O passatempo do engenheiro e arquiteto José Cantídio Silveira, 60 anos, vale a visita na garagem onde ele tem uma oficina de miniaturas, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Os veículos que ele faz com papelão, cola e restos de arames e fios elétricos enchem os olhos de quem gosta de colecionáveis. Nada está à venda, infelizmente, mas já teve gente que ganhou uma miniatura por causa da bagagem histórica do modelo original. Cada miniatura é a réplica quase perfeita de um veículo que existe ou existiu de verdade, com direito a número da placa e do chassis. O hobby surgiu em 2015, quando Cantídio se encantou com um caminhão antigo exposto em leilão.
“Vi o caminhão. Tirei várias fotos e fui para casa tentar fazer a minha própria miniatura dele, já que essa eu não teria como comprar pronta em lugar nenhum. Tinha que ser exatamente o que vi”, contou o “artista manual”. E esse primeiro projeto impulsionou vários outros, com direito a melhorias na forma de construir as rodinhas e com a evolução para montagem completa da parte interna das miniaturas. “No começo, eu tinha que usar as rodinhas desses carrinhos de plástico prontos, das lojas de R$ 1,99. Eu comprava centenas deles”, relembra Cantídio.
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Para o primeiro projeto, ele baixou as fotos no computador e usou um software para montar adesivos em escala. A frente do caminhão, laterais e até os aros das rodas se transformaram em adesivos. Cantídio foi moldando o veículo com recortes de papelão e materiais diversos, depois colou os adesivos e o projeto foi finalizado. “Trabalhar com maquetes era algo que sempre fiz. Desde criança eu construía minhas cidades miniaturas. É um dom que sempre tive. Mais tarde, nas aulas de arquitetura, eu brincava com os professores que fazer projetos com maquetes, para mim, era moleza”, conta ele.
O artista se formou engenheiro e arquiteto após os 40 anos de idade. “Mas desde 1983 eu sempre trabalhei na área da construção civil e imóveis. E desde sempre eu gostei de colecionar miniaturas de carros, caminhões, ônibus e camionetes”, diz Cantídio, que costumava comprar as miniaturas de ferro nas lojas, aquelas dos anos 1908, ou brincava com aquelas que vinham desmontadas e a pessoa tinha que montar e pintar cada pecinha de plástico. “É até hoje a minha forma de encontrar a paz”, revela.
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Mas não foi só de miniaturas que o amor de Cantídio pelos veículos se construiu. Ele também já foi colecionador de carros de verdade. “Sim. Já fui daqueles que restauraram Fusca e Brasília antigos. Carros de verdade. Minha garagem tinha pelo menos uns cinco veículos estacionados”, brinca. Segundo o colecionador, em 2016, um Fusca vermelho cereja que ele fez caiu nas graças de um homem que o abordou na rua e ofereceu R$ 50 mil. “Eu estava dirigindo e o homem me faz parar o Fusca, na Avenida das Torres, em Curitiba. ‘É meu o carro’, ele disse. Quis resistir, mas vendi. Não pelo dinheiro, mas porque o cidadão contou uma história de afeto com aquele modelo, daquela cor”, explicou.
Atualmente, nada de carros de verdade. A paixão mesmo são as miniaturas. Desde que começou com o passatempo, já são 477 miniaturas produzidas. As primeiras eram apenas com a parte externa dos veículos. Agora, nos últimos tempos, o trabalho se aprimorou e Cantídio modela os carrinhos com o interior deles. As portas abrem, o capô, os eixos tem amortecedor e as rodinhas são produzidas por ele mesmo. “Fui aprimorando a técnica. Eu uso rolo de papelão e consigo fazer a rodinha que eu quiser, da largura e banda igual a original”, conta. O artista também faz questão de marcar a placa e o chassi na miniatura, garantindo que a obra de arte saiu do modelo original. “Monto miniaturas de veículos que existem de verdade. São réplicas”, ressalta.
Só que, para tristeza geral da nação dos amantes de carros e miniaturas, José Cantídio não faz essas joias para vender. “Não as faço para comercialização, só como hobby, por ser fanático por essas feras. Mas, já fiz sim por encomenda, para outros que tinham amor pela a história da motorização”, contou. “Até porque, uma vez minha esposa postou que eu fazia miniaturas no Clube da Alice, no Facebook, e foi uma enxurrada de pedidos. Eu peguei cinco para fazer, mas acabou me tirando o tempo de trabalho no escritório”, explicou.
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Segundo ele, duas histórias de paixão contagiante o marcaram e o fizeram quebrar a regra comercial. Em uma delas, há mais de um ano, uma moça queria reproduzir o caminhão do avô. Ela iria casar e queria entrar com o caminhão no altar. “Era o avô Juarez, que morreu de acidente no caminhão. Ela tinha as fotos. Acabou que ela entrou de noiva segurando o caminhão representando o avô”, contou Cantídio.
A outra história é de um advogado conhecido dele que, quando viu as miniaturas na garagem, contou que o pai era caminhoneiro e tinha “dado o sangue” na estrada para sustentar a família. “Fiz o caminhão pra ele e o cara começou a chorar quando viu. É que, na foto, aparecia um paralama amassado. Eu fiz a miniatura exatamente como na foto e o amassado trouxe uma lembrança importante. O dia da batida tinha sido triste para o pai, que gostava muito do caminhão. Isso recordou a infância dele e eu me emocionei junto”.
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Falando em emoção, o valor das miniaturas é sentimental para Cantídio. Elas não têm preço. Mas ele disse que, como bom engenheiro, já fez cálculos do patrimônio da garagem e o montante chega a quase R$ 300 mil, se for levado em conta R$ 600 reais como preço médio das quase 500 miniaturas feitas por ele. “Mas é só uma média do que a coleção poderia valer. Mas são miniaturas que têm valor sentimental pra mim”, diz.
Questionado sobre a possibilidade de criar uma exposição das miniaturas para mostrá-las aos amantes da arte, Cantídio disse que vai pensar. “Um professor de Mecânica da UFPR já me propôs. Ele gostou bastante do que viu. Mas, vamos ver”, finalizou o artista.
Enquanto a ideia da exposição não amadurece, os leitores da Tribuna podem matar a curiosidade do trabalho de Cantídio pela galeria de fotos.
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