A cobertura da mídia ao caso do jogador Daniel Corrêa Freitas, na última semana, gerou diversos questionamentos nos leitores da Tribuna: “Mas ainda estão interrogando? Não interrogaram todo mundo já?”, “Eles ainda não foram condenados?”, “Isso não está muito demorado demais?”. Para esclarecer estas dúvidas, procuramos o professor Rodrigo Chemim, da Escola de Direito e Ciências Sociais e professor do Mestrado Profissional em Direito da Universidade Positivo, para explicar o passo a passo do processo penal.

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Inquérito Policial

É a investigação feita pela Polícia Civil antes do processo (na Justiça), quando são levantadas todas as provas que demonstram como tudo ocorreu e quem é o autor do crime. Essa reunião de provas serve como um filtro, para que ninguém seja acusado de forma leviana. O delegado preside o inquérito e o promotor opina na investigação, pois já vai “desenhando” em sua cabeça uma condenação aos suspeitos. Aqui neste passo, o autor do crime é chamado apenas de suspeito. E o advogado do suspeito pode até sugerir diligências ao delegado, que pode acatar ou não.

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Denúncia do Ministério Público

Quando o delegado finaliza o inquérito, o promotor do MP analisa se há provas suficientes para que o suspeito seja condenado pelo crime. Se houver boas provas, ele oferece à Justiça uma denúncia. Se ele considerar o contrário, devolve tudo à Polícia para investigações complementares.

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Inquérito vira ação penal

O juiz recebe a denúncia do MP e analisa. Se considerar que há provas consistentes, ele aceita a denúncia e inicia-se o processo penal. Agora, os suspeitos passam a ser réus (chamados de acusados). Mas caso o juiz considere que as provas são frágeis, pode mandar o inquérito de volta à Polícia Civil ou arquivar.

Instrução processual

Nesta fase, as testemunhas, vítimas e réus prestam depoimento novamente. O professor Chemim explica que, lá no inquérito policial, a coleta de provas (incluindo os depoimentos) é feita de forma unilateral, ou seja, o suspeito nem sempre consegue questionar a investigação. Já na ação penal, todo réu tem o direito ao contraditório, pode argumentar e se defender, apresentar novas provas e testemunhas, além de ter uma defesa técnica (advogado). Cada vítima ou réu tem o direito de arrolar até oito testemunhas para depor em juízo. E são oito para cada crime imputado ao réu. No caso da vítima estar morta (um crime de homicídio, por exemplo), a família do morto pode contratar um advogado, que trabalha como assistente de acusação. Por isto que, mesmo que tenham sido feitas lá no inquérito, as oitivas precisam ser repetidas na frente do juiz para serem amplamente argumentadas e aceitas como prova (oral). Na ação penal, é obrigatório seguir uma ordem: ouvem-se primeiro as vítimas, depois as testemunhas (primeiro as de acusação e depois as de defesa). Algumas podem ser ouvidas por carta precatória (à distância, nas cidades onde moram). Por último, é feito o interrogatório dos réus, pois eles possuem o direito de ouvir todas as acusações contra eles, para que possam se defender amplamente. Se alguém solicitar a produção de mais alguma prova ou perícia, os réus não podem ser interrogados até que tudo isso seja concluído.

Pronúncia

Depois que a instrução processual é concluída, o juiz analisa tudo o que foi produzido e se há provas suficientes para mandar os réus para julgamento ou júri popular (entenda a diferença abaixo). Esta é a pronúncia. E nem sempre o juiz pronuncia os réus por todos os crimes a que foram denunciados. Depende da produção de provas. Conforme o crime pelo qual o réu é pronunciado, pode ir a julgamento simples (aquele feito unicamente pelo juiz) e já obter a sua pena, ou ser levado a júri popular (exclusivamente para homicídio). Sobre a pronúncia, o juiz tem quatro possibilidades:

1 – Pronunciar ao juri

2- Impronunciar: o juiz não tem condições de submeter a discussão ao júri, pela falta de materialidade das provas produzidas. Mas também não tem condições de absolver, pois ainda há suspeitas sobre o réu. Então o processo pode voltar à Polícia Civil, para mais investigações. Caso todas as possibilidades de investigação tenham sido esgotadas, o processo fica arquivado na Justiça até surgir algum elemento novo que possa dar início a uma nova investigação. Caso contrário, o processo prescreve após 20 anos (contando a partir da data do crime).

3- Absolve sumariamente: quando toda a produção de prova indica que o réu é inocente. Mas havendo alguma dúvida, o juiz pode impronunciar (conforme o item acima).

4- Desclassificar o crime: quando o juiz entende que não se tratou de um crime doloso contra a vida (homicídio ou tentativa de homicídio) e sim uma lesão corporal seguida de morte (uma agressão, sem intenção de matar, mas que por causa do exagero, resultou em morte).

Julgamento x Juri popular

No caso de crimes contra a vida (homicídio e tentativa de homicídio), os réus são pronunciados (mandados) a júri popular, que é a população decidindo se o réu é culpado ou não. Já no caso de qualquer outro crime (roubo, tráfico de drogas, estelionato, etc.), é o juiz que analisa todas as provas produzidas e sozinho decide se o réu é culpado ou não e qual a pena a ser cumprida.

Juri Popular

Depois que o juiz pronuncia o réu, a população é convocada para o júri popular. São convocados 25 jurados, que não possuem nenhuma relação com os envolvidos no processo ou com o judiciário (além de outras limitações). Destes 25, sete são sorteados para participar do júri e o restante é dispensado. Parte das testemunhas são ouvidas de novo. Mas aqui, ao invés de oito, o limite é de cinco testemunhas por réu e por crime. No caso de processos com múltiplos réus, o júri pode ser desmembrado, ou seja, cada réu ou grupo de réus podem ser julgados separadamente. Depois que todas as vítimas, testemunhas e réus são ouvidos e advogados fazem seus questionamentos, segue a fase de debates orais, quando a acusação (MP e o assistente de acusação) e a defesa (advogados dos réus) expõem aos jurados as provas e laudos existentes no processo e as contradições dos depoimentos que acabaram de ouvir.Nos debates, a acusação fala primeiro e tem uma hora e meia para expor seus argumentos aos jurados. Depois,vem a defesa contestar toda esta argumentação, também no tempo de uma hora e meia. A palavra volta à acusação, que agora tem uma hora para se manifestar na chamada réplica. Por último, a defesa volta à frente dos jurados, tendo também uma hora para fazer a tréplica. Tudo com o objetivo de convencer os jurados a absolver ou condenar o réu. Depois dos debates, os jurados decidem se a pessoa é inocente ou culpada do crime. Com base na decisão dos jurados,se o réu for considerado culpado, o juiz faz a dosimetria da pena, ou seja, calcula por quanto tempo o réu ficará preso.

Recursos

Em todos os momentos do processo, as partes podem entrar com recursos. E são justamente eles que travam o andamento da ação penal. Até mesmo depois do júri popular ou julgamento, os advogados podem entrar com recursos em outras três esferas jurídicas: Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Cada um dos tribunais possui várias possibilidades de recursos. O caso Carli Filho, por exemplo, levou um ano entre investigação e a pronúncia. E oito anos entre pronúncia e júri popular. Isto porque os advogados do réu, explicou Chemim, entraram com mais de 30 recursos tentando derrubar a pronúncia, para não levar o ex-deputado Carli Filho a júri pela morte de dois jovens no trânsito. No caso de um júri popular (homicídio), existe uma diferença com os outros tipos julgamentos (outros crimes). No caso do júri, recursos em instâncias superiores não podem mudar a decisão dos jurados (de condenação ou absolvição). O júri popular é soberano. Os recursos que os advogados podem buscar é pedir nulidade do júri (veja abaixo um exemplo de anulação, porque os jurados se manifestaram contrários às provas do processo). Ou então, podem tentar uma diminuição de pena. Um exemplo de anulação de júri, porque os jurados se manifestaram contra às provas dos autos, foi o que ficou conhecido como o das “Bruxas de Guaratuba”. Mãe e filha, Celina e Beatriz Abagge, estavam sendo julgadas pela morte de um menino em Guaratuba, no litoral do Paraná, num suposto ritual de magia negra. O processo tinha um laudo de DNA, atestando que o corpo encontrado era do menino. Apesar da prova incontestável, Celina e Beatriz foram absolvidas. Por causa da decisão contrária às provas, os assistentes de acusação pediram a nulidade do júri. Celina e Beatriz foram submetidas a um segundo júri popular e condenadas.

1º x 2º grau

Todas as movimentações dentro do processo são a Justiça de primeiro grau. Sempre que os advogados entrarem com recursos em outras instâncias (Tribunal de Justiça, STJ e STF), os recursos são considerados ações em segundo grau.

Tempo de processo 

O tempo de um processo depende de alguns fatores. O primeiro deles é se os réus estão presos ou soltos. Na fase policial, o inquérito com suspeito preso tem 30 dias para ser concluído. Os outros possuem tempo mais elástico, alguns se arrastam por meses. Na Justiça, a teoria é a mesma. Processos com réus presos têm prioridade e são passados na frente dos que possuem réus soltos. Mas diferente do inquérito, não possuem um prazo determinado para conclusão. Podem chegar a julgamento/júri em poucos meses, como podem se arrastar por anos. Outro fator que agiliza ou retarda um processo são os recursos interpostos pelos advogados. Enquanto todos os recursos não tiverem sido julgados, o julgamento ou júri não pode acontecer. Outro fator que “agiliza” um processo, informalmente, é a repercussão dele na sociedade. Depois do surgimento do Projudi, que é um sistema eletrônico de processos (e no qual as partes movimentam tudo pela internet e não precisam mais ir ao fórum carregando pilhas de papéis), os processos se tornaram muito mais rápidos. O caso do jogador Daniel é um exemplo, pois em quatro meses, inquérito e quase toda a instrução processual já foi concluída. Um tempo bem acelerado, comparado aos antigos padrões da Justiça brasileira.

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