Vivendo de sonho

Neste período de crise financeira, 13,5 milhões de desempregados e vagas de trabalho escassas no Brasil, muita gente coloca a criatividade à prova e arregaça as mangas para garantir o próprio sustento. Sem conseguir uma oportunidade ou realocação no mercado de trabalho, a alternativa para muitas pessoas acaba sendo ir para as ruas, para vender seus produtos, nas calçadas ou de porta em porta, em casas e empresas.

Quem optou por esta fórmula foram os hoje empresários Diogo Fernandes, 29 anos e Rafael Nadin Babes, 27, que há cerca de 10 meses começaram a fazer sonhos para garantir uma fonte de renda e driblar a crise. O início do negócio, segundo eles, foi com um investimento de R$ 50 e a produção de 30 sonhos. Feitos por Diogo, que é formado em gastronomia, os doces foram vendidos pelas ruas do bairro Capão Raso por Rafael, que é biólogo. De lá para cá, o negócio deles só cresceu.

Diogo e Rafael optaram pelos sonhos para garantir renda e driblar a crise. Foto: Felipe Rosa
Diogo e Rafael optaram pelos sonhos para garantir renda e driblar a crise. Foto: Felipe Rosa

“Sou de Guarapuava e me formei como chefe de cozinha em Balneário Camboriú (SC). Quando a faculdade acabou, voltei para minha cidade, mas lá não consegui emprego. Aí, vim para Curitiba. Aqui, depois de algum tempo procurando, consegui trabalho em um supermercado. Mas como o Rafael também estava sem emprego, trabalhando só como autônomo, nós tivemos esta ideia e decidimos começar a fazer os sonhos”, relata Diogo, que no início deu conta da dupla jornada.

“No começo eu fazia a massa e os recheios à tarde, e fritava de madrugada, antes de ir para o trabalho. Depois vi que não teria como continuar no mercado e, terminado os três meses da experiência, saí e fiquei só com os sonhos”, lembra Diogo. Segundo ele, em poucos meses as vendas do quitute – feitas a funcionários de empresas do Centro de Curitiba e também sob encomenda – se tornaram um sucesso. “Nossa proposta era fazer algo diferente do que já existia, queríamos algo mais elaborado. Somos nós que fazemos a massa e todos os recheios, exceto a goiabada”, revela.

Diferenciais

Rafael que trabalhava como terceirizado em uma empresa de logística, ficou sem emprego na metade de 2016. Depois de mandar muitos currículos e passar por várias entrevistas de emprego, embarcou com Diogo na ideia de começar a produção de sonhos “gourmet”. As primeiras vendas feitas por ele foram feitas na rua, mas logo eles mudaram esta estratégia.

“Vimos que o pessoal que estava na rua não era bem nosso público, na correria as pessoas não se interessavam pelo nosso produto. Aí focamos em vender para os funcionários das lojas e empresas. O que ainda fazemos. Hoje nós dois, com ajuda de duas pessoas, fazemos os sonhos pela manhã e à noite e, à tarde, realizamos as entregas, de segunda a sábado. Além dos sonhos serem de qualidade, nossa apresentação também chama a atenção dos clientes”, aponta Rafael.

Ele conta que foi devido às suas noções de design gráfico que surgiu a maneira criada para embalar os sonhos e também a ideia de vestir uma doma, aquele uniforme de chefe de cozinha, ao fazer as entregas. “Queríamos que nossos clientes soubessem, ao ver a gente, que nosso produto era especial, gourmet”, explica o empresário.

Vendas

Das 50 unidades iniciais, a produção da dupla, que hoje está registrada como Microempreendedor Individual (MEI), atinge hoje média diária de 280 sonhos, podendo chegar a 400 doces nos dias em que a demanda é maior, como às sextas-feiras. “Nossa meta é chegar aos mil sonhos diários e, quem sabe, abrir uma franquia. Hoje somos MEI, mas nosso faturamento já está quase ultrapassando este limite. Logo estaremos em processo para mudar para microempresa”, comemora Diogo.

Contato: Para encomendar sonhos, ligue ou mande mensagem para (41) 9 9119-9111.

Idelvaldo sobrevive com a venda dos panos. Foto: Felipe Rosa
Idelvaldo sobrevive com a venda dos panos. Foto: Felipe Rosa

Sobrevivendo…

Idelvaldo vende cem panos por dia. Foto: Felipe Rosa
Idelvaldo vende cem panos por dia. Foto: Felipe Rosa

Outro trabalhador que tira seu sustento das vendas que faz é o vendedor de panos de pratos Idelvaldo Bueno, 59, que atua no Água Verde. “Fui supervisor de segurança e trabalhei até na Itaipu Binacional. Tenho um currículo bom de segurança. Mas há dois anos fiquei sem trabalho e, para me ajudar, um colega me deu uma força, indicando onde conseguir os panos de prato para vender”, conta.
E o começo das vendas, segundo Idelvaldo, foi difícil, mas ele não esmoreceu. “Nos primeiros dias eu não consegui nem o dinheiro da passagem. Mas eu não desisti, afinal, não tinha essa opção. E hoje, graças a Deus, tenho uma clientela fixa e consigo me manter. E já sei, quando minhas vendas ficam ruins, sei que caiu para todo o mundo”, aponta.

De acordo com Idelvado, que sai de casa todos os dias às 5h30 e fica na rua até o início da tarde, diariamente é possível vender ao menos 100 panos – ou 20 kits com cinco unidades cada. “Sobrevivo com o pano, me alimento e pago meu aluguel”. Segundo ele, sua decisão pode servir de exemplo para quem também enfrenta dificuldades. “Quem precisa e não consegue trabalho pode vender algo na rua, dá para fazer um pão ou um doce, basta ter o dom. Tem espaço para todo mundo na rua. E não fale em crise, apenas trabalhe. O pouco, muito dá”, recomenda.

Vendendo morangos, Marli já passou por várias crises. Foto: Felipe Rosa
Vendendo morangos, Marli já passou por várias crises. Foto: Felipe Rosa

Crises superadas

Em 27 anos trabalhando nas ruas do Portão, no cruzamento das ruas Francisco Frischmann e Carlos Dietzsch, a vendedora de frutas Marli dos Santos, 52, conhecida carinhosamente no bairro como “a mulher do morango”, conta que, graças à sua barraquinha, conseguiu ajudar a manter sua família.

“Sempre trabalhei aqui, na rua e gosto muito do que faço, de trabalhar com o público. Estou sempre aqui, com tempo bom ou ruim. Criei meu filho e ajudei meu marido com esta banca. Em todos estes anos passei por várias crises, mas esta é a pior de todas. Em algumas épocas as vendas melhoram e em outras caem. Desta vez, elas diminuíram 80%. Mas ainda acho que vale a pena trabalhar na rua”, revela.

Para ela, buscar esta forma de comércio pode ajudar as pessoas em um momento de dificuldade, podendo para alguns, virar um negócio. “A necessidade obriga a trabalhar por conta, afinal emprego está difícil. Desde que esteja trabalhando, tudo bem, só não dá para ficar parado”, indica.

Pra se regularizar

De acordo com a Prefeitura de Curitiba, vender produtos nas ruas é permitido, desde que seja feito um cadastramento do vendedor e que algumas regras sejam respeitadas, entre elas, as que determinam o local onde será instalado o ponto de comércio, os tipos de produtos e horários de funcionamento.

Os interessados em atuar como ambulantes devem procurar a Rua da Cidadania da Matriz, na Praça Rui Barbosa, com documento de identidade, carteira de saúde atualizada, duas fotos 3×4, comprovante de residência e declaração sobre a natureza e origem da mercadoria que pretendem comercializar. A obtenção da licença também está sujeita ao tipo de produto comercializado. E em alguns pontos da cidade, como o calçadão da Rua XV de Novembro, este tipo de comércio está proibido.

Informações: (41)3313-5830 e www.curitiba.pr.gov.br/servicos/cidadao/comercio-ambulante-licenca/307

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