A calmaria da rua emoldurada pela vegetação engana os desavisados. Mas o comportamento das pessoas escancara o problema da insegurança na região do ParkShopping Barigui, entre os bairros Campina do Siqueira e Mossunguê. “Os funcionários e clientes estão apavorados”, desabafa Raphael Kaina. Ele trabalha no local e conta que os crimes viraram parte da rotina. “Os assaltos são diários, principalmente no caminho até a estação-tubo Major Heitor Guimarães, na canaleta do biarticulado, pela Rua Francisco Nadolny. Muitas vezes tem até mais de um por dia”.
“É de dia, de noite. Qualquer hora é hora pra esses bandidos”, protesta Idalina Silva, de 63 anos, moradora da região. De dentro da estação-tubo, onde esperava a condução para ir a mais uma sessão da fisioterapia, que a tem obrigado a sair de casa semanalmente, a mulher vigia a movimentação de quem circula pelo lado de fora. “O duro é ver o ladrão pra lá e pra cá e saber que nada vai acontecer com ele”.
Dentro ou fora dessa e de outras estações-tubo ao longo da Rua Deputado Heitor Alencar Furtado, usuários do sistema de transporte coletivo, pedestres em geral e cobradores são alvos fáceis dos assaltantes. “Outro dia apareceram com um revólver e facas e levaram uns dez celulares. As vítimas eram todas funcionárias do shopping”, relata Raphael. “Precisamos de ajuda, mas a impressão é que o poder público abandonou a região há muito tempo”.
Gisele Ramborger é outra funcionária do centro comercial que não aguenta mais a falta de segurança. Ela caminha apressada logo que desce do ônibus. A moça diz que nunca foi roubada nem sofreu qualquer tipo de furto, mas conhece quem já teve esse tipo de experiência. “É horrível. Saio do trabalho às 11h da noite e já aconteceu de eu chegar no tubo e o cobrador nem ter troco porque tinha acabado de ser assaltado. Polícia, aqui, só quando acontece alguma coisa e mais nada”.
Ruim de dia, pior à noite
A 400 metros da estação Major Heitor Guimarães, o tubo Rio Barigui é ainda mais temido. O coordenador de restaurante Renan Luisant Berquo costumava descer lá até algum tempo atrás para cortar caminho em direção ao trabalho pelo pátio de um hipermercado, mas precisou mudar o itinerário. “Um dia me disseram que tinha um cara que eu nunca vi na vida perguntando de mim. Desde então, eu venho até o Major, apesar de que aqui tá ficando igual”.
Segundo ele, a situação é ruim de dia e piora à noite. “Tem muita gente reclamando, com medo. E esse mato todo em volta, tá vendo? E falta iluminação também. Na estação Rio Barigui, nem os cobradores ficam no tubo se não tem passageiro e a média é de dois ou três assaltos por semana”.
Que medo!
A sequência de assaltos é confirmada por um cobrador que prefere não dizer o nome. Se contar, ele diz, pode ser demitido. “A gente aqui tá abandonado. Para a prefeitura, para a polícia e para a empresa, o cobrador é só um número a mais. Não somos gente”. Ele revela que ocorreram nove roubos em três semanas. “Só que mudou nos últimos tempos. No começo o camarada vinha e só assaltava o cobrador. Agora, a tática é pegar só passageiro”. Na mira, principalmente telefones celulares. “Quando ele vem, tira uma média de dez a quinze aparelhos por vez”.
Nesse caso, o assaltante é sempre o mesmo. No local, a informação é de que se trata de um sujeito articulado, que se sente seguro nas abordagens e tem sempre o apoio de um carro, que fica pelas esquinas. “Os assaltos estão igual o trânsito: também têm horário de pico. São mais comuns entre 17h e 19h30, depois disso tem uma pausa, e começam de novo por volta das 21h”.
Outro trabalhador do transporte coletivo conta que já sofreu 16 roubos na região. “Quanto mais tarde, mais perigoso fica, mas isso não é regra. A única diferença é que, de dia, os roubos são geralmente contra os passageiros e, de noite, contra os cobradores”.
Isolados e desprotegidos
Entre os motivos para que a região esteja tão exposta à ação de criminosos, segundo os entrevistados, a baixa presença de comércios nos arredores é um dos mais mencionados. “É um local ermo, isolado”, explica um cobrador. Tem também a questão da iluminação pública. “Antes não tinha luz nenhuma. Agora até ligaram uma lâmpada aqui, outra ali, mas é tudo muito precário diante da dimensão do problema”, argumenta outro. “Que proteção nós temos aqui?”
Em março, a Tribuna denunciou o problema do monitoramento deficiente nas estações-tubo. Na ocasião, a reportagem revelou que mais de 15% das câmeras da Urbs em tubos e terminais estavam fora de uso por causa da ação dos vândalos. Quatro meses depois, o problema é o mesmo. “Do Campina do Siqueira até o Campo Comprido só dois tubos têm câmeras”, relata um cobrador.
Sem poder contar com a polícia ou com a Guarda Municipal como gostariam, os trabalhadores do transporte coletivo tentam se defender como podem. “Eu sei que alguns deles têm uma espécie de porrete; chamam de ‘pau de amansar doido’, mas isso não resolve muito”, explica Renan. Um cobrador acredita que ajudaria se houvesse policiamento à paisana pra flagrar os bandidos. “A Guarda Municipal tinha esse tipo de ação até algum tempo atrás, mas depois acabou. E o triste é saber que tem gente por aí que acha que a gente é conivente com bandido”.
PM e Guarda se dizem presentes
Em nota, a Polícia Militar contraria os relatos ouvidos pela Tribuna e informa que atua na região com policiamento preventivo e ostensivo nas imediações do terminal, estações-tubo e linhas de ônibus. Segundo a corporação, as rondas são realizadas pelo 12º Batalhão e muitas ações, em conjunto com a Guarda Municipal.
A PM ressalta que não deixa de atender aos chamados e orienta que as pessoas busquem a central 190 sempre que precisarem. Quando há alguma situação de crime ou delito, os suspeitos são abordados e, se necessário, encaminhados à delegacia. Segundo a nota, “quando a PM recebe informações de supostos arrastões, disponibiliza policiais à paisana nos ônibus e policiamento fardado com patrulhamento nas proximidades de linhas potenciais e terminais. A PM orienta as pessoas a não ostentarem dinheiro ou objetos de valor e lembra que o Boletim de Ocorrência é uma ferramenta fundamental no combate à criminalidade e no planejamento das ações.
Nas imediações do shopping, a Tribuna flagrou o aparente comércio de drogas ao lado da estação-tubo Rio Barigui. A PM diz que, em situações de tráfico, os agentes fazem as abordagens e, constatado o crime, delito ou ilícito, os suspeitos são encaminhados à delegacia com o material apreendido.
Operações conjuntas
A Guarda Municipal também argumenta que as rondas e patrulhas são promovidas na região periodicamente. “Além disso, a GM realiza constantes operações preventivas para assegurar a proteção da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais. Entre essas ações estão a Operação Presença, em estações-tubo e terminais, e a participação em operações integradas com a PM”. A ideia dessas iniciativas é complementar o trabalho de policiamento ostensivo, que é de responsabilidade da Polícia Militar. Sobre o serviço reservado, a informação é a de que as ações são realizadas pontualmente, conforme a necessidade.
Prejuízo de R$ 1,5 milhão
Em nota, a prefeitura afirma que tem feito investimentos significativos na melhoria da iluminação pública, que é um importante fator de reforço da segurança. “O projeto ‘Ônibus Seguro’ substituiu cerca de cinco mil luminárias e lâmpadas de vapor de sódio (cor laranja) por lâmpadas LED (cor branca) em postes de iluminação situados próximos de pontos de ônibus, principalmente em regiões periféricas da cidade”.
A administração municipal menciona também o Projeto de Revitalização de Iluminação Pública em Linhas de Ônibus Alimentadores, responsável pela trova de 15 mil luminárias e lâmpadas de vapor de sódio por vapor metálico de alto rendimento (branca) no itinerário de aproximadamente 140 linhas de ônibus alimentadores. A próxima etapa do plano inclui a substituição de 8,8 mil pontos de iluminação em ruas com alto tráfego de veículos.
Em relação às câmeras, a prefeitura salienta que enfrenta permanentemente o problema do vandalismo que, além de afetar a segurança, gera enormes prejuízos para o município. “No ano passado, a Urbs investiu R$ 1,5 milhão para reparar cerca de 150 câmeras que não estavam operando em função de vandalismo. Atualmente são 75 câmeras do transporte fora de operação também em decorrência da ação de vândalos”. Há ainda um projeto que prevê a realocação das câmeras das estações para pontos que fiquem fora do alcance de vândalos.
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