A briga é antiga. De um lado, os poupadores de cadernetas de poupança. Do outro, as instituições bancárias. Motivo? Dinheiro, é claro. E muito. Quase R$ 11 bilhões em indenizações de planos econômicos que os brasileiros até tentaram, mas nunca conseguiram esquecer. Quase trinta anos depois do traumático confisco das contas bancárias, anunciado de supetão pelo Ministério da Fazenda, o acordo que vai ressarcir os milhares de prejudicados durante os planos Bresser, Verão e Collor I e II (entre 1987 e 1991), finalmente vai ser colocado em prática.
A devolução começou a ser feita oficialmente na quarta-feira por meio do “Acordo dos Planos Econômicos”, estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em parceria com a Frente Brasileira Pelos Poupadores (FEBRAPO) e a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).
A medida, que foi mediada pela Advocacia-Geral da União (AGU), acompanhada do Banco Central (Bacen), e homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), será viabilizada por meio de uma plataforma eletrônica desenvolvida especialmente para facilitar os ressarcimentos devidos. Com isso, cerca de 2,5 milhões de pessoas deverão, enfim, reaver o que perderam.
Surpresa desagradável
Março de 1990. Um dia depois da posse de Fernando Collor de Mello como presidente, a então ministra da economia e prima de Collor, Zélia Cardoso de Mello veio à público, respaldada pelo Congresso Nacional, para anunciar não somente a troca da moeda (de cruzados novos para cruzeiros), mas também a medida que pegou de surpresa os cidadãos brasileiros que tinham qualquer valor guardado no banco.
“Quem tem um depósito à vista de 50 mil cruzados pode ir ao banco na segunda-feira, se quiser, e sacar 50 mil cruzeiros. O que excede isso fica depositado junto ao Banco Central, sob titularidade da pessoa física ou pessoa jurídica”, anunciou a ministra no pronunciamento oficial. Ficou sem entender? Pois é. Quem assistia o anúncio ao vivo também não entendeu o que estava acontecendo. E mesmo depois, a ficha demorou a cair.
Basicamente, a ministra “aconselhava” os poupadores, que há anos depositavam suas economias em cadernetas de poupança, que se dirigissem aos bancos se quisessem para sacar, no máximo, 50 mil cruzados novos (equivalentes a R$ 4.142 em valores corrigidos pelo INPC) já que todo o resto (não importasse quanto) seria retido pelo Banco Central.
É mais ou menos como se hoje, um cidadão que tem R$ 100 mil em poupança, por exemplo, descobrisse que só pode sacar R$ 4 mil e que o resto vai ficar, a princípio, por 18 meses nas mãos do Governo Federal. Com a justificativa de combater uma enlouquecedora inflação de mais de 80% ao mês, a medida que caiu como uma bomba para os brasileiros, trouxe consequências irreparáveis a milhares de famílias.
Trauma
O funcionário público Marcos Velasques*, que preferiu utilizar um pseudônimo para conversar com a Tribuna, lembra bem como se sentiu ao desligar o noticiário depois da transmissão do anúncio no dia 16 de março de 1990. “Fiquei perplexo. Era início de carreira e eu não tinha muito dinheiro mas comecei a pensar, imediatamente, no que ia fazer. Nos meses seguintes à decisão, a recessão veio como mar em ressaca. Teve gente que se matou”, lembra.
Os anos se passaram, os valores não foram devolvidos e dois sentimentos permaneceram nas vítimas: o trauma do confisco, e o desejo por direitos. Segundo a Advocacia Geral da União (AGU), nas décadas seguintes à fatídica medida, cerca de 1 milhão de ações judiciais foram movidas contra os bancos pedindo indenizações e, para resolver a questão, depois de muita discussão e anos de negociação, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, em 2017, a medida que deve recompor parte desse prejuízo.
Como receber?
Anunciado oficialmente essa semana, o “Acordo dos Planos Econômicos” convoca todos os cidadãos que entraram com ações na justiça pela correção das poupanças dos planos Bresser, Verão e Collor 2 a aderirem ao acordo. Para tanto, é necessário cumprir alguns requisitos. Primeiro é preciso provar que, de fato, ingressou na justiça e que, na época dos planos, de fato possuía valores em poupança. Outra exigência para quem adere ao acordo é a de que desista do processo judicial. Para os bancos, a medida é bem vinda, já que, somadas, as ações movidas contra as instituições financeiras ultrapassariam os R$ 30 bilhões, segundo os órgãos de defesa do consumidor.
Em nota, a presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mari Lazzarini, afirma que a adesão é a melhor saída para quem busca resolver a questão de maneira mais rápida e segura. ‘O acordo representa um alento ao encerrar essa disputa e reconhecer que os poupadores têm direito a receber seu dinheiro de volta. O Idec sempre esteve ao lado desses consumidores. Foram milhares de beneficiados pelas ações coletivas desde a década de 1990. E esse acordo é mais uma possibilidade aberta a todos aqueles que querem dar um fim a essa disputa”, afirma.
Quem pode aderir?
Poupadores, herdeiros ou inventariantes que tenham reivindicado o ressarcimento em juízo dentro dos prazos prescricionais. Mas atenção, porque esse prazo muda. Para ações individuais, as demandas devem ter sido pleiteadas até 20 anos após a edição de cada plano (até 2007 para o Plano Bresser; até 2009 para o Plano Verão; e até 2011 para o Plano Collor 2.) Já para as demandas coletivas, o prazo de ajuizamento foi até o dia 31 de dezembro de 2016, ou 5 anos depois da decisão definitiva da ação.
Como funciona?
Para facilitar o processo de adesão ao acordo e facilitar a vida dos aderentes, uma plataforma foi desenvolvida: o “Portal Planos Econômicos” (www.pagamentodapoupanca.com.br), que traz informações sobre o acordo e um tira-dúvidas para os usuários. De acesso simples, a plataforma exige apenas a criação de um login (com o número do CPF e e-mail) e uma senha, por meio dos quais o advogado ou o defensor público, podem fazer as habilitações ao acordo de seus clientes.
O poupador, herdeiro ou inventariante, por sua vez, também poderá fazer a habilitação com relação à poupança de que seja titular e acompanhar as habilitações que tenham sido feitas em seu nome. Recebidas em lotes, as adesões serão repassadas aos bancos de acordo com o ano de nascimento do poupador, a começar pelos de mais idade. Concluída a habilitação é gerado um protocolo que é sucedido por uma conferência, por parte das instituições financeiras, dos dados dos usuários.
Entenda o acordo
Prazo
Os bancos terão até 60 dias para analisar a documentação enviada. Concluído o processamento, o resultado é comunicado ao poupador e seu advogado, por e-mail. Caso a resposta seja negativa, o poupador poderá solicitar uma nova análise à Febrapo. Caso positiva, o pagamento será feito em até 15 dias.
Como é feito o pagamento?
– Quem tem direito a até R$ 5 mil receberá à vista, sem qualquer desconto
– Para valores entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, o pagamento será em 3 parcelas iguais e haverá 8% de abatimento
– Mais de R$ 10 mil, o pagamento será em 5 parcelas iguais, sendo a 1ª em 15 dias e as demais a cada seis meses
– Para valores entre R$ 10 mil a R$ 20 mil, o desconto será de 14%. Já aqueles que tenham direito a receber mais de R$ 20 mil, terão 19% do valor descontado.
Bancos que aderiram ao acordo
Itaú Unibanco S/A
Banco Bradesco S/A
Banco do Brasil S/A
Banco Santander (Brasil) S/A
BRB – Banco de Brasília S/A
Banco Safra S/A
Banese – Banco do Estado de Sergipe S/A
Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul S/A
Caixa Econômica Federal
Banpará – Banco do Estado do Pará
Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo
CCB Brasil – China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo S/A
Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB)
Banco Citibank S.A.
Banco da Amazônia S/A
Poupex – Associação de Poupança e Empréstimo
Acesse: http://www.pagamentodapoupanca.com.br
https://www.tribunapr.com.br/cacadores-de-noticias/curitiba/panela-de-pressao/