Quem já correu ao pronto socorro sabe que a dor tem pressa. Nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Curitiba, não é diferente. Apesar da natureza emergencial das unidades, não são raras as reclamações relativas às longas filas e à demora em conseguir o atendimento. Para quem tem filhos, a situação fica ainda pior devido ao número reduzido de pediatras em comparação com os demais especialistas em atendimento. Rumores começaram a correr entre pacientes do serviço e funcionários das próprias UPAs, dando conta de que os atendimentos pediátricos serão suspensos nas unidades,eque as consultas infantis serão transferidas para clínicos gerais. O boato causou rebuliço entre profissionais do ramo, que na semana passada cobraram esclarecimentos à Prefeitura.
Há algumas semanas, Alexandre Andretta, 61, precisou recorrer ao atendimento da UPA da Vila Hauer. Uma febre repentina que abateu sua filha, a pequena Alice, de 2 anos. “Decidi levá-la para ver o pediatra. Era fim de semana e imaginei que seríamos atendidos rapidamente”, lembrou. Ao chegar à UPA, o procedimento normal: primeiro a triagem, e depois o fornecimento de uma senha numérica cujo chamado deveria ser aguardado numa salinha separada para as crianças. Mal sabia Alexandre que ali começava uma cansativa jornada de quase 4 horas à espera de atendimento,e pior: que sairiam de lá “de mãos abanando”.
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Como ele, outros pais que aguardavam atendimento. Na fila de espera, todos se questionavam se havia mesmo um especialista para atender as crianças. “Algumas pessoas falaram que tinham ouvido dizer que o serviço de pediatria seria suspenso das UPAs. Mas eu não acreditei muito”, lembrou. Depois de muitas senhas terem passado à frente da sua, Alexandre se dirigiu à recepção. “Perguntei o motivo da demora e a atendente informou que os serviços prioritários eram passados na frente. Isso era por volta de 19h30. Eu fiquei até 22h30 esperando quando fui informado de que não tinha pediatra disponível na unidade”, relembra.
Preocupação
Segundo a Sociedade Paranaense de Pediatria (SPP), casos como os de Alexandre não são isolados. De acordo com a diretoria da entidade, desde julho do ano passado, mais de dez denúncias foram feitas somente por profissionais e funcionários da UPAs e UBS, dando conta da falta de pediatras nas unidades. Por conta disso, o que começou como um rumor virou motivo de preocupação para a categoria. Em nota enviada à Tribuna, a Sociedade Paranaense de Pediatra informou ter encaminhado, na semana passada, um documento para a Secretaria Municipal de Saúde, no qual – com base em denúncias de pais de pacientes, pediatras e profissionais que atendem nas UPAs – pede uma reunião para esclarecimentos.
Segundo a diretoria da SPP, Kerstin Taniguchi Abagge, os atendimentos infantis nas UPAs estariam sendo direcionados a clínicos gerais e os pediatras, deslocados para realização de serviços burocráticos e retirados das unidades básicas. “Diante da enorme demanda por atendimentos e do número de denúncias, a categoria de fato se preocupa. Encaminhamos esta solicitação à Prefeitura, cobrando um posicionamento”, afirma.
De acordo coma diretora, se comprovada, a questão afetaria diretamente a saúde pública infantil, haja vista que os médicos generalistas teoricamente responsáveis pelos atendimentos não possuem a mesma experiência dos pediatras, cuja formação é direcionada especificamente ao atendimento de crianças. “A prefeitura justifica que os clínicos gerais têm formação em medicina da família, dispondo de uma base para atender o público infantil. No entanto, o melhor profissional pra atender uma criança é um pediatra. Enquanto os ‘médicos da família’ passam apenas alguns meses no serviço de atendimento emergencial infantil, um residente normal de pediatria passa 3 anos estudando especificamente para isso”, explica.
Manifestações
Diante da suspeita de que o atendimento médico de crianças não vem sendo feito por pediatras nas unidades de saúde de Curitiba, algumas autoridades se posicionaram. Na semana passada, o deputado Ney Leprevost (PSD), encaminhou expediente oficial ao procurador de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública (CAOP/Saúde) do Ministério Público do Paraná (MPPR), Marco Antônio Teixeira, pedindo investigação de uma denúncia de que gestão da prefeitura estaria de fato deixando as unidades de saúde de Curitiba sem pediatras para atender as crianças. Segundo a denúncia, em algumas unidades de grande demanda por atendimentos, como a do Tatuquara e do Boqueirão, a prática já estaria vigorando, enquanto em outras o serviço estaria sendo feito por clínicos gerais.
Tira-teima
Para comprovar as denúncias e verificar de perto a realidade dos atendimentos médicos infantis da cidade, a Tribuna visitou 6 unidades de saúde pública em bairros e datas diferentes. O que foi constatado, no entanto, é que na maioria das UPAs e UBS (Unidades Básicas de Saúde) visitadas pela reportagem, o serviço é prestado normalmente.
Na UBS da Vila Hauer, por exemplo,o movimento de crianças acompanhadas dos pais era normal. Um casal que preferiu não se identificar, contou que o atendimento prestado ao filho-um bebê de apenas 6 meses – correu normalmente e foi feito pelo pediatra responsável pela unidade. O mesmo aconteceu na UPA do Tatuquara, onde uma mãe que se identificou como Giuliane, afirmou que o atendimento pediátrico sempre funcionou muito bem. Ao lado dela, a filha Valentina, 4, brincava com outro menino que também aguardava atendimento. “Sempre que preciso trago ela aqui e o atendimento costuma ser rápido”, diz.
A Tribuna também procurou a UPA do Boqueirão, onde outra mãe que preferiu não se identificar afirmou que não teve problemas para conseguir uma consulta para seu filho de 5 anos que estava com uma inflamação nos olhos. O mesmo disse o porteiro Tiago Ernesto Ferreira da Silva ao sair da UBS Boa Vista com a filhinha também Valentina nos braços. A pequena tinha se engasgado enquanto mamava. “Logo que chegamos, ela passou pela triagem e demorou cerca de 20 minutos pra que a pediatra viesse atendê-la. Foi até mais rápido do que a gente esperava”, afirmou.
A reportagem visitou as seguintes unidades: UPA Tatuquara, UPA Boqueirão, UBS Vila Hauer, UBS Boa Vista, UBS Capão da Imbuia e UBS Pompeia esta última foi a única na qual não havia pediatras atendendo. “Aqui é um problema de conseguir atendimento pras crianças. A gente traz já sabendo que vamos ficar na fila comum e que nossos filhos vãos ser atendidos por um clínico geral”, afirma a auxiliar de serviços gerais, Cleide da Silva Ventura, 36. A situação foi devidamente informada ao atendimento da Prefeitura pelo número 156. Em resposta, a própria unidade afirmou ter um pediatra titular que atende em horários específicos.
Procurada, a Prefeitura se posicionou por meio de nota. A administração municipal informou que a notícia de que os pediatras serão retirados das UPAs provocou estranhamento na Secretaria Municipal da Saúde e que os atendimentos pediátricos vêm sendo realizados normalmente. Ainda segundo o órgão, não houve alteração no quadro de pediatras das unidades. A SPP, por sua vez, informou também em nota que, no momento, aguarda retorno da Secretaria para esclarecer os pontos conflitantes.