As casas das famílias que perderam tudo no incêndio do último dia 7 de dezembro, na ocupação 29 de Março da Vila Corbélia, na Cidade Industrial de Curitiba, começam a ser reconstruídas nos lotes. Já foram erguidas 21 novas casas com o auxílio de uma ONG e pelo menos outras sete começam a tomar forma por meio do trabalho dos próprios moradores. Cerca de mil famílias vivem na ocupação e 200 delas foram atingidas pela tragédia, perdendo móveis, utensílios, roupas entre outros objetos e lembranças que queimaram junto com as casas. O objetivo dessas famílias é recomeçar suas vidas e deixar a destruição para trás.
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A lavadeira Salete Titão, 49 anos, é uma das moradoras da Vila Corbélia que recebeu a casa nova, reconstruída pela ONG Teto, organização internacional que trabalha pela defesa dos direitos de pessoas que vivem nas favelas. Ela e três filhos, dois adolescentes e uma criança pequena, estavam dormindo no dia do incêndio e conseguiram deixar o local a tempo. “Você dormir com tudo dentro de casa e, de repente, sair só com a roupinha do corpo, até as crianças desse jeito, isso é triste. Mas a tristeza já foi embora. Saber que tem gente disposta a nos ajudar a recomeçar é uma coisa que eu agradeço a Deus. Eu digo que o pessoal dessa ONG são anjos. O que foi de ruim ficou lá para trás. Eu só agradeço”, diz a lavadeira.
Salete entrou na casa nova ontem pela manhã. As 21 residências foram erguidas nos dias 22 e 23 de dezembro. Mais de 120 voluntários da Teto e de movimentos sociais e coletivos ajudaram no trabalho de construção. São casas de madeira com 18 metros quadrados, um cômodo e com isolamento térmico no telhado. Os materiais foram adquiridos com doações feitas pela internet, por meio de uma campanha de crowdfounding criada pela ONG.
Salete, que perdeu para o incêndio o tanque em que lavava roupas e com o qual fazia sua renda, explica que sem ajuda as coisas ficariam mais complicadas. “Desempregada, eu não teria condições de retomar a vida tão rapidamente”, conta. A família da lavadeira também colabora. “São meus parentes e filhos que estão trazendo as coisas para colocar na casa. Hoje chegou uma cama box e a mesa de cozinha”, comemora. A moradora ficou tão contente que a ordem da nova casa é tirar o calçado para pode entrar. “Meus chinelos estão aqui, na minha mão”, brincou.
Os lotes das famílias atingidas pelo incêndio foram reorganizados pela associação comunitária da ocupação. Os tamanhos dos espaços, por padrão, agora são de 50 metros quadrados. O objetivo é ocupar o local de maneira mais ordenada, para caber mais gente. “Também colocamos em primeiro da fila para as casas as pessoas idosas e com crianças e as que já habitavam a área”, explicou Nayane Saraiva, 32 anos, membro da associação comunitária e uma das responsáveis pela listagem de moradores. “Vai permanecer quase a mesma ordem de famílias, a não ser que algumas pessoas que moravam mais na frente da rua foram mais para o fundo. A Teto também obedeceu algumas determinações da prefeitura e alguns locais onde tinham casas vão ficar sem nada construído, por questão de segurança. Mais casas devem ser construídas já em janeiro”, contou a Nayane Saraiva.
Doações
Segundo a associação de moradores, a comunidade ainda depende de doações. “Quem já está nas novas casas precisa de móveis, utensílios e cobertores. Alimentos nós já recebemos bastante e distribuímos”, orienta a Nayane Saraiva. Segundo ela, há também os moradores que estão reconstruindo suas casas com recursos próprios. Nesse caso, ainda faltam materiais como placas de madeira, vigas, telhas de fibra e cimento (Eternit), bocais, fios, cabos, canos, lâmpadas, etc. Para doar, o contato pode ser feito pelos telefones (41) 99644-0839 (Juliana) e (41) 99568-3883 (Silvane).
Outra dinâmica que mudará na comunidade é o uso de banheiros. Como as casas da Teto só tem um cômodo, a associação vai construir dois banheiros para uso comum. “Será uma solução temporária, mas necessária”, explicou Nayane.
Fim da tristeza
O clima na ocupação 29 de Março, passados 20 dias do incêndio, parece mesmo ser só de reconstrução. Não fossem alguns resquícios de madeira chamuscada pelo chão, quem não tem notícia da tragédia e visita o local acha que as pessoas acabaram de se mudar e estão naturalmente empolgadas com as casas novas. As crianças também ajudam a dar essa impressão ao transformar portas em escorregador, ruas em playground, enquanto os adultos trabalham para descarregar materiais de construção e para pregar os telhados.
No fundo, sabe-se que não é bem assim, embora o pacto entre as famílias seja lutar para esquecer o que passou e para deixar a tristeza no passado. Até uma placa simbolizando renascimento foi instalada na entrada da área atingida pelas chamas. Nela, consta a data do incêndio e a data do dia seguinte. “Quer dizer que a 29 morreu em um dia, mas renasceu no outro”, diz uma senhora da associação.
Evelin Queli Cordeiro, 29 anos, outra moradora que já ganhou uma casa da Teto disse que não conseguiu salvar nada no incêndio, mas já sente a alegria renovada. Ela, o marido que trabalha como panfleteiro e o filho adolescente ocuparam a nova moradia ontem. “Ainda falta organizar as coisas. Hoje (ontem), consegui encerar, mas faltam guarda-roupa e geladeira que tinham na outra casa, só que isso eu sei que vou conseguir. Por isso, estou me sentindo muito bem. O que passou, passou”, diz.
A Maria da Conceição Alves Martins, 39 anos, compartilha desse clima. Na nova casa serão ela e o filho. “Estou alegre por ter a minha casinha de volta. Graças a Deus, devagarinho, vou ajeitar a vida e retomar a caminhada”, comemora. Maria da Conceição está recebendo doações de seus dois irmãos. “Também está servindo para unir a minha família. Meus irmãos até queriam me tirar daqui, mas estou tão acostumada com a minha vidinha, meu cantinho, que só a ajuda deles me deixa satisfeita”. Na casa dela já tem sofá, cama de casal, cama de solteiro, fogão, armarinho e pia. “Falta montar e ligar as coisas. O resto está bom demais”.
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O incêndio
Um incêndio de grandes proporções destruiu a Vila Corbélia no final da noite do dia 7 de dezembro, uma sexta-feira. O local é o mesmo onde o soldado Erick Norio, do 23º Batalhão da Polícia Militar (PM), foi morto enquanto trabalhava, ainda na madrugada de sexta.
O incêndio começou por volta das 22h30 e, primeiramente, tomou conta de algumas casas de madeira da localidade. Como a área é de ocupação, as casas de madeira, além do forte vento, ajudaram a alastrar as chamas. Os bombeiros foram chamados para atender a ocorrência, mas as chamas acabaram destruindo tudo. Apesar de relatos de que havia pessoas dentro das casas, ninguém morreu.
Apenas durante a manhã seguinte foi possível ver o tamanho do estrago causado pelas chamas. Ainda no dia 8, por volta das 10h, ainda havia muita fumaça saindo dos escombros.
Investigações
A Secretaria de Segurança Pública tomou providências e determinou à Polícia Civil a apuração rigorosa das causas do incêndio. Em nota emitida logo após o incêndio, a instituição informou que um inquérito policial seria aberto na Delegacia de Explosivos Armas e Munições (Deam) para apurar o caso. O Instituto de Criminalística foi acionado para exames periciais.
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