O autônomo Luiz Binda Siqueira, de 61 anos, ainda busca sua aposentadoria, apesar de décadas de trabalho. Entre a luta para conseguir seus dias de descanso, o trabalhador precisa enfrentar o risco de ver seu único bem material ruir. Nascido na casa onde mora, Luiz passa o dia observando as rachaduras que apareceram em frente à sua residência no domingo. No mesmo terreno são quatro casas, todas da mesma família que está na Rua Joaquim Nabuco, em São José dos Pinhais, há mais de 100 anos. “Minha mãe nasceu aqui, são mais de cem anos neste local. É muito triste isso. Lutamos para ter isso aqui e não é fácil ver tudo assim”, afirma emocionado.
A família Siqueira precisa deixar as casas por risco de desabamento, embora ainda não tenha o laudo oficial da Defesa Civil sobre os reais riscos. A rua que fica em frente aos imóveis, bem como as calçadas, já apresentam rachaduras grandes causadas por uma cratera que se abriu na obra de construção da trincheira Avenida das Américas.
A Defesa Civil de São José dos Pinhais foi acionada no domingo e pediu para que as famílias deixassem o local. Na averiguação foram constatadas rachaduras no solo e algumas em paredes de quatro imóveis. Por precaução, o trânsito das vias Joaquim Nabuco e Claudino dos Santos foram bloqueados para evitar a trepidação e o agravar as rachaduras com o tráfego de veículos.
Nas quatro casas que ficam no terreno atingido moram 18 pessoas, mas apenas seis saíram de suas casas. “Tenho minha mãe de 90 anos aqui, fica difícil sair. Ainda estamos em 12 pessoas aqui. Como vou deixar tudo para os ladrões e os marginais acabarem com tudo?”, contesta Luiz.
Mesmo que seja obrigado a sair de sua casa, o trabalhador assegura que não será por muito tempo. Ele promete enfrentar todos para cuidar dos bens adquiridos pelos antepassados. “Só vou sair daqui se vier uma ordem do juiz e, mesmo assim, no dia seguinte eu volto. Quero o laudo dos riscos, porque cada um fala uma coisa. Não sei o que pode acontecer, se vai mesmo desabar”, reclama.
Wellington Siqueira, técnico de TI, filho de Luiz, também reclama da dificuldade de se obter respostas, seja do governo do Estado e da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), responsável pela obra, ou até mesmo a empreiteira que está executando a obra, a empresa Empo. “As rachaduras apareceram há um mês, avisamos, eles vieram e aterraram o local, sem tomar nenhuma outra medida. Não fizeram uma cinta, algo assim”, relembra Wellington.
Mesmo sob o risco de ter deixar sua casa, Luiz não perde a esperança. No aguardo por respostas dos órgãos responsáveis, o autônomo acredita que tudo acabará bem. “Tem que ter esperança. Não vamos perder tudo isso aqui, cada um tem sua religião e eu tenho a minha. Vamos conseguir”, declara otimista.
Os problemas na construção da trincheira Avenida das Américas – uma obra do PAC da Copa, que deveria ter sido entregue antes da competição – não começaram no último domingo. A situação já se arrasta há quase um ano, segundo declaração dos vizinhos da obra. Comerciantes reclamam dos prejuízos que têm desde que o trablho iniciou, mas também apontam outros erros que podem ter causado o último dos problemas: o surgimento de rachaduras em casas e ruas. “Essa obra já começou errada. Pararam várias vezes neste pouco mais de um ano e isso pode ter prejudicado e causado todos estes transtornos. Era uma obra para Copa do Mundo e até agora nada”, comenta José Malinovski, comerciante que está na região há quatro anos.
O comerciante aponta ainda os riscos que os próprios operários das obras enfrentam, sem o uso de equipamentos obrigatórios de segurança no trabalho. “Já falamos com todos os órgãos ligados à obra e nada é feito. Agora mesmo tinha parte da terra desabando”, comenta. Segundo os moradores, encontrar trabalhadores sem capacete e luvas de proteção não é algo incomum, isso quando eles aparecem para trabalhar. Na tarde de ontem, enquanto um grupo trabalhava em solo, parte das paredes que ainda não receberam a cinta de concreto, desmoronavam. “Já passaram mais de 30 dias sem aparecer aqui, você cobra e um órgão empurra para o outro. Ninguém resolve nada. E sem falar no risco que correm sem equipamento de segurança. Nem capacete usam”, conta o comerciante Odair José.
Segundo a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), um cronograma e as soluções para os problemas na obra da trincheira Avenida das Américas serão apresentados ainda esta semana. A Comec afirma também que não há risco para os moradores da região e que a medida de retirada das famílias foi apenas preventiva. De acordo com o órgão, o problema aconteceu em razão das chuvas do final de semana, que fizeram com que a terra nas laterais da trincheira cedesse. A previsão é que obra seja entregue em dezembro.
A Comec destaca ainda que todas as medidas de segurança para os trabalhadores são exigidas da empreiteira Empo, que executa a obra. Além disso, outra obra do PAC da Copa na região que está atrasada é a construção da trincheira da Rua Arlindo da Costa, que deve ser entregue no próximo mês.