Gastronomia sustentável

“Eu nem sabia que gostava de cozinhar. Hoje eu já desejo ser chef de cozinha e abrir meu restaurante ´chique` lá no Batel”, conta a mais nova chef de cozinha de Curitiba, Patrícia Ramos, 41 anos. Ela e mais 20 colegas concluíram um curso de Gastronomia Sustentável, projeto social encabeçado pela indústria de eletrodomésticos Electrolux, que tem uma fábrica instalada no bairro CIC, em Curitiba.

Patrícia conta que ela e o marido foram contratados por uma família rica para trabalharem como caseiros de sítio. “Mas a minha patroa me pedia para cozinhar uns pratos sofisticados, franceses, chiques. E eu não sabia fazer nada dessas comidas de rico, só o trivial. Por isto fui demitida”, disse Patrícia.

Logo que ela saiu do emprego, uma funcionária do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), da CIC, sugeriu inscrevê-la no curso de Gastronomia Sustentável, que a indústria estava oferecendo a pessoas carentes em busca de recolocação profissional na região da CIC.

“Eu confesso que não estava muito empolgada não. Mas já no primeiro dia, quando entramos pela porta desembrulhando panelas, tudo novinho feito para o curso, para nós, comecei a gostar. Fui aprendendo como cortar as coisas, que cada tipo de corte tem um nome diferente, como o corte julienne e o brunoise, por exemplo, e os nomes das comidas em francês. Também aprendi os nomes dos acessórios, que são universais e posso me virar em qualquer cozinha do mundo. Na cozinha lá em casa, até meus filhos já usam alguns destes nomes que aprendi”, diz ela, empolgada e fazendo biquinho para pronunciar os nomes em francês que aprendeu.

Sonhos

Patrícia diz que agora nunca mais vai ser demitida por não saber cozinhar. E que se sua antiga patroa quiser, ela até volta a fazer refeições para ela. “Se me pagar R$ 3 mil por refeição, que é o que os chefs renomados cobram por aí”, brincou a mais nova chef, que hoje já não compra mais macarrão pronto. “As massas lá em casa agora são todas frescas”. Empolgada, posta no Facebook as fotos de todos os pratos que faz em casa para treinar e tem mais curtidas que as fotos em família que coloca.

“A família diz que vai á em casa comer os pratos que eu aprendi. Prefiro ensinar a fazer, ensinar eles a serem chiques. Porque a primeira degustação de uma comida tem que ser com os olhos, depois tem que conquistar pelo cheiro e ser gostosa”, analisa Patrícia, que além de aprender a cozinhar gostoso e chique, também aprendeu que na cozinha, nada se desperdiça. Quase todas as partes dos alimentos são aproveitadas.

Patrícia diz que agora tem certeza que conseguirá um emprego, num bom restaurante. “Nem que seja na pia lavando louça, porque os chefs nos ensinaram no curso que é pela pia que tudo passa. Um dia vou ter um jaleco de chef. Mas não vou comprar. Vou ter por merecimento”, diz empolgada.

Transformando vidas

Eletrolux tem objetivo de transformar vidas para melhor, diz Valmir. Foto: Felipe Rosa
Electrolux tem objetivo de transformar vidas para melhor, diz Valmir. Foto: Felipe Rosa

Valmir Buscarioli, vice-presidente de RH para a América Latina da Electrolux, diz que a empresa tem esse objetivo de transformar vidas para melhor, principalmente olhando no entorno de suas próprias fábricas. E como a empresa fabrica muitos de seus produtos voltados à gastronomia, decidiu optar por esta área para implantar o projeto social.

Batizado de Gastronomia Sustentável, o curso tem vários objetivos, como o de capacitar pessoas desempregadas nesta área, com a parceria de chefs renomados, para dar-lhes uma nova e qualificada chance de trabalho.

Mas há também os objetivos de fazer com que os novos chefs aprendam a usar os alimentos de forma responsável, utilizando-os completamente, com higiene e de forma saudável, para evitar desperdícios e colaborar com a erradicação da fome no mundo. Dos 350 quilos de alimentos usados ao longo dos dois meses de curso, apenas 5% foi descartado.

Currículo e entrevista

Além das aulas de gastronomia, funcionários voluntários da Electrolux também deram aulas de como elaborar um bom currículo e de como se portar numa entrevista de emprego.

Curitiba foi escolhida como a cidade piloto do projeto, que já tem mais três turmas confirmadas para 2018, que formarão 60 novos chefs de cozinha. Mas a intenção é também expandir o projeto para os outros 60 países onde a empresa possui sedes.

Além da Electrolux, outras empresas abraçaram a causa social: a Fundação de Ação Social (FAS), por meios dos CRAS, selecionou pessoas em alguma situação de vulnerabilidade para o curso; a AIESEC ajudou no engajamento da comunidade; a Sodexo On-site participou com a higienização da cozinha e a logística dos alimentos; o Instituto Stop Hunger ofereceu os alimentos e a World Chefs desenvolveu o currículo do curso e o design da cozinha.

Depressão foi embora

Aprendizado foi a transformação da vida de Angelita, que mandou a depressão embora. Foto: Felipe Rosa

 

Angelita de Abreu do Nascimento, 46 anos, estava muito depressiva há tempos. Por um ano e meio, só ficava trancada em casa, sem vontade de sair, de ter uma vida social, pensando só em morrer. Até que um dia a assistente social do CRAS da CIC a convidou para o curso de gastronomia sustentável, para que ela conhecesse pessoas novas. “Confesso que eu não estava muito animada para o curso não”, disse ela.

Mas o aprendizado foi a transformação da vida de Angelita, que mandou a depressão embora, passou a ter gosto em arrumar-se, maquiar, sair de casa. Das duas ou três amigas que costumava falar de vez em quando, hoje já tem cerca de 70 amigos que conversa sempre pelo WhatsApp.

“Up” em tudo

“Como eu estava me divorciando e sem nenhuma renda, eu precisava botar a mão na massa enquanto não aparecesse trabalho. Com o que aprendi no curso já comecei a fazer marmitex de risoto e maionese aos domingos. Já tem um mês e acho que os clientes estão gostando, porque estão voltando. Para quem estava sem nenhuma renda”, diz Angelita, que sonha em abrir seu pequeno restaurante em casa. Ela pretende vender feijoada aos sábados, risoto com maionese aos domingos e sopas e caldos quentes nas noites de quinta a sábado.

Chefs renomados

As aulas foram ministradas voluntariamente por 11 chefs e professores de gastronomia renomados de Curitiba. Délio Canabrava, chef proprietário da Cantina do Délio e da pâtisserie Banoffi, conta que o que lhe encantou com o convite foi o apelo social. “Muitas pessoas me ensinaram o que sei hoje. Então é uma forma de retribuir o que aprendi, devolvendo este conhecimento a nossa cidade maravilhosa, formando futuros chefs”, diz ele, que deu aulas de carnes vermelhas e aves.

Délio ensinou desde o corte até o preparo das carnes, mostrando que não se desperdiça nada no “boi”. “Ossos e nervos podem ser aproveitados em deliciosos caldos, supervalorizando a cozinha”, exemplifica ele, garantindo que todos os seus alunos eram muito aplicados e participativos. “Todos queriam pegar a faca, cortar, estar mais perto do fogão, fazer. Até pra lavar a louça disputavam”, contou o chef.

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