As imponentes paredes azuis da construção situada no número 407 da Rua Riachuelo, no centro de Curitiba, provocam uma mistura de curiosidade, lástima e indignação em quem transita diariamente pelas quatro quadras da via. Pouca gente sabe que o local, hoje depredado e tomado pelo mato, já abrigou sobreviventes do Holocausto e famílias paranaenses tradicionais na década de 30.
Por trás das fachadas e janelões, entulhos e lixo se acumulam entre as escadarias em curva e grades de ferro da construção datada da virada do século 20. Usado por moradores de rua como mictório e ponto de uso de drogas, o local entra para a lista das edificações de Curitiba em risco iminente da ação de vândalos e incendiários a exemplo do Palácio Belvedere, no Largo da Ordem incendiado na semana passada.
Construído em 1915, o Belvedere estava abandonado há três anos. Segundo vizinhos, o incêndio que destruiu a edificação era tragédia anunciada, uma vez que há tempos o local tinha se tornado abrigo para moradores de rua e usuários de drogas. Da mesma forma, o abandono do antigo casarão da Riachuelo incomoda e provoca insegurança nos moradores e comerciantes das áreas próximas. “É insuportável. Ainda mais em dias quentes. Agora, que o verão está chegando, o calor piora ainda mais o cheiro de fezes e urina que vem dali. Chega a espantar clientes aqui da loja”, afirma Josi Guchi, 53, que trabalha no estabelecimento vizinho ao número 407.
O imóvel faz parte do rol de “Unidades de Interesse de Preservação” (UIP), do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). A lista determina quais edificações são passíveis de proteção patrimonial por parte da legislação urbana, prevendo incentivos para a preservação das construções. Contudo, quando os edifícios históricos são de propriedade particular, a manutenção cabe aos proprietários, segundo a normativa regente.
De acordo com o setor de patrimônio histórico do IPPUC, a lei 14.794/2016 prevê que o proprietário do imóvel inventariado deve conservar, preservar e manter as características originais do edifício “às próprias custas”. À Prefeitura cabe somente fiscalizar se a preservação é feita adequadamente, notificar o proprietário em caso de descumprimento e viabilizar incentivos fiscais para o restauro do bem.
Em nota, a administração municipal informou à Tribuna que a última notificação enviada ao dono do imóvel foi em 2016, solicitando a limpeza do terreno. Não é preciso olhar de perto, no entanto, para perceber que o local, de limpo, não tem nada. Ainda segundo o setor de patrimônio histórico do IPPUC, o risco de incêndio em edificações abandonadas, como a da Rua Riachuelo, é grande. Principalmente quando há madeira nas estruturas.
Virou mocó
Algumas quadras abaixo, na Rua Presidente Faria, outros dois edifícios em petição de miséria, também trazem o mesmo perigo. O primeiro, localizado a alguns metros do Passeio Público no número 378 quase passa despercebido por quem transita pela via. Pelo vão aberto entre as discretas portas de vidro da construção de apenas dois andares é possível ver o estrago. Por dentro, roupas, lixo, sujeira, dejetos e até um vaso sanitário no meio da sala. Josemar Kiski trabalha em um estabelecimento próximo. Ele afirma que o local virou mocó há mais ou menos um ano. “Chega perto do final da tarde, moradores de rua e usuários de drogas começam a chegar. Passam pela porta e não demora nada, começam a acender fogo lá dentro pra usar entorpecentes e aquecer comida”, afirma.
Não menos grave é a situação do edifício situado no número 252, algumas quadras acima, próximo à parte dos fundos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Com a fachada totalmente pichada, o prédio de três andares também é regularmente invadido por moradores de rua que buscam abrigo sob as marquises da construção. Porta adentro, depredação e mais sujeira.
Procurado pela Tribuna, um dos proprietários do número 252, que preferiu não se identificar, afirmou que o imóvel está em processo de espólio desde a década de 90. No andamento do processo, o prédio foi esvaziado e aguarda decisão em relação à questão hereditária. “O que nos cabe fazer, no sentido de evitar mais depredação, fazemos. A porta está fechada com cadeado e há sistema de alarme e monitoramento, porém vez ou outra acontecem invasões”, disse.
A Tribuna também procurou o responsável pelo número 378. De acordo com vizinhos, o local era administrado por uma imobiliária que há alguns anos deixou de prestar o serviço. A empresa também foi contatada, mas não informou o nome do proprietário do edifício.
A Prefeitura informou que os donos dois imóveis situados na Presidente Faria foram notificados recentemente para limpeza, regularização e providências necessárias.
Sobre a fiscalização, a administração municipal informou, por meio de nota, que Secretaria Municipal do Urbanismo e Assuntos Metropolitanos realiza as vistorias de acordo com denúncias feitas pela Central 156. A primeira ação é a notificação, que determina um prazo ao proprietário para resolver a questão. Esse prazo pode variar de acordo com a gravidade do problema. Caso o proprietário não tome nenhuma providência, uma multa é aplicada. Mesmo assim, se o problema não é resolvido, nova multa incide, com o dobro do valor.