O metalúrgico Lourival Mueller de Lima, 50 anos, “deu com a cara na porta” duas vezes na mesma semana. Morador de Toledo, foi ao Hospital de Clínicas (HC), em Curitiba, segunda-feira da semana passada, para fazer um exame do coração. Mas o equipamento estava estragado e ele foi para casa sem exame. Mandaram ele voltar quatro dias depois, na quinta-feira, para uma consulta. Quando chegou, disseram que o médico não atenderia, sem explicação.
“Por que não ligam avisando? Foram dois dias de trabalho perdidos”, reclamou Lourival, depois de 2.160 quilômetros rodados (540 quilômetros entre Toledo e Curitiba) e 26 horas de viagem (6 horas e 30 minutos cada trecho). Ele precisa fazer uma cirurgia no ombro, por causa da bursite, que lhe atrapalha muito no trabalho. E por isto o exame de coração e a consulta eram necessários, antes da cirurgia. “Vamos ver se até o fim do ano consigo operar”, disse, desanimado.
Medicamento
O aposentado Luiz Antônio Antochecen, 57, também depende do HC para sobreviver. Desde 2007, faz um acompanhamento médico e tratamento pelo hospital, por causa de uma trombocitose essencial, que faz com que seu sangue produza excesso de plaquetas. Para evitar esta superprodução, toma o medicamento Hydrea. Caso contrário, pode morrer por causa de uma trombose.
Pela primeira vez, em nove anos, o HC deixou de fornecer o medicamento, que ficou em falta por quase seis meses. Luiz só voltou a receber o Hydrea semana passada, quando já estava pensando em comprar o medicamento na farmácia, que custa entre R$ 200 e R$ 250 o frasco para um mês. “Minha sorte é que sou meio esquecido e de vez em quando deixava de tomar o remédio. Então eu tinha um pouco em casa ainda, que fui ‘espichando’ por estes meses. Mas neste finalzinho fiquei 15 dias sem tomar. O limite que o médico falou que eu podia ficar sem era de 8 a 10 dias. Se não, correria risco de morte”, explicou o aposentado.
“No começo, diziam que ia chegar no fim do mês, que ia chegar dali mais 15 dias, até que depois de dois meses, afirmaram que só viria no segundo semestre. Não sei qual era o problema, já que nas farmácias era possível encontrá-lo, mas eu não podia comprar”.
Crise financeira “da brava”
Lourival e Luiz Antônio são apenas dois dos vários pacientes afetados pela crise financeira pela qual passa o Complexo Hospital de Clínicas (CHC), formado pelo Hospital de Clínicas e a Maternidade Victor Ferreira do Amaral, que já tem um rombo de R$ 10 milhões no orçamento. Por isso, o Complexo iniciou, no dia 20 de maio, a campanha “Anjos Pela Vida”, para arrecadar fundos e cobrir os custos das duas instituições. Qualquer pessoa ou empresa pode doar a quantia que desejar.
Nos últimos meses, faltam medicamentos e materiais, inclusive os itens mais básicos, como analgésicos, antibióticos, seringas, gazes e esparadrapos. Vários deles precisam ser importados e, com a inflação e a alta do dólar, os insumos ficaram mais caros. Do outro lado, o orçamento do hospital continuou o mesmo.
O atendimento do HC é feito 100% pelo SUS e é o maior hospital público federal do Paraná. Também é um dos melhores hospitais universitários do País, sendo administrado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 1961. O hospital oferece 60 especialidades, é referência em várias delas (como artroplastia, transplante de medula e fígado, tratamento de epilepsia e Banco de Leite Humano) e nunca fechou nenhum serviço.
Retribuindo o bem recebido
O empresário Orlando Kaesemodel Filho, presidente do grupo Negresco, foi um dos “anjos” do hospital. Ele doou R$ 30 mil, como uma espécie de retribuição. “Esses tempos eu fiz uma cirurgia lá no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Foi pelo plano de saúde e fui muito bem tratado. Depois vi uma reportagem na TV, mostrando a situação crítica do HC. Pessoas que vinham para ser atendidas e não tinha quarto, sequer esparadrapo. Pessoas passando frio em filas e não eram atendidas. Fiquei compadecido e quis dar a elas um mínimo do conforto que eu pude ter. Por isso decidi doar”, disse o empresário.
Ele relatou que também foi impulsionado por um telefonema do reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho, com quem estudou por muitos anos e tem grande amizade. Orlando diz que a sensação que dá após uma doação como esta é a de dever cumprido. “Se mais gente fizesse igual a mim, doando qualquer valor que possa, dava para colocar as contas do hospital no azul”, declarou.
Como ajudar?
Doe qualquer valor na conta da Associação dos Amigos do HC:
Banco do Brasil
Agência: 3262-x / Conta 31.484-6
CNJP: 79.698.643/0001-00
– Doações acima de R$ 50, feitas na Boutique dos Amigos do HC (Av. Agostinho de Leão Jr, 336), ganham a camiseta da campanha Anjos pela Vida – SOS HC.
Conta que não fecha
O reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho, explicou que a situação do Hospital de Clínicas é bastante complexa porque não recebe recursos suficientes do Ministério da Educação. Como a instituição precisa de R$ 11 milhões mensais para se manter e o governo federal repassa R$ 8 milhões, a defasagem é de R$ 3 milhões. De acordo com o reitor, o HC tem uma dívida de cerca de R$ 10 milhões com fornecedores. Só isso representa um déficit mensal de quase R$ 2 milhões por mês. “Precisamos de uma solução completa. Por isso estamos renegociando os contratos com a Prefeitura de Curitiba e vamos atrás do Ministério da Educação para ampliar o financiamento do hospital e tentar deixá-lo superavitário até o final do ano”, afirmou.
Em função da falta de repasses federais e da defasagem da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), o governo do Paraná inseriu o HC no programa HospSUS e, a partir deste mês, vai repassar R$ 343 mil mensais para custeio do Hospital de Clínicas. “Hoje o grande problema do hospital é desabastecimento. Vamos empregar integralmente este montante no reabastecimento de nosso hospital para não suspendermos o atendimento da população”, afirmou o reitor da UFPR, Zaki Akel Sobrinho.
Além deste recurso, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) enviou no último dia 11 de maio um lote com 27 tipos de medicamentos e uma série de materiais médicos-hospitalares para suprir uma necessidade emergencial da unidade. Entre os itens estavam sondas, bisturis, termômetros, ataduras, cateteres, agulhas, talas, drenos, seringas, luvas cirúrgicas, compressas e outros materiais básicos. O investimento foi de R$ 94 mil.