O domingo na Vila Angélica, em Bocaiúva do Sul, na Grande Curitiba, começou ao som de muitas marteladas. As batidas, quase compassadas, são o ruído da esperança das centenas de famílias afetadas pela explosão de aproximadamente oito toneladas de dinamite na fábrica Explopar, na tarde de sábado (8). Aos poucos, os moradores tentam recolocar as paredes no lugar e tapar o vazio deixado por uma janela ou outra arrancada do esquadro de uma vida tranquila.
Muitos imóveis foram danificados devido à forte onda de choque ou pelos estilhaços que, por muito pouco, não mataram ninguém. Na maioria das casas, o cenário é o mesmo: aterrador. São telhados despedaçados, ripas de forro tornadas assoalho, móveis quebrados, roupas, cobertores e eletrodomésticos reduzidos a sucata. E, no meio disso tudo, enormes pedras de concreto e ferro retorcido, seja do barracão que simplesmente desapareceu pelos ares, seja dos chassis dos caminhões também destruídos pela explosão. Fragmentos arremessados pelo céu a uma distância de mais de um quilômetro, a partir do bairro Aterradinho, onde a empresa funcionava.
“Isso aqui foi um crime sem precedente”, define o delegado Mário Sérgio Bradock, que investiga o caso. Segundo ele, os desdobramentos do fato vão muito além dos danos ao patrimônio particular, das famílias afetadas. “É um crime continuado, porque tem as casas, mas tem também o prejuízo público à rede elétrica, porque a região ficou sem energia e a Copel, que é do Estado, paga quando isso acontece”. Sem contar o impacto ambiental: “Essa mata era rica em animais como tatus, porcos-do-mato, que simplesmente sumiram; quando muito, nós encontramos pedaços aqui e lá. Das aves, por exemplo, ficaram só as penas”.
O delegado também avalia as perdas da flora local. “Isso aqui é Mata Atlântica e área de preservação permanente. São 50 mil metros quadrados que agora estão destruídos, porque é um dano irreparável. Então se nós considerarmos uma multa de cerca de R$ 500 por árvore, o valor total deve chegar a R$ 5 milhões”.
Em dia?
De acordo com o delegado, a empresa estava com a documentação obrigatória em dia, mas a investigação está apenas no início. “Há pouco mais de um mês houve um furto aqui de 105 quilos de dinamite. Nós recebemos a denúncia, viemos até o local e várias irregularidades foram constatadas. O Exército foi acionado, também veio e notificou o responsável para que tomasse uma série de providências, mas a explosão foi registrada antes do fim do prazo que ele tinha para isso”.
Entre os problemas apontados estavam, principalmente, grandes falhas na segurança. “Era muito fácil invadir os galpões caso alguém quisesse porque não havia vigilância, nem monitoramento, nada. Só um alarme. Tanto que o proprietário alega que foi uma explosão provocada por incêndio criminoso, mas isso só complica ainda mais a situação porque ele já tinha sido alertado formalmente do que estava errado e dos riscos que isso acarretava”, argumenta Bradock. Para o delegado, o incidente confirma o que foi apurado anteriormente pela polícia. “Prova que a empresa funcionava sem o mínimo de infraestrutura necessária para esse tipo de atividade”.
Empresário preso
O dono da Explopar, conforme a Polícia Civil, é Milton Lino da Silva, de 61 anos. O empresário foi preso em flagrante logo após a explosão, ainda na tarde de sábado (8). “Ele diz que não teve culpa, mas mesmo assim foi detido porque é o responsável pela empresa e tudo o que havia nela”, conta o delegado. O homem foi autuado por explosão consumada, por dano ao patrimônio público e privado e por ter colocado a vida de várias pessoas em risco.
Falando em risco, é sobre isso que se debruçam agora autoridades de segurança. As equipes formaram uma força-tarefa para estudar a remoção dos explosivos remanescentes que ainda estão no terreno da empresa. A princípio, uma nova detonação está descartada, mas é preciso agir rápido. “Tem um caminhão com cerca de 20 toneladas de dinamite e uma carreta com outras oito toneladas, mais ou menos. Foi o que sobrou. Só que, do outro lado, há um depósito cheio de espoletas, que é o que preocupa mais por ser um material muito instável”.
Para evitar furto de explosivos, o perímetro da companhia está isolado e é vigiado pela Polícia Militar. Os outros veículos que estavam no local, segundo o dono da empresa, foram aparentemente fragmentados. “Os caminhões estão por toda parte e em lugar nenhum. São só pedaços. Basta olhar”, comenta Bradock.
A explosão
No momento da explosão havia sete caminhões no local, sendo que pelo menos dois estavam carregados para viagem. “As cargas iriam para o interior do Estado ontem (9) e um dos veículos tinha acabado de chegar”, detalha o delegado Mário Sérgio Bradock. Foi quando tudo aconteceu.
Familiares do dono da empresa que viviam em uma casa na entrada da propriedade relataram à Tribuna ter visto fogo no galpão principal, mas contaram que nada puderam fazer além de correr. “O caminhão estava parado havia três ou quatro dias, frio, e o incêndio começou do nada no pneu e se alastrou”, lembra uma mulher. A polícia não descarta essa hipótese, que é o principal argumento da defesa do empresário, mas o fato de não haver imagens de câmeras de monitoramento, nem suspeitos, nem os caminhões, deve ser um complicador a mais para o trabalho do advogado Caio Fortes de Matheus, que representa o proprietário da fábrica.
O delegado Bradock adiantou à Tribuna que vai pedir o bloqueio dos bens do empresário no início da semana para garantir o pagamento de indenizações e multas. Milton Lino é o único responsável pela empresa, já que comprou a parte do sócio há cerca de duas semanas.
Empresa se defende
A Explopar ficava na Estrada do Aterradinho, bem próximo ao quilômetro 24 da BR-376, a Estrada da Ribeira. Em nota, a empresa esclarece que “está estabelecida há mais de 22 anos em Bocaiúva do Sul e sempre cumpriu rigorosamente com todas as obrigações exigidas pelas autoridades competentes”. O comunicado ressalta ainda que a fábrica “possui todos os alvarás e licenças necessárias para o regular funcionamento e tem absoluta convicção de que a explosão ocorrida foi provocada por ação criminosa praticada por terceiro. A empresa confia plenamente nas autoridades constituídas e acredita que em pouco tempo este crime será desvelado”. A nota cita que a empresa “se solidariza com aqueles que também foram vítimas e garante que se esforçará ao máximo para minimizar os danos causados em decorrência da explosão”.
Sem teto e sem chão
Várias pessoas já foram até a delegacia e registraram Boletim de Ocorrência, mas muitas outras ainda não sabem por onde começar a se reerguer. É o caso de Odair José Ênio de Souza. Sentado no chão na frente do imóvel onde vivia, ele representa a imagem da desolação. “Eu nem sei o que vou fazer”, diz.
Para a dona de casa Valdirene Coutinho, o impacto da explosão foi como se a casa dela tivesse sido erguida do chão e jogada de novo contra o solo. “Tremeu tudo aqui e em seguida começou a cair por cima da gente”. Na sala no momento da detonação, ela estava na companhia dos três filhos. A pequena Hemanuele Kamily, de 5 anos, achou que era um temporal. “Eu pensei que era trovão”, fala. Nas pequenas mãos, uma sacola de supermercado com uma boneca da personagem Elsa. “Ela não pode ficar sozinha, senão fica triste”.
Já a moradora Claudete Camargo Divino estava com uma vizinha quando sentiu a onda de choque. “Veio um vento forte, quente, empurrando tudo”. Algum tempo depois, quando voltou para ver o marido, que havia ficado sozinho em casa, o susto. “Ele está bem, não se machucou, mas tudo o que nós temos está quebrado. O telhado baixou, a parede está afastada de onde ficava antes. A cama do meu filho foi atravessada por uma barra de ferro que veio voando e perfurou o colchão, a base e ainda furou o piso”.
Outro que está sem chão (e quase sem teto) é Claudemir Dombroski. Ele viveu momentos de terror junto com a filha, de 15 anos, que sofre de problemas mentais, e agora teme pela própria saúde. “Eu tenho um tumor no cérebro que afetou a minha visão e me faz ter convulsões, sofro de depressão e não tenho força do lado esquerdo do corpo, então imagine o meu desespero”. Ele se lembra de ter sido empurrado contra uma parece dentro de casa. “A minha filha caiu no chão e começou a gritar porque os ouvidos dela são muito sensíveis; ela já fez duas cirurgias. Agora ela está com vizinhos porque se vier aqui vai ficar agitada de novo, e mesmo lá só fica à base de calmantes”.
Na casa de Claudemir, o forro foi completamente arrancado e um muro se partiu ao memo. Nos fundos, outra residência perdeu duas janelas. “E o pior é que tem gente que se aproveita de um momento como esse pra fazer maldade. Enquanto fui levar minha filha no hospital alguém entrou aqui e levou o meu notebook”.
Expulsos de casa
De acordo com números atualizados da Defesa Civil do município nesta segunda-feira (10), são pelo menos 160 casas afetadas e nove pessoas – duas famílias – estão em um abrigo providenciado pela prefeitura. No início da tarde de ontem, a Tribuna flagrou o momento em que uma família de sete pessoas – das quais cinco crianças – era encaminhada ao local.
Os estragos foram registrados em um raio de dois quilômetros da empresa. Há ainda a informação de mais 200 moradores desalojados, ou seja, que estão na casa de amigos ou familiares, mas a Defesa Civil tem registro de apenas 80 moradores. O levantamento ainda não foi finalizado, mas 24 residências já são consideradas condenadas.
Calculando o prejuízo…
Ainda é cedo para calcular quanto a explosão vai custar para cada família, mas algumas pessoas já arriscam valores. No bolso do empresário Josias Bandeira Santos, dono de uma oficina mecânica, o incidente deve pesar bastante. “Cinquenta mil reais, por baixo. Aqui a estrutura é toda de ferro, e ferro é caro”, enfatiza. Na parte de trás do negócio dele, mais prejuízo. “A cobertura é de telha seis milímetros. Cada folha custa mais ou menos sessenta reais, e tem ainda o gasto com a recuperação de um funcionário meu que foi atingido por uma parede”.
Outro morador perdeu aproximadamente R$ 15 mil. “Foi isso que eu gastei com material de construção pra erguer essa casinha, que agora está condenada. Foi a Defesa Civil que disse”, lamenta Marcelo Carvalho Bonete. Sem ter para onde ir com a família, ele sabe que vai ter que voltar a viver de aluguel. “Eu quero saber quem vai arcar com isso, porque a gente não tem culpa nenhuma dessa explosão”.
Feridos
Por sorte, o incidente não deixou vítimas graves. Aproximadamente 80 pessoas foram socorridas no Hospital Municipal Clínica Santa Júlia, mas os casos eram todos de escoriações, ferimentos leves ou reações de pânico. “Felizmente ninguém morreu e agora o trabalho da nossa equipe é para cadastrar e orientar todas essas famílias. Vai ser com base nisso que elas vão poder entrar com pedidos de indenização no futuro”, explica o coordenador da Defesa Civil de Bocaiúva do Sul, André Rêgo.