes dias mandei para os Estados Unidos e fica até mais barato a correspondência. A rede social ajudou demais para que eu ficasse conhecido. Foi muito bom, não posso reclamar. Mas jamais, vou me sentir a estrela. Eu posto meu trabalho e o pessoal curte. Chama atenção também os vídeos. Corto garrafas pet, papel e pelos do braço. Sou meio ignorante mesmo”, comentou Milton que espera um dia cortar dez garrafas cheias ao mesmo tempo (o recorde pessoal chegou a 8).
Os desafios realizados por Rodrigues não devem parar por aí. Um dos sonhos é entrar e ir longe na versão da América Latina do programa “ Desafio Sob Fogo”, do Canal History. Em 2018, o gaúcho Tom Silva foi o vencedor e levou dez mil dólares. “Quero sim participar e mostrar o meu talento. Não dei sorte da última vez, mas estou na expectativa de estar na próxima. Estou lutando para isto”.
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Novos cuteleiros
Seguindo até a onda da propagação de imagens na internet, os jovens estão procurando cada vez mais o trabalho de cuteleiro. A confecção de instrumentos de corte como machados, navalhas e até espadas tem um público fiel. Milton Rodrigues acolhe, por vários momentos, os novatos e ensina calmamente os passos de um calejado profissional. “Um amigo indicou o Miltão para eu comprar uma faca. Fui na oficina e ele fez uma Hunter em Damasco que ficou sensacional. Dali em diante, faço visitas e percebo que ele jamais se nega em passar o conhecimento dele para frente. Gosta quando as pessoas se interessam e atende com carinho todo mundo. É uma grande figura”, contou o empresário Paulo Vassão.
Quanto ao interesse dos jovens, realmente Milton fica contente em atendê-los, mas como um paizão das antigas, não tem moleza para a nova geração. “Primeiro é preciso ter sangue nos olhos, pois não é mamão com açúcar. Você olha uma lâmina pronta e pensa que é fácil. Tem alguns que pegam com vontade, mas não é para todo mundo. Tem que estar no sangue este sentimento”, explicou o mestre das facas.
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Sonho
Milton Rodrigues é pai de sete filhos e naturalmente deseja que alguém da família continue com a oficina e, principalmente, com o conhecimento desta nobre arte. A aposta está no caçula de 16 anos que atualmente trabalha em uma livraria. “Ele é um bom menino e trabalhador ao extremo. Gosta de estar aqui ao lado das facas. Vai dar boa, o Miltinho tem futuro”, confidenciou o pai coruja, que colocou o mesmo nome no filho mais novo.
Como falar com o Milton?
Se interessou pelo trabalho? Entre em contato com Milton pelo Facebook ou pelo e-mail milton@mrfacas.com.br. Ou pelo telefone dele, no (41) 9 9529-0105.
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