Armando: as chácaras tinham fileiras de laranjeiras exuberantes. Eram paisagens bucólicas, lindas! A água era buscada no poço com manivela. Fotos: Átila Alberti
A Avenida Vereador Toaldo Túlio foi ‘a segunda rua que a italianada fez no bairro‘, nas palavras do empresário Armando Túlio, primo-irmão do político que deu nome à via. ‘A primeira, foi a Manoel Ribas‘, completa. De óculos escuros, camiseta regata pra dentro da calça e corrente e relógio dourados, Armando é um livro de história ambulante. Aos 70 anos, não economiza nem no latim nem nos gestos ao narrar como a passagem do tempo foi transformando a colônia de Santa Felicidade.
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Na época que os descendentes de italianos viviam da lavoura, a Avenida Toaldo Túlio era conhecida como ‘rua principal‘, já que a Manoel Ribas não passava de uma estradinha vicinal. Sem poderem se dar ao luxo de comprar ripas e arame para fazer cercas, os moradores separavam as propriedades com ‘sfiezas‘, o termo do dialeto vêneto para as valas que eram cavadas para demarcar os territórios. ‘Meu irmão uma vez me empurrou pra dentro de uma dessas sfiezas‘, recorda. Armando cresceu em meio a plantações de milho, parreirais e campos onde as vacas pastavam. ‘As chácaras tinham fileiras de laranjeiras exuberantes. Eram paisagens bucólicas, lindas! A água era buscada no poço com manivela‘, diz, cheio de nostalgia.

Enquanto os homens iam lidar com a terra, as ‘nonnas‘ iam de carroça para a cidade, de avental com um bolsão na frente e lenço amarrado na cabeça, para vender leite e manteiga e levar a roupa lavada e engomada. ‘Elas transportavam os ovos dentro de cestas de taquara forradas com palha de arroz, para que eles não quebrassem.‘ As avós seguiam pela Antônio Escorsin, chamada naquele tempo de Estrada do Tanque Velho, conversando alto e fazendo o maior barulho, lembra. Para concorrer com a voz das italianas, só mesmo o ruído das ferraduras dos cavalos, que batiam na rua sem calçamento e cantavam ‘toc, toc, toc‘.

Religiosidade

Empresário relata que italianada tinha uma fé fervorosa e era chegada em uma magrela. Foto: Átila Alberti
Em feriados cristãos, a Vereador Toaldo Túlio era percorrida pelas procissões que saíam da Paróquia São José e Santa Felicidade, no cruzamento com a Manoel Ribas. ‘Na frente de cada chácara foi construído um altar, o padre ia passando e abençoando. Ele vinha com o turíbulo e o ostensório e benzia os quatro cantos do bairro. Os italianos viviam em função da igreja‘, diz. Além da fé fervorosa, a italianada era chegada em uma magrela, afirma Armando. Entre 1945 e 1955, a rua foi palco das primeiras corridas de bicicleta, competições oficiais cujo trajeto ia da catedral de Santa Felicidade até a igreja do Campo Comprido.

 

Mudança radical

Fábrica e loja de artigos de vime montada pelo pai de Armando completa 90 anos em 2016. Foto: Átila Alberti

 

Quando começou a mecanização da agricultura, os italianos viram que sua fonte de renda e alimentação estava ameaçada e trataram de arranjar outras atividades. Foi então que os homens passaram a ir ao centro da cidade de bicicleta para trabalhar como pedreiros. ‘Eles tinham umas mãos pra erguer tijolos que eu vou te contar!‘, exclama Armando Túlio.
Santa Felicidade foi a horta de Curitiba, hoje, é a cozinha. Os hortifrutigranjeiros produzidos aqui abasteciam toda a capital.”
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Armando Túlio, 80 anos, empresário e primo-irmão do homenageado na Avenida Toaldo Túlio 

Algumas famílias apostaram na vinicultura, já que era costume cultivar uvas. Outras, escolheram vender frango e polenta, dando origem aos primeiros restaurantes do bairro. ‘Santa Felicidade foi a horta de Curitiba, hoje, é a cozinha. Os hortifrutigranjeiros produzidos aqui abasteciam toda a capital.‘ A atividade eleita pela família de Armando foi o artesanato feito com vime. ‘Meu bisavô materno trouxe mudas de vime da Itália. Antes, a planta era usada para amarrar as parreiras. Começamos a confeccionar cestos e móveis de vime e meu pai montou uma fábrica‘, diz. Já o tio de Armando, pai de Toaldo Túlio, tinha um bar com uma cancha de bocha. ‘Aquele lugar ficava abarrotado com a italianada.‘

Progresso

Com a pavimentação, a partir de 1960 começou a grande mudança da região, com valorização imobiliária e chegada de comerciantes. Foto: Lineu Filho
O asfalto chegou, primeiro à Manoel Ribas, em 1951, porque os políticos de Curitiba queriam ir ‘de chevrolezão‘ comer galeto e polenta sem enfrentar os buracos, a poeira e as pedras soltas, diz Armando. ‘Mais tarde, foi colocado um antipó na Vereador Toaldo Túlio que vivia quebrando, era a maior buraqueira.‘ Foi a partir de 1960 que começou a grande mudança no bairro. ‘Com o asfalto, os curitibanos vieram para Santa Felicidade. Valorizou bastante e entrou o comércio, depois, começou a exploração de aluguel.‘ Armando conta que os curitibanos chamavam os imigrantes de gananciosos, porque conforme conseguiam juntar um dinheirinho, iam comprando chácaras para vender ou alugar.
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A ‘Móveis Túlio‘, fábrica e loja de artigos de vime montada pelo pai de Armando, existe até hoje na Vereador Toaldo Tulio, e completa 90 anos em 2016. O empresário mora na esquina da Manoel Ribas com a Vereador Toaldo Túlio, bem de frente para a igreja. ‘A rua que leva o nome do meu primo marcou e faz parte da minha vida.‘

Político nato

Com quase cinco quilômetros de extensão, Avenida Toaldo Túlio passa pelos bairros Santa Felicidade, Orleans e São Braz. Fotos: Lineu Filho
Os primos-irmãos da família Túlio cresceram jogando bola juntos. Desde novo, Toaldo Túlio mostrou tendência para a política. Seu carisma e seu jeito alegre e brincalhão o fizeram bem quisto pelo povo, conta Armando. Como foi presidente do coral da catedral de Santa Felicidade e teve participações importantes nos dois clubes de futebol tradicionais do bairro, o Trieste e o Iguaçu, todos o conheciam. ‘Morreu jovem, de um apêndice supurado, coisa besta. Morrer disso soa até ridículo hoje em dia‘, lamenta. ‘Se você visse o túmulo dele no cemitério, a quantidade de placas e emblemas com as coisas que ele conquistou…‘ Filho de Ângela Toaldo e Bortolo Túlio, Augusto Toaldo Túlio nasceu em 6 de julho de 1918 e morreu em 11 de abril de 1957, aos 39 anos, deixando mulher e dois filhos. Exerceu os cargos de vereador e prefeito interino, durante a gestão Manoel Ribas. A avenida de quase cinco quilômetros que passa pelos bairros Santa Felicidade, Orleans e São Braz recebeu seu nome em 5 de setembro de 1958.

Imigração italiana

Personagem homenageado na via foi vereador e prefeito interino, durante a gestão Manoel Ribas. Morreu aos 39 anos de idade. Foto: Lineu Filho.
Augusto Túlio, avô paterno dos primos Armando e Toaldo, veio de Vicenza, na região do Vêneto, em 1878, aos 12 anos, junto com os pais e os nove irmãos. Ninguém tinha passaporte, só o bisavô, que era o ‘capofamiglia‘ – pai de família. Era muito caro tirar o documento, e como a Itália amargava na miséria, o rei Vittorio Emanuele II liberou a emigração sem passaporte. ‘Naquele tempo muita gente morreu de pelagra, porque só se comia batata e radiche‘, conta Armando, em referência à doença causada pela falta de vitamina B3.

Um total de 200 famílias chegou ao Brasil e rumou para Paranaguá, onde ocupou as terras que tinham sido doadas pelo então governador Lamenha Lins. Onze anos depois, em 1889, 25 famílias da colônia subiram para Curitiba, após comprarem um terreno de 80 alqueires que ia do Ristorante Siciliano até o restaurante Cascatinha. Dentre elas, estavam os Túlio. As terras haviam sido negociadas com os ‘irmãos Borges‘ e foram divididas em 15 partes – algumas famílias tiveram de compartilhar um mesmo lote.

Rua concentra uma grande variedade de pontos comerciais dos mais diversos gêneros. Foto: Lineu Filho