A partir de janeiro de 2017, os pouco mais de 2 mil novos soldados da Polícia Militar (PM) começam a atuar efetivamente nas ruas das cidades paranaenses. A presença deles vai aumentar a sensação de segurança e sanar a defasagem no efetivo da PM, mas momentaneamente, já que a tendência é continuar faltando gente.
“A rotina diária é pesada. Muita coisa mudou pra mim, principalmente porque não tinha o hábito militar. Hoje, isso já reflete na minha vida pessoal”, conta Piancarlo Zanini. O rapaz, que tem 24 anos e veio de Paranaguá, no litoral, acorda às 4h30 todos os dias. “Tomo banho e faço a barba, verifico se meu fardamento está alinhado, preparo o café e a gente se apresenta no batalhão às 6h20”, detalha o agora conhecido como “soldado Zanini”, que fala “a gente” pois divide apartamento com outros colegas em formação.
O dia do rapaz, assim como o de todos os outros soldados do curso, só termina após as 18h e faz com que aprendam que não deixam de ser policiais quando voltam para a casa. “Nossa visão da vida, de modo geral, mudou muito. Sabemos que temos horário a cumprir, mas tem dia que isso pode se estender, quando tem alguma atividade programada para fazermos, como aula de tiro, alguma atividade externa”, explica.
Preparação intensa
No 13º BPM, os novos policiais, através de uma parceria com o Centro Universitário Cesumar (Unicesumar), que cedeu uma das salas, têm aulas teóricas em um espaço novo e bem equipado. Os soldados em formação sabem que não podem reprovar. Além de disciplinas comuns para atividades policiais, como Defesa Pessoal, Tiro, Técnica e Tática Policial, os alunos aprendem Direito, Direitos Humanos e Policiamento Comunitário. Simultaneamente, os alunos fazem o Estágio Operacional Supervisionado, onde têm a possibilidade de colocar em prática, na rua, os aprendizados. Essas atividades são acompanhadas por policiais com experiência na atividade e no atendimento de ocorrências.
Toque feminino
“O receio das primeiras vezes na rua sempre vem. Principalmente por ser mulher, mas a gente aprende que homem e mulher policial são iguais. Medo, não sinto”, diz Silvana Leszak, 28. Recém-casada, a jovem contou que sua vida mudou duplamente e hoje conta com o apoio direto do marido. “Senti diferença na rotina e, por ser um universo bem mais masculino, também refletiu em minha vida pessoal, tive dificuldade para me adaptar. Mas recebi a ajuda do meu marido, que me incentiva bastante, e isso significou muito pra mim”.
Saindo do batalhão, a agora “soldado Silvana” não tem tempo para as atividades domésticas e não aproveitou muito o começo do casamento. “Mas o apoio que recebo tem sido essencial. Quando fui chamada, meu marido estava ainda mais empolgado que eu. Hoje em dia ele passa meu fardamento, aprendeu a cozinhar, enfim, sem ele ia ser tudo muito complicado”.
Mesmo em um universo mais masculino e a rotina pesada, que poderia facilmente deixar a maquiagem, por exemplo, fora do dia-a-dia, as alunas não deixam de manter a autoestima em dia. “Tem dia que a gente não consegue, mas tentamos sempre, pelo menos, passar um rímel, um blush, manter o cabelo em dia”, brinca Silvana.
Enquanto estão em fase de treinamento, os novos integrantes da corporação, aprovados em concurso público de 2012, são chamados de alunos-soldados ou soldados de segunda classe. “Após a formação, passam a ser chamados de soldados de primeira classe e vão estar prontos para atuar nas ruas. Saem preparados para todas as situações em que vão precisar atuar”, explica o coordenador do curso no 13ºBPM, tenente Edvagner de Lima Gonçalves.
Sonhos vão longe
“Meu sonho sempre foi ser policial militar. Passei no concurso, vim para Curitiba e agora é aqui que quero construir minha vida, me estabilizar”, relata João Paulo Pechebela, o “soldado Pechebela”, 24. Para o rapaz, que veio de Santa Catarina (SC), a vida militar é muito mais fácil do que para os outros colegas. “Eu era do Exército, aprendi muito lá. Isso também fez com que minha família aprendesse e me apoiasse totalmente. Até estou acostumado a ficar longe”.
Compartilhando do sonho de Pechebela, a soldado Silvana e o soldado Zanini também sonham muito além da PM. A moça, que é formada em marketing, quer ter um filho. “Sempre sonhei em ser mãe. É um plano que estamos planejando para que aconteça logo e acho que, depois de tudo que venho aprendendo, vou ser uma mãe melhor”, aposta Silvana.
Casada há pouco mais de dez meses, a jovem disse que deseja ainda que o filho possa ter liberdade suficiente para decidir seu próprio destino. “Tenho aprendido a ouvir mais, depois falar. Com um filho, isso vai ser bom, vou conseguir transmitir alguma coisa a ele e quem sabe não incentivar a seguir carreira na PM?”.
Zanini, que tem uma namorada em Paranaguá, a princípio pensa em ficar em Curitiba – quando os soldados se formam, eles têm, por obrigação, que ficar cinco anos na cidade em que escolheram ao se cadastrarem -, mas não desistiu de voltar para perto de casa. “Por enquanto, penso apenas em concluir o curso e poder prestar um bom serviço à população, que é o nosso objetivo. Mas se algum dia eu puder desempenhar o meu trabalho na minha cidade, perto de quem eu amo, será ainda melhor”, diz.
Falta suprida por pouco tempo
O último concurso feito pela PM teve grande concorrência, com mais de 120 mil inscritos. Para dar conta de formar os mais de 2 mil soldados, o Paraná foi dividido de acordo com as regiões e as inscrições regionalizadas. “Isso significa apenas que quem prestou o concurso e passou deve ficar na região que escolheu”, comenta o coronel Assunção, comandante do 13º BPM.
Estes novos policiais devem suprir a falta de efetivo que vem acontecendo ao longo dos anos. “A Polícia Militar tem uma defasagem histórica no efetivo, por isso, o efetivo ideal ainda não foi alcançado. Mas esse novo quadro, por exemplo, no 13º, repõe as perdas, seja por aposentadoria ou por outras razões, e ainda teremos um ganho”, considera o coronel.
Mesmo com o aumento, o baixo número de PMs no Paraná ainda é um problema histórico da segurança pública. Segundo dados divulgados em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tem um policial a cada 630 moradores. É o segundo pior resultado nacional, que é de um agente para cada 473, perdendo apenas para o Maranhão.
Apesar de não existir uma norma padrão que defina o ideal para a taxa de policiais por habitantes, o aumento do efetivo tem sido uma das medidas adotadas. No caso do Paraná, dificilmente o problema vai ser resolvido até o ano que vem. Isso porque, conforme o coronel César Alberto Souza, diretor de comunicação social da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos Inativos e Pensionistas (Amai), 700 policiais deixam a corporação, em média, por ano.
“Estes dois mil novos policiais vão repor a falta dos que saíram em três anos. Em 2017, estaremos de novo com uma defasagem de 700 policiais. O que precisamos é que haja uma reposição continua. Não só porque os policiais se aposentam, mas também porque a população cresce a todo ano”, explicou. Segundo o coronel César, é necessário que o governo faça um acompanhamento, para que o efetivo de 22 mil policiais seja alcançado. “Hoje, temos perto de 18 mil, já contando com os novos policiais”.
Sem previsão de novo concurso
Para 2017, ainda não há sinalização do governo para novo concurso da PM. “Estamos em negociação, mas sem sinalização. O próprio concurso de oficiais, que em 2016 liberou vagas para 100 policiais, em 2017 liberou somente 17. Isso é deixar de investir, é prejudicar o nosso trabalho e a população. Sem a polícia na rua, prevenindo, não temos a segurança garantida. Quando deixa de investir na PM, deixa de se preocupar com a sociedade”.
A Amai afirma que luta, há longo tempo, para que os policiais possam prestar um bom serviço, mas que para isso faltam melhorias nas condições de trabalho. “Em 2009 conseguimos uma emenda constitucional que obrigava os novos policiais a terem curso superior, mas isso foi derrubado em 2012 e, por isso, não está em vigor. Queremos prestar um serviço melhor, receber um policial mais maduro e aproveitar pessoas já formadas para que passemos apenas a formação policial, técnica”.
Segundo o coronel César, a turma dos 2 mil soldados que está se formando agora foi chamada depois de uma longa briga na Justiça. “Fomos atrás porque o governo foi protelando. Chamou os soldados quase na reta final do prazo do concurso”.
Cidades prejudicadas
A Amai denuncia que, no interior do Paraná, em 270 cidades, aproximadamente, policiais trabalham, em média, 70 horas por semana. “Tudo isso para suprir a falta de PMs, que só vão chegar no ano que vem. Nas grandes cidades, como Curitiba, eles já estão fazendo estágio, indo para as ruas. As outras só recebem os policiais depois de formados e, enquanto isso, os policiais estão trabalhando em dobro. Vamos ter certo equilíbrio com essa formatura, mas continuamos com a pauta para que mantenhamos a inclusão dos policiais para 2017/18, para que seja contínuo. Não podemos ficar dois anos, por exemplo, sem novos policiais”, defende o representante da Amai.
Aumentar contingente não basta
Aumentar o contingente faz com que a sensação de insegurança na rua diminua, mas para o Coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é tapar o sol com a peneira. ‘O problema claro é o modelo como um todo. O policial militar atua sempre sem ser proativo, sempre correndo atrás dos prejuízos. É um modelo arcaico”, defende Pedro Rodolfo Bodê de Moraes.
Na opinião dele, o militarismo faz com que o policial militar seja mal visto pela população. “Há um problema na estrutura organizacional, estrutural, incapaz de se modernizar. Os PMs estão sempre preparados para o confronto, não para lidar com pessoas. E aí, essa história de policiamento comunitário vai por água abaixo”. Para o professor, a solução seria a desmilitarização, com uma reestruturação do sistema.