Feche os olhos e volte para a sua infância. Joelhos ralados, comida da mãe, briga com os irmãos, carrinho de rolimã, caça ao tesouro e encontros regados a ‘temos todo o tempo do mundo‘. Anos se passaram e é impossível não sentir saudade desta época inocente, de imaginação fértil e menos, muito menos, ceticismo. Acontece que nem todo mundo cresceu e passou a pensar ‘dentro da caixinha‘, como muitos dizem. Marcos Juliano Ofenbock, 41, economista por formação e arqueólogo por uma espécie de destino, sempre foi além.
Em tempos de ‘se não tá na internet não existiu‘, o pesquisador conseguiu documentos que comprovam que os piratas, que apareciam apenas nas brincadeiras de infância, existiram e que o pirata Zulmiro, de origem inglesa, não somente existiu, mas como morou no bairro Pilarzinho, em Curitiba. A lenda é bastante conhecida na cidade, mas em novembro de 2018, M.J – abreviação de Marcos Juliano -, fez com que ela deixasse de ser apenas um conto e passasse a ser reconhecida por Adam Paul Patterson, cônsul honorário do Reino Unido em Curitiba.
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Volta ao tempo
O ano é 1880. O inglês Edward Stammers, recém-chegado ao Brasil, conhece um velho, de 80 anos, morando em um pequeno casebre no bairro Pilarzinho, em Curitiba. De origem inglesa, uma breve amizade surge entre os dois e o senhor, conhecido como Pirata Zulmiro, resolve contar a história da sua vida para o jovem inglês.
“Como eles falavam o mesmo idioma, Zulmiro logo se identifica e então conta que junto com outros dois piratas ele escondeu um grande tesouro na Ilha da Trindade, no Espírito Santo. Com muita educação e perfeito vocabulário, Edward logo suspeita que ele era um ’velho’ muito estudado e então descobre que ele nasceu em Cork, na Irlanda – na época fazia parte da Inglaterra – e que tinha estudado em um escola para príncipes. Depois de se formar ele entra para a Marinha Britânica, mas por conta de uma briga, onde matou um capitão, ele resolveu fugir e se tornar um pirata”, explica Marcos Juliano.
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Depois de ouvir toda a história fantasiosa do pirata, Edward faz um pacto e promete que só irá contá-la quando Zulmiro morrer. Anos se passam e Edward se muda para o Rio de Janeiro com sua esposa e seus cinco filhos e, desde a mudança, passou a acreditar que tudo não passou de uma grande mentira e que na verdade o ‘velho era doido‘, mas isso mudaria em breve. Um belo dia ele acorda, pega o jornal impresso para ler e encontra uma reportagem sobre um pirata, conhecido como Zarolho, publicada na edição. Assim que lê, percebe que esse era o pirata que fazia parte de um trio juntamente com Zulmiro e José Sancho.
Chocado com a descoberta ele manda um telegrama para Curitiba e dias depois descobre que Zulmiro tinha falecido há sete anos. Com o pirata morto, Edward finalmente poderia revelar a história e, claro, o roteiro do tesouro. Decidido e muito empolgado, ele manda diversas cartas ao jornal e tem a sorte de todas serem publicadas. No entanto, a alegria durou pouco. Edward escondia o roteiro dentro de um baú e com a publicação das cartas, bandidos ficaram interessados no grande mapa e acabaram invadindo a casa do inglês. Na época, poucos entendiam sua morte, já que levou dois tiros no peito sem motivo aparente. Com as cartas publicadas, a primeira expedição brasileira em busca do tesouro aconteceu em 1910, a segunda também em 1910 e a terceira em 1911. Todos queriam o tesouro do pirata russo Zarolho, do inglês Zulmiro e do espanhol José Sancho. O pirata Zarolho teria entregado o mapa aos britânicos antes de morrer, em 1850. O tesouro era fruto de um roubo, que aconteceu em 1821, onde o trio teria roubado o grande tesouro da Catedral de Lima.
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Anos se passaram e o arqueólogo Marcos Juliano, fascinado pela história de Zulmiro, que ainda era conhecida como lenda, conseguiu comprovar a existência dele por meio de documentos ingleses depois de 15 anos de pesquisa. A descoberta surgiu por meio de uma pesquisa no livro de registros do Cemitério Municipal do São Francisco. Na lista de sepultamentos do dia 24 de julho de 1889, João Franciso Inglês, nome que Zulmiro adotou quando chegou a capital, aparece. Além deste documento, MJ também localizou documentos da vida passada do pirata, época em que ele vivia na Inglaterra.
Vida secreta
Em 1798 a cidade de Cork, na Irlanda, ainda fazia parte da Inglaterra e foi neste lugar que Francis Hodder, que mais tarde se tornaria o pirata Zulmiro, nasceu. De família rica e cheia de privilégios, ele estudou na Etton College, uma escola interna para garotos, fundada em 1440 por Henrique VI da Inglaterra. Atualmente ela educa mais de 1.300 alunos, com idades entre 13 e 18 anos. Quando entrou na escola, Francis Hodder, como se identificava, tinha apenas 13 anos e foi li que se formou. Anos se passaram e ele entrou para a Marinha Britânica, mas acabou matando um oficial e fugiu para não ser morto.
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“Por conta dessa morte, ele iria para a corte marcial e seria enforcado, porque matou outro oficial. Por isso, ele desertou, abandonou e resolveu ir até o porto da Flórida e embarcou como imediato em um navio negreiro. Naquela época o tráfico de escravos e a pirataria estavam ligados e eles resolveram fazer um motim, onde hastearam uma bandeira preta. Na ocasião o pirata trocou de nome e passou a se chamar Zulmiro. Ele resolve abandonar o passado de príncipe e faz um acordo com outros dois piratas, José Sancho e um russo, com uma cicatriz na cara, chamado de Zarolho. Eles roubam esse grande tesouro no Peru e resolvem esconder a fortuna na Ilha da Trindade”, detalhou.
Logo depois de esconderem o tesouro, cada um seguiu seu rumo e em 1838 Zulmiro acaba capturado por um navio de guerra inglês, H.M.S Childers, que tinha como capitão Henry Kappel. Acontece que o capitão e Zulmiro se conheceram durante o tempo em que o pirata estava na marinha. “Como eles eram amigos naquela época, ele disse ‘vou simular sua fuga’, mas ‘você tem que me prometer que nunca mais irá aparecer e que vai deixar de ser um pirata’. Ele liberou Zulmiro e lhe deu 50 libras, que valia muito dinheiro naquela época, para ele não morrer de fome, e mais alguns livros para que ele tivesse o que fazer. Ele foi solto no litoral do Paraná e nove dias depois ele chegou ao Pilarzinho, onde comprou uma escrava e passou a viver em Curitiba”, finalizou.
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