O que se viu pelas ruas de vilas da Cidade Industrial, na tarde de ontem, era desolador: milhares de móveis, colchões, eletrodomésticos, roupas, comidas e muitos outros objetos colocados nas frentes das casas. E as pessoas nas garagens e calçadas, sem saber pra onde ir, o que fazer. Tudo foi estragado pela enchente que ocorreu na região, na noite de sábado, e deixou milhares de casas das Vilas Sete de Setembro, Modelo, Santana, Resistência e Barigui 1 e 2 debaixo d’água. Nas Vilas Barigui 1 e 2, a água chegou ao teto de algumas casas.
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Jesiane Aparecida dos Santos, 21 anos, moradora da Vila Santana, parecia que tinha recém chegado de mudança com seus três filhos, pois não tinha absolutamente nada dentro de casa. Ela perdeu tudo. Até mesmo a porta do banheiro foi arrancada pela força da água que invadiu a casa. “Pior foi ouvir meus filhos gritando ’mãe, nós vamos morrer, tira a gente daqui’. Na minha inocência, os coloquei em cima do sofá, achando que estariam salvos. Mas a água começou a subir mais rápido. Peguei eles no colo e fui vagando dentro de casa, sem saber pra onde ir”, contou Jesiane. As crianças dela estão sem roupas e fraldas.
Soeli de Fátima Colaço, 51 anos, estava aos prantos no meio da rua. Também chorava pelos móveis, roupas e eletros que perdeu. Mas o que mais doía seu coração – que recebeu um cateterismo há 15 dias – eram os exames médicos e a carteira de trabalho que ela perdeu na água suja. Soeli se aposentou por invalidez, por causa de uma lesão grave na coluna.
Como o INSS está chamando os segurados para revisões, ela pagou os exames do bolso, tudo parcelado, para tê-los na mão quando a chamassem para a revisão. Ela tem medo de perder o benefício, se não conseguir provar sua incapacidade para o trabalho. “Tudo o que eu trabalhei. Virou nada”, disse ela, olhando para seus móveis todos molhados e com a sacola de exames encharcada nas mãos.
Cadeirantes
Paula, outra jovem moradora da vila, passou por momentos de terror. Na hora da chuva, ela estava em casa com sua mãe, cadeirante, e com seu filho, um bebê de poucos meses. Ela não sabia quem salvava primeiro. Decidiu correr deixar o filho com uma parente, que tinha uma casa mais alta que a sua. A criança ficou lá aos berros, enquanto Paula voltou no meio da correnteza de água suja, pra salvar sua mãe. Em outro canto da Vila Santana, uma família que velava um homem em casa teve que segurar o caixão na altura de suas cabeças, pra que o corpo não fosse levado pela correnteza.
Revolta
Na Vila Barigui 1, o aposentado Paulo Naldo, 73 anos, estava revoltado. “Tivemos um aumento enorme de IPTU. O meu veio quase mil reais este ano. E eu não vou pagar por revolta. Como que fazem um valetão desse com umas manilhas minúsculas, que estão sempre entupidas. Sempre que chove alaga aqui. Cadê as melhorias no bairro com o nosso IPTU? Na conta de água, a taxa de esgoto vem mais cara que a da água. Pra quê? Pra quando chove a gente vê o esgoto entrando dentro de casa desse jeito? Isso revolta demais”, dizia Paulo, nervoso, no meio da rua. Na faxina, moradores tiveram outra surpresa desagradável. O fornecimento de água da região foi cortado e as pessoas não conseguiam concluir a limpeza dentro de suas casas.
Em 30 anos, a população local diz que nunca viu uma enchente como a que aconteceu sábado a noite. As pessoas ficaram acuadas, pois relatam que a água chegava de todos os lados, através dos três valetões que cortam a região. Em algumas casas, a água vinha de dentro dos ralos e da rua, ao mesmo tempo. Vários cães morreram, pois os moradores, que mal conseguiam se salvar, não puderam resgatar os animais. Os moradores diziam que uma cadeirante e mais três crianças tinham morrido na enchente. Mas a prefeitura de Curitiba negou a informação, dizendo que não há registros oficiais de óbitos.
Protesto
A enchente nas vilas da Cidade Industrial gerou muita revolta nos moradores da região, que fecharam o Contorno Sul e a Avenida Juscelino Kubistchek de Oliveira, em protesto. O trânsito ficou completamente bloqueado nos dois sentidos das vias, por seis horas, do meio dia até às 18h, na altura do quilômetro 597, próximo ao Cargo Shop e à Volvo Caminhões. Conforme a Polícia Rodoviária Federal, quando a rodovia e a avenida foram liberados, havia congestionamento de 10 quilômetros no sentido Pinheirinho e de cinco quilômetros no sentido Orleans, no Contorno Sul.
A revolta dos moradores era por dois motivos. A primeira era que, durante a enchente, eles alegam que não tiveram nenhum tipo de ajuda dos governos para socorrer as pessoas em perigo. “Não apareceu uma viatura do Corpo de Bombeiros ou da Defesa Civil pra ajudar esse pessoal. Gente precisando de ajuda pra sair da enchente”, revolta-se o desempregado Matheus Lucas, 20 anos.
O segundo motivo, diz Matheus e diversos outros moradores, seria porque a gestão municipal teria mandado abrir comportas de rios da região, principalmente o Barigui, pois as barragens destes rios não estariam dando conta da vazão de água. E se as comportas não fossem abertas, o Centro de Curitiba é que ficaria inundado.
A Prefeitura de Curitiba esclareceu que essa história de comportas é uma lenda, elas não existem e eventualmente a história volta à boca do povo. Conforme a prefeitura, uma equipe da administração regional da Cidade Industrial esteve na região a tarde, junto com o diretor de pontes e drenagem da Secretaria Municipal de Obras, convidando os moradores para uma roda de conversa esta semana.
Nela, técnicos do meio ambiente e drenagem devem mostrar aos moradores as obras de drenagem que estão sendo feitas na bacia do Rio Barigui, para melhorar a vazão. Metade da obra já está pronta e, conforme a prefeitura, se ela não estivesse em andamento, os estragos nas vilas seriam muito piores.
Ainda conforme a prefeitura, há duas explicações para a enchente. A primeira é o relevo da região, que favorece alagamentos. A outra é a quantidade de chuva que caiu: 70.2 milímetros de água em apenas uma hora, ou seja, metade do que era previsto para todo o mês de março.
Chuvarada
Conforme a prefeitura, 10 bairros da capital foram afetados pela chuva: Pinheirinho, Bairro Novo, Fanny, CIC, Boa Vista, Portão, São Lourenço, Hauer, Água Verde e Rebouças. Cerca de 300 casas foram danificadas e mais de 1.500 pessoas foram afetadas, das quais 200 ficaram desalojadas. Mas a Tribuna também recebeu relatos de alagamentos e prejuízos em Colombo e Araucária. No entanto, a prefeitura de Curitiba ressaltou que o levantamento é parcial.
Cerca de 1,3 tonelada de alimentos serão distribuídos emergencialmente às famílias que já se cadastraram junto aos Centros de Referência e Ação Social (Cras) da região, pedindo ajuda. Mas a prefeitura abriu campanha para receber doações, pois as famílias locais vão precisar de muito mais ajuda. As doações mais emergenciais de água potável, alimentos não perecíveis e colchões podem ser feitas diretamente nas sedes da Fundação de Ação Social (FAS), nas Ruas da Cidadania de Curitiba.
CMEIS fechados
Por causa das enchentes, alguns CMEIS e escolas municipais não vão abrir ou terão funcionamento parcial nos próximos dias. A Escola Municipal Dario Vellozo não atenderá nesta segunda-feira. O CEI do Expedicionário não atenderá pela manhã, mas abrirá no período da tarde. O CMEI Uberlândia fica fechado hoje e amanhã e volta a atender na quarta-feira.
No CMEI Barigui I, as crianças serão atendidas na unidade ao lado, que é o CMEI Hugo Peretti. E as crianças do CMEI do Ubatuba serão atendidas no CMEI Paquetá. A prefeitura não deu previsão de quando as unidades voltarão ao funcionamento normal.