Ter uma casa própria, um lugar para chamar de lar e não dever nada para ninguém. É o sonho de muita gente. A vendedora Valentina Lavin, 37 anos, partilha deste pensamento. Morando de aluguel com o marido desde 2012, não vê a hora de ter a própria residência. Inscrita na fila da Cohab, há alguns anos comemorou a convocação por meio de uma parceria com o programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal.
Foi informada de que poderia adquirir um apartamento no bairro Santa Cândida, no Residencial Cedros. Um projeto bonito, com área de mata ao redor e espaço para a família. No entanto, a comemoração acabou dando lugar à decepção. Com a promessa de que receberia as chaves até agosto de 2015, amarga – até agora, uma espera que parece não ter fim.
De lá para cá, a data de entrega já foi alterada por, no mínimo, quatro vezes. “Em um primeiro momento alegaram problemas com o dono do terreno e prometeram tudo resolvido até agosto. Infelizmente, a promessa não foi cumprida. Garantiram, então, para fevereiro. Depois, para maio. E aí, prorrogaram para junho. Já estamos em outubro e, agora, garantem que tudo estará pronto e entregue até o dia 15 de novembro. Eu só acredito vendo”, explica.
Assim como ela, dezenas de pessoas, frustradas, entraram na Justiça e exigiram providências. “O que conseguimos, por enquanto, foi a suspensão da cobrança dos juros de obra. É um valor pago por mês e que varia de acordo com o financiamento de cada morador. Tem gente que estava pagando R$ 400, outros R$ 500… Só que, com obra atrasada desse jeito, não dá pra ficar pagando pelo erros dos outros”, desabafa a vendedora, que já desembolsa cerca de R$ 600 com o aluguel mensalmente.
Apelo judicial
Mais de 100 famílias que aguardam a liberação do imóvel no Residencial Cedros são representadas pelo advogado Daniel Fernando Pastre – no total, o empreendimento conta com 544 apartamentos. A construtora responsável é a FMM. “Primeiro justificaram o atraso com as chuvas. Depois, alegaram problemas com mão d -obra. Só que o problema vem se arrastando há mais de um ano”, comenta o defensor.
Com ações já protocoladas, os proprietários aguardam decisões favoráveis na Justiça. “Uma decisão liminar aponta a Caixa Econômica Federal como responsável também, já que atua vinculada com o programa social da União, além de atuar como agente financeiro. A Caixa deveria ter monitorado a obra e, confirmando os primeiros indícios de atraso, substituído a construtora”, aponta o advogado.
Além da entrega dos apartamentos, as pessoas pedem a devolução dos juros já pagos, indenização por dano material e indenização pela impossibilidade de uso do imóvel. “Sem falar que muita gente chegou a comprar móveis ou mandou fazer, achando que poderia se mudar logo. Outras pessoas se casaram esperando vir para o novo lar e tiveram os planos frustrados. Há quem precisou prorrogar o contrato de aluguel em outro imóvel e tem, também, gente que precisou morar de favor por causa do imprevisto”, explica o advogado.
Crise afetou construtora
A informação é de que a FMM entrou em processo de recuperação judicial, devido à crise econômica. A reportagem ligou diversas vezes para a construtora, mas nenhum responsável foi localizado.
No site da empresa, um comunicado aos clientes postado no último dia 15 de agosto confirma que a FMM ajuizou o pedido no Foro Regional de São José dos Pinhais em caráter de urgência. A construtora alega, ainda, que mantém esforços para a continuidade das atividades e conclusão das obras em andamento, “apesar das dificuldades advindas da crise econômica e política que assola o país, a qual afetou de forma direta o mercado de construção civil, especialmente aquele voltado para o Programa Minha Casa Minha Vida”.
A nota diz que o pedido de recuperação foi considerado a medida mais adequada para preservar a continuidade das obras em fase final de execução, além de preservar o valor e imagem da companhia perante o mercado de construção civil.
Sem responsabilidade
A Caixa Econômica Federal diz que os empreendimentos se enquadram na faixa 2 do programa Minha Casa Minha Vida. Nestas operações, diz atuar somente no papel de agente financeiro, sem responsabilidade de construtor, vendedor ou incorporador. A Caixa diz, ainda, que os casos citados seguem em trâmite na Justiça e ainda não há uma decisão definitiva.
Problema que se repete
Quase colado com o Residencial Cedros, está o Residencial Figueiras. Com 80 apartamentos, o imóvel também está atrasado. Só que, ao contrário dos prédios vizinhos, não conta com nenhum operário. É a denúncia do atendente de farmácia Marco Pilatti. “Fechei o contrato antes dos compradores do Cedros. Mesmo assim, continuo sem apartamento. A construtora é a mesma e o problema, também”, explica.
Marco mora em uma casa alugada. Por mês, são, aproximadamente, R$ 800 desembolsados. Só que, ao contrário dos vizinhos, não conseguiu suspender a cobrança de juros da obra. “É um dinheiro que me faz falta e não é justo que isso seja cobrado. Para dar entrada no apartamento, cheguei a vender meu carro. Até hoje estou a pé”, lamenta.
Direitos devem ser buscados
Para o presidente da Associação Nacional dos Mutuários no Paraná, Luiz Alberto Copetti, a situação da construtora é compreensível, mas deve ser resolvida. “Tivemos um período de grande aquecimento nas vendas e, assim, um imóvel pagava o outro. Só que veio a recessão e afetou o setor da construção civil. Nesse caso, a construtora entrou com um pedido de falência”. A pessoa lesada deve buscar os direitos na Justiça. Quando eles entregarem os imóveis, a melhor coisa é levar um engenheiro até o local. Só ele vai poder garantir a qualidade da obra e confirmar se a empresa fez “tudo às pressas e mal feito, ou não”.