No caixa do supermercado, no balcão da farmácia ou no guichê da padaria. Lá estão as caixinhas de acrílico com recadinhos curtos, muitas vezes resumidos em uma frase só, mas que intimidam muita gente. “Colabore com o hospital x”, ou “ajude a entidade y”. Diante do apelo, muita gente fica com a pulga atrás da orelha e acaba não contribuindo, ou por achar que o troco é insignificante ou por desconfiar se o valor doado vai mesmo chegar a quem precisa. Para mostrar que existe gente boa no mundo, e mais, que dá sim pra confiar em campanhas de troco solidário, a Tribuna conversou com algumas empresas que aderiram à ação e, por meio de doações aparentemente pequenas de seus clientes, colaboram com muitas entidades que, de fato, precisam de ajuda.
“Antes eu tinha hábito de doar. Hoje em dia não mais. Não sinto o desejo e não acredito que isso será revertido para atender as reais necessidades que pensamos existirem nas instituições”. A afirmação é da representante comercial, Sibele Machado, 55, que desistiu de participar de campanhas de troco solidário. A também representante comercial Mariana Cordeiro, 27, não pensa muito diferente: “não confio 100%. Por isso é mais comum eu entregar o troco diretamente na mão de quem estou vendo que precisa. Prefiro contribuir somente quando eu sei que aquele dinheiro vai chegar onde deve”, diz.
Transparência
Sabendo que muita gente sente a mesma insegurança, entidades têm investido em mecanismos de transparência para garantir aos doadores que os valores arrecadados recebem a destinação correta. Um exemplo é a Liga Paranaense de Combate ao Câncer mantenedora do Hospital Erasto Gaertner. “Para que ninguém fique em dúvida e mesmo por uma questão de gestão, nós apresentamos, anualmente, todos os relatórios de doação realizados por meio de auditorias externas. Inclusive junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), já elaboramos um demonstrativo mostrando tudo o que se fez com o dinheiro doado em 3 anos, no hospital. Tudo isso pode ser acessado livremente pelo público”, garante o superintendente da Liga Paranaense de Combate ao Câncer, Adriano Lago.
“Mas é só uma moedinha”, muitos pensam. Nessas horas vale o lema: “de grão em grão a galinha enche o papo”. A prova? Nada menos que R$ 147 mil arrecadados por uma só parceira do hospital a loja de departamentos Havan – entre julho e dezembro de 2017. O recurso, levantado integralmente em espécie, foi alçado por meio da campanha “Troco Solidário”. “Nem que seja R$ 1, pra gente, qualquer valor que não saia do caixa é um grande retorno. No caso da Havan, 80% dos valores doados foi em quantidades inferiores a R$ 100, que somados fizeram toda a diferença. O dinheiro nos permitiu construir um novo ambulatório voltado a especialidades como anestesiologia, cardiologia, procedimentos dermatológicos, entre outros”, afirma Lago.
Do outro lado da moeda, a satisfação em contribuir. “A campanha é uma forma da empresa, colaboradores e clientes retribuírem às entidades e aos seus voluntários, pelo trabalho realizado nas comunidades. É com muito prazer que entregamos estes valores para as instituições. De pouco em pouco é que se consegue muito para ajudar quem faz bastante”, afirma o diretor-presidente da rede, Luciano Hang.
Outros meios
Para quem usa a falta de trocados no bolso como desculpa para não ajudar as instituições, uma simples pergunta pode resolver o problema: “CPF na nota”? Novidade pra muitos, o programa Nota Paraná também possibilita destinar doações a uma série de instituições, sem que o doador precise se preocupar em sacar, depositar, ou transferir dinheiro. A modalidade foi a escolhida pelo empresário Edgard Pereira, 47, que encontra na transferência da nota fiscal uma maneira prática de colaborar. “Não costumo dar dinheiro em espécie pra ninguém. Por isso, acho que mais seguro assim. Já deixei de colocar CPF na nota algumas vezes em prol de instituições como o Hospital Pequeno Príncipe e o Nossa Senhora das Graças. Dôo pra ajudar, esperando que o dinheiro seja bem utilizado”, diz.
No que depender das instituições, Edgard pode ficar tranquilo. Quem garante é Eduardo de Oliveira Filho, gerente de projetos sociais e mobilização de recursos do Grupo Hospitalar Nossa Senhora das Graças. “Os valores recebidos a partir da devolução do ICMS à instituição, são plenamente integrados e investidos em melhorias para o benefício da população. Um exemplo é o Hospital da Providência, de Apucarana que também pertence ao grupo. Somente com os recursos arrecadados pelo Nota Paraná, nós conseguimos reformar o pronto-socorro, aumentar dois consultórios e duas enfermarias e também reformar a farmácia da unidade. Isso nunca teria sido possível se contássemos somente com repasses do Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma.
Confiança
Para alguns especialistas da área econômica, a desconfiança em excesso, além de desmotivada, é motivo para lamentar. “É triste ver que, por conta de alguns maus exemplos, a falta de confiança acaba impedindo muita gente de colaborar com quem precisa”, afirma Marco Aurélio Pitta, professor e coordenador dos cursos de pós-graduação na área de contabilidade da Universidade Positivo (UP). “Todo mundo tem um lado social, só que muitos não sabem como aplicar. Se você tem esse desejo mas não dispõe de tempo para se engajar em voluntariados, por exemplo, doar o troco pode ser uma maneira prática de ajudar quem necessita. Basta se certificar de que a doação está sendo recolhida e destinada a instituições sérias. Não há o que temer. Hoje a grande maioria das empresas conta com mecanismos de transparência de fácil acesso, como sites e páginas nas redes sociais, onde é possível se ter uma ideia de onde o dinheiro é investido”, esclarece. De fato, só não ajuda quem não quer.
