Dono de uma banca de revistas na Praça Rui Barbosa, Alex Mira, 40 anos, vê o movimento do negócio cair em função da presença cada vez maior de moradores de rua na região central. ‘‘Aumentou de forma drástica. Muitos deles não incomodam, querem apenas ficar na rua, viver a tal ‘liberdade’ que buscam, mas o problema está nos moradores de rua que não deixam o resto da população ter essa mesma liberdade’’, define.
Conforme quem trabalha e passa pelo Centro, evitar locais como as praças, a Rua XV de Novembro e a Boca Maldita se tornou regra. ‘‘Isso faz com que o movimento nas lojas diminua. Tem gente que prefere passar por outras ruas para não ser abordado. As pessoas sentem medo’’, desabafa.
Segundo o dono da banca de revistas, que fica perto de vários pontos de ônibus, muita gente se abriga ali para se manter seguro. ‘‘As pessoas pedem para esperar pelo ônibus dentro da banca. Tem também quem prefira entrar para pegar o dinheiro da passagem em segurança’’, conta.
O problema enfrentado por Alex é comum aos comerciantes da região central. ‘‘Não conheço um dono de banca, por exemplo, que não precise lavar a parte de fora pela manhã, por causa da quantidade de urina na madrugada’’. A solução encontrada pelos comerciantes foi alterar o horário de abertura e fechamento. ‘‘Antes abríamos às 5h, agora esperamos às 7h. A minha banca fecha às 21h, mas antes era 22h. Vivemos com medo. E aos domingos, que antes abríamos pela manhã, já não abrimos mais’’.
Marquise disputada
Não muito longe da Rui Barbosa, os comerciantes do Mercado Municipal convivem, há anos, com o mesmo problema: o espaço na marquise, que não é fechado, vira um dormitório para moradores de rua durante a noite. ‘‘A gente chega e encontra de tudo’’, diz o gerente de um café, que pediu para não ser identificado. Na maioria das vezes, seguranças particulares contratados pelo Mercado Municipal se encarregam de acordar os moradores de rua.
‘Tentamos, da melhor forma, tratá-los bem. Eles sabem que não aqui podem ficar ao amanhecer e, a maioria, nos respeita. Mas é complicado’’, confirma um dos seguranças, que também não se identificou.
O dono de um restaurante com portas para a marquise do Mercado Municipal conta que já passou por saia justa quando um morador de rua pegou a comida de um dos clientes e tentou comer. ‘‘Conseguimos contornar a situação. Nunca negamos comida aos que estão com fome, mas neste caso tivemos que mostrar que ele fez errado. Ficou, pra nós, a vergonha e o medo do cliente não voltar mais’’.
A Secretaria Municipal do Abastecimento confirma a existência de um projeto para fechar a parte de fora, evitando que os moradores durmam debaixo da marquise, mas ainda falta detalhamento técnico. Não há prazo para sair do papel.
Solução não é a força
Retirar os moradores de rua do Mercado Municipal ou das praças não resolveria o problema, segundo uma das comerciantes. ‘‘Eles saem daqui e vão para outro lugar. O que eles querem é ficar na rua. Claro, existem os que procuram uma oportunidade, que sonham em voltar para a família, mas a maioria quer apenas ficar na rua’’, declara.
Comerciantes e moradores de rua querem liberdade, cada um de um jeito. Os motivos para a pessoas estarem nas ruas são, essencialmente, o consumo de drogas lícitas e ilícitas, como álcool e crack, o que leva aos pequenos furtos, roubos e vandalismo. Mas também existem aqueles que estão na rua porque querem e se sentem bem onde estão.
Segundo a Fundação de Ação Social (FAS), o trabalho com essas pessoas é feito, mas não se pode retirá-los das ruas à força. É preciso que as pessoas queiram.
Novas estratégias
Na semana passada, uma equipe da FAS se reuniu com representantes da Associação Comercial do Paraná (ACP) – que se manifestou a favor da retirada dos moradores de rua, depois de um manifesto da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (Abrabar) no mesmo sentido – e apresentou novas estratégias, que devem ser adotadas já no primeiro semestre de 2016.
Entre as táticas novas estão o Atendimento Social Avançado (ASA), instalado no antigo módulo policial na Praça Osório. Educadores e assistentes sociais devem percorrer, a pé, a região central no trabalho de abordagem, para começar a fazer os contatos com os moradores de rua. Também será instalado um guarda-volumes, próximo ao terminal Guadalupe, para uso pessoal dos moradores.
Sobram vagas
A presidente da FAS, Marcia Oleskovicz Fruet, lembra que, desde 2013, aumentou mais de 80% o número de vagas de acolhimento em Curitiba, passando de 615 para 1.115 vagas. São 13 unidades de acolhimento, algumas da prefeitura e outras em convênio com instituições. Entre os novos espaços estão unidades inéditas no Brasil, como o Condomínio Social (onde a seleção para entrada é mais rigorosa), a Casa de Passagem Feminina e LBT e a Casa de Passagem Indígena.
As vagas ainda podem ser ampliadas em casos de emergência, como no inverno. Segundo a FAS, apesar do número maior de vagas, sobram lugares todos os dias. Além disso, em 2015, a prefeitura de Curitiba custeou 8.670 passagens de retorno a pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade social para diferentes cidades do país.