“O que eu queria mesmo é que algo caísse do céu e me tirasse desta situação imediatamente”, desabafa a diretora comercial Tatiane Barsotti, 29 anos. Ela vem sofrendo com uma lesão cervical desde setembro do ano passado, depois de uma aula mal sucedida de uma modalidade semelhante ao Crossfit. Mas foi só no final do mês passado que ela resolveu desabafar no Facebook, para mostrar o seu problema e alertar outras pessoas a terem cuidado na prática esportiva. A Tribuna do Paraná conversou com dois ortopedistas, que têm atendido cada vez mais casos de pacientes lesionados praticando Crossfit e atividades semelhantes.

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Tatiane já gastou quase R$ 40 mil com tratamento e a cirurgia para a colocação de uma prótese na coluna. Devido ao ritmo intenso de trabalho como diretora comercial de uma grande empresa, ela pensou em praticar alguma atividade física para aliviar o stress, ter mais qualidade de vida e emagrecer para entrar no vestido de noiva. Foi aí que ela escolheu o Crossfit.

Flexão de braço, de ponta cabeça na parede, foi o exercício em que Tati sofreu a lesão. Foto: Arquivo Pessoal

“No horário que eu podia, a única modalidade disponível era esse crossfit. Quer dizer, na época, eu nem sabia a diferença entre Crossfit e ‘tipo Crossfit’, achei que tudo era Crossfit. Me matriculei e relatei meu problema de joelho, para não forçar. Mas na primeira aula, achei estranho colocarem todo mundo na mesma sala, homens e mulheres fazendo os mesmos exercícios, sem nenhum tipo de adaptação para quem estava começando”, relata.

Na quarta aula, Tatiane não conseguiu fazer um exercício de flexão com os braços, com os joelhos apoiados num caixote e pediu ao professor que adaptasse o exercício. “Ele não adaptou, eu não consegui, desisti e ele ficou me olhando com cara de ‘nossa que franga’ (apelido dado aos fracotes das academias)”, conta ela, que imediatamente sentiu-se desestimulada. Mesmo assim, ficou esperando o próximo exercício, que era uma flexão de braço, porém de ponta cabeça na parede.

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Tatiane se recusou a fazer, pois se não tinha conseguido o anterior, sabia que não conseguiria este também. O professor insistiu que Tatiane ao menos tentasse. “E essa foi o maior pesadelo da minha vida”, disse Tati, que não aguentou o peso do corpo, bateu a cabeça no chão, ouviu um “crec” e imediatamente começou a sentir dor.

Pesadelo

Tatiane relatou o barulho e a dor ao professor (que no Crossfit são chamados de coach), que disse que ela apenas forçou muito o músculo e que tomasse um analgésico. Desde esse dia, ela não foi mais à academia (ou box, como se chama nesta modalidade). Passados 10 dias, ela sentia formigamentos nas mãos e braços. Fez uma ressonância magnética e constatou que um disco da coluna havia se deslocado, quase entrando no canal medular.

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A jovem passou um mês em casa tomando corticoides, para desinchar e não prejudicar o canal medular, depois começou a fisioterapia. Porém, ainda não se sabe por que, o disco soltou um pedaço e pinçou um nervo. A dor se tornou insuportável e Tatiane chegou a tomar morfina. Não teve como escapar de uma cirurgia. Além de tirar o pedaço fraturado, trocou o restante do disco, que já estava se degenerando, por uma prótese.

Tatiane operou no dia 7 de abril e a recuperação tem sido lenta e muito dolorida, afastando-a das atividades normais. Tem dias que a dor só ameniza com remédios fortes. “Tive que adaptar toda a minha vida. Não posso carregar peso, não posso digitar no celular olhando pra baixo, não posso pegar meu filho (sete anos) no colo. Preciso de um travesseiro especial que custa R$ 800 para deixar a cabeça totalmente reta. Mesmo com travesseiro, praticamente não durmo há um mês‘

Tatiane disse que, quando melhorar, pretende processar a academia, que segundo ela, não prestou qualquer assistência. No máximo alguns telefonemas, para saber como ela estava, e a promessa de devolver os meses pagos adiantado. “Apesar de que não é um processo que vai me trazer a felicidade que eu tinha. Nem tenho energia pra isso agora”, lamenta.

Cuidado e orientação

“A maioria dos problemas em consultório geralmente são ombro e coluna lombar”, explica o doutor Antônio Krieger. Foto: Felipe Rosa

A quantidade de pacientes lesionados no Crossfit e modalidades parecidas têm aumentado nos consultórios. Há dois anos, o país não tinha mais do que 400 boxes (academias) de Crossfit. Hoje, já são 1.056 boxes, dos quais 38 ficam na Grande Curitiba (31 na capital). Sem contar as outras modalidades semelhantes (Cross Training, treino funcional, Cross Fight, etc.), que não são as franquias do original Crossfit e por isto não é possível contabilizá-las.
Vários ortopedistas observaram o aumento no número de lesões na medida em que se aumentou a prática da nova modalidade. Segundo o médico Antônio Krieger, ortopedista especialista em coluna do Hospital Marcelino Champagnat, o Crossfit mexe tanto com o corpo, que lesões originadas em práticas esportivas anteriores acabam reaparecendo.

“A maioria já vinha de outro esporte anterior. Tinham alguma lesão, mas cuidavam e ela não incomodava. Mas como o Crossfit mexe com todas as articulações, trabalha o corpo inteiro, a atividade expõe esta lesão e a dor aparece. A maioria dos problemas em consultório geralmente são ombro e coluna lombar, pois são regiões que tendem a ter mais rigidez, menos alongamento, mais fraqueza abdominal. E o Crossfit mexe com tudo isso”, explica.

Jeito certo

“Hoje eu consigo fazer de tudo, até as coisas que o meu antigo médico dizia que eu não conseguiria fazer nunca mais”, disse Gerson. Foto: Felipe Rosa

O Crossfit é uma ótima atividade, desde que sejam tomados certos cuidados. É preciso procurar locais credenciados e profissionais com o devido treinamento e conhecimento da técnica. O ortopedista Jonathan Zaze, que por muitos anos atendeu os atletas do futebol paranaense, alerta: o problema não é o tipo da atividade física (o Crossfit), mas sim a falta de preparo dos profissionais que trabalham com isto. Os que não possuem o devido treinamento e preparo, acabam estimulando os alunos a buscarem sempre o melhor, a aumentarem a carga e a quantidade de exercícios, e os levam a lesões articulares e de tendões.

“Não sou contra o método, mas sim contra a forma que está sendo praticado. É preciso procurar uma academia credenciada, com coaches que tem o devido licenciamento e sabem usar o método, pois há muitas academias que já existiam e pegaram o vácuo desta nova moda. Passaram a oferecer o método, de forma similar, mas sem o devido preparo dos treinadores. Com isto, em vez de melhorar alguma lesão, acabam potencializando o problema”, alerta Zaze.

Quando praticado de forma correta (com as devidas adaptações iniciais), o Crossfit pode ser até um “tratamento”. Este é o caso do fisioterapeuta Gerson Widia, praticante de Crossfit há três anos e meio. Gerson tinha duas hérnias de disco e um antigo médico lhe proibiu de realizar uma série de atividades. Desconfiado, procurou uma segunda opção e aí foi apresentado à modalidade, por orientação do seu novo ortopedista.

“Cheguei no box e fiquei vendo como era cada exercício. Percebi que ele era adaptado para cada pessoa. Fui devagar, criando consciência corporal. Hoje eu consigo fazer de tudo, até as coisas que o meu antigo médico dizia que eu não conseguiria fazer nunca mais. Hoje eu corro, faço exercícios com carga, tudo sem restrição”, explica Gerson, que hoje tornou-se um coach do Crossfit.

Endorfina

“No começo foi difícil. Eu tinha muita dificuldade nos exercícios com força. Mas fui praticando, cuidado dos meus limites e consegui”, diz Kátia. Foto: Felipe Rosa

A nutricionista Kátia Lacerda, 41 anos, também só encontrou benefícios no Crossfit, que ela pratica há um ano e nove meses. Em pouco tempo Kátia ganhou a tão desejada massa muscular, não a perde tão facilmente e, de quebra, ainda conseguiu corrigir um problema postural nos ombros.

“No começo foi difícil. Eu tinha muita dificuldade nos exercícios com força. Mas fui praticando, cuidado dos meus limites e consegui. Hoje tenho mais resistência física, produzo mais endorfina, diminui a minha ansiedade, me ajuda a aliviar a TPM. Me sinto muito mais feliz. Nos dias que eu não pratico, as pessoas já falam da minha diferença de humor”, diz Kátia.

Pra todos

“Um atleta olímpico e o seu avô precisam do mesmo condicionamento físico, mas com intensidades diferentes”, explica o coach de Kátia, Bruno Razera, do box Crossfit Barigui. Ele mostra que todo aluno que começa o Crossfit passa por uma adaptação inicial. As três primeiras aulas servem só para aprender os movimentos básicos. Depois disto, o treino vai sendo adaptado à condição física de cada um, até que ele esteja apto a progredir no treino.

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