O ano é 1986. Nas telonas, nomes como Matthew Broderick, Whoopi Goldberg e Tom Cruise, traziam ao público os sucessos “Curtindo a Vida Adoidado”, “A Cor Púrpura” e “Top Gun”, fazendo jus à era de grandes blockbusters e sucessos ousados de uma Hollywood efervescente e visionária.

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Ao mesmo tempo, nascia no interior do Paraná – mais precisamente na cidade de Francisco Beltrão – o empreendimento que ao longo das décadas seguintes se tornaria um dos queridinhos dos curitibanos, representando muito mais que um comércio: uma extensão de casa. Um lugar de aconchego, alegria e saudosas memórias que, agora, de fato ficarão para a história já que, há algumas semanas, o fechamento oficial da vídeo locadora Cartoon foi anunciado pelo proprietário do estabelecimento, Neivo Zanini.

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Na semana passada, ele abriu as portas da unidade Cabral para a reportagem da Tribuna. Emocionado, Zanini relembrou a era de ouro do segmento home vídeo e contou um pouco da experiência de 33 anos à frente da locadora que conquistou a capital.

Tudo começou numa viagem de férias a Miami, nos Estados Unidos. “Naquela época eu tinha um cargo público e jamais imaginaria que entraria para o ramo das locadoras que, a bem da verdade, mal existiam no Brasil. Nessa viagem conheci a Blockbuster, que na época era líder do mercado na América do Norte. Foi ali que tive interesse em abrir algo parecido por aqui”, revelou o empresário. De volta ao lar, ainda no interior do estado, Neivo logo abriu a primeira unidade Cartoon no dia 5 de maio de 1986.

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O acervo de fitas VHS foi sendo montado aos poucos, tendo como carros-chefe os sucessos comerciais da época que, sem legislação específica que regulamentasse a atividade, eram replicados por meio de cópias. “Assim foi até 1989 quando então as grandes distribuidoras internacionais vieram para o Brasil e passaram a fornecer os originais. Nesse tempo eu ia para São Paulo todo o mês buscar as fitas e voltava com a mala cheia”, lembrou.

Cartoon sempre apostou em um acervo diferenciado, com títulos que iam além dos grandes blockbusters de Hollywood. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Foi nesse período também que Neivo decidiu fechar as portas em Francisco Beltrão, trazendo a Cartoon Vídeo para a capital e escolhendo como ponto comercial a esquina na qual permaneceria pelos próximos 33 anos, na intersecção das ruas São Pedro e Joaquim José Pedrosa, no bairro Cabral.

Inaugurada no dia 12 de setembro de 1989, a Cartoon foi recebida com entusiasmo pelo novo público que, segundo Neivo, logo no primeiro dia lotou a unidade. “Tinha filas enormes na porta no dia da inauguração. Só ali foram feitos 400 cadastros”, relembrou o empresário que, em pouco tempo, figuraria na lista entre os três principais empreendedores do ramo em Curitiba. “A Cartoon veio para bater de frente com as principais locadoras da época que eram a Vídeo 1 e a Vídeo Show. Com o tempo nos tornamos fortes concorrentes mas também parceiros. Fomos crescendo juntos”, revelou.

Dedicação exclusiva

Decidido a se dedicar exclusivamente ao comércio, Neivo abandonou a carreira pública a despeito das manifestações dos familiares. “Houve protestos mas aquele momento era ideal para investir no segmento”, conta o empresário, que classificou o fim da década de 80 e início da década de 90 como ‘a corrida das locadoras’. “Tinha público, tinha material e as pessoas se afeiçoaram ao ritual de entrar na loja para passar horas lá dentro escolhendo os filmes, principalmente aos fins de semana. Virou sinônimo de passeio, de programa familiar”, conta.

Mesmo com a vinda da internacional Blockbuster, que antes o havia inspirado, ao Brasil, o público se manteve fiel à loja que registrava uma média de 25 a 30 mil locações por mês.
O quadro, que melhoraria ainda mais com a transição da fita pelo DVD, encontrou no começo dos anos 2000 a “era dourada” das locações. “Nessa época abrimos outras duas unidades em Curitiba e registrávamos cerca de 50 mil locações por mês”, conta Neivo. Entre os vídeos favoritos do público, Matrix, Avatar e a trilogia de O Senhor dos Anéis foram os campeões imbatíveis no número de locações.

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Sucesso construído

Disciplinado e com forte caráter empreendedor, Neivo não atribui o sucesso da Cartoon ao seu entusiasmo por cinema, mas à sua dedicação ao empreendimento. “Priorizei sempre três fatores: bom atendimento, variedade de produtos e inovação”, revelou. Tanto que a Cartoon foi a primeira locadora de Curitiba a operar em horário estendido, além de oferecer a opção de devolução por drive na qual não era preciso ir ao balcão para devolver os vídeos. Com acervo diferenciado, a locadora oferecia não apenas os grandes sucessos de cada nova temporada, mas também produções menos conhecidas dos cinemas espanhol, italiano e até iraniano. “O curitibano gosta de cinema arte”, afirma o empresário, derrubando a ideia do pastelão como queridinho do público.

“A Cartoon resistiu à modernidade enquanto pôde”, afirma o empresário Neivo Zanini. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Até 2012 o sucesso inquestionável da Cartoon era visto pelas paredes da loja, onde diversas premiações ao estabelecimento dividiam espaço com os cartazes coloridos dos filmes. Com o advento do Blue Ray, a qualidade dos produtos ainda manteria o público fiel até o surgimento das plataformas de streaming, em meados de 2013. “A Cartoon resistiu à modernidade enquanto pôde”, afirma o empresário que atribui não apenas aos canais de filmes da Internet e on-demand o fim do ciclo das locadoras, mas também à pirataria online. “O sentimento é de tristeza porém de dever cumprido. Sabemos que nesses 33 anos fizemos um bom trabalho frente ao público e que seremos lembrados com carinho pelos nossos clientes”, afirmou emocionado ao fim da reportagem.

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Hoje, às portas da casa onde ainda funciona a locadora, dois cartazes escritos à mão se despedem, pesarosos, do público, sem antes anunciar uma última alegria aos entusiastas da sétima arte que por anos perambularam pelas prateleiras da loja. A partir do dia 1º de março, todo o acervo com cerca de 14 mil filmes da locadora será disponibilizado para venda. Os preços, segundo Neivo, variam conforme o filme. Já os cartazes de filmes e prateleiras, serão doados a quem quiser. Basta chegar e escolher. “É uma forma de nos despedirmos com alegria das pessoas nos acompanharam esse tempo todo”, finalizou o empresário que, na frente da reportagem até tentou disfarçar sorrindo, porém não censurou duas ou três lágrimas que subiram aos olhos sem avisar.

Sobreviventes?

Tem alguma locadora de vídeo perto da sua casa? Conte pra gente, pois queremos contar a história de quem ainda resiste neste ramo, que fez muito sucesso nos anos 90. Mande seu e-mail para cacadores@tribunadoparana.com.br.

https://www.tribunapr.com.br/cacadores-de-noticias/curitiba/consorcio-unilance-curitiba-falencia-estraga-sonhos-brasil-afora/