por MARIA LUIZA PICCOLI
A lei é clara. A formatação do valor dos combustíveis nos postos do Paraná não pode exceder os dois dígitos de centavos. O que se vê pelas ruas de Curitiba, no entanto, é que a maioria dos estabelecimentos não têm obedecido essa regra. Às vezes discreto, às vezes bem visível, lá está o terceiro dígito nas placas, painéis e banners de muitos postos de combustíveis da capital. A Tribuna foi conferir como anda a tabulação dos preços na prática, e também para conversar com o consumidor. Afinal, aqueles “centavinhos” fazem mesmo diferença no final das contas?
Sancionada em janeiro de 2016, a Lei Estadual 18.782 entrou em vigor provocando polêmica entre consumidores e postos. A norma proíbe o acréscimo do terceiro dígito nos preços para comercialização de combustíveis. No texto legal fica clara a forma com a qual os preços devem ser apresentados: “diretamente na bomba de abastecimento”. Quanto à divulgação, o norma determina: “local visível e com destaque”. A lei ainda submete os estabelecimentos que não cumprirem a determinação às sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), atribuindo a fiscalização ao Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-PR).
Não foi preciso ir muito longe para constatar que a norma está longe de ser cumprida. Nossa reportagem percorreu cinco bairros de Curitiba: Alto da XV, Tarumã, Hugo Lange, Bacacheri e Jardim Social. Dos dez postos de gasolina visitados, sete estavam em desacordo com a lei. Os gerentes não quiseram conversar, pois o assunto gera discussão. Na região do Bacacheri, o gerente de um posto, que não quis ser identificado, se declarou contrário ao que o regulamento estabelece: “Para nós é desfavorável porque quando a compra do combustível é feita, o valor repassado pela Petrobras vem com quatro dígitos, e nós somos obrigados a revender só com dois”, afirmou.
Briga judicial
Saindo dos bairros, a discussão do terceiro dígito já completa mais de um ano na esfera judicial, e de acordo com o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis do Paraná (Sindicombustíveis), caminha em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF). A primeira medida adotada pela entidade veio meses após a entrada em vigor da Lei Estadual 18.782/2016. Por entender que a norma era inconstitucional, o sindicato entrou com um mandado de segurança frente ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR).
A discussão principal girava em torno do “choque” entre a lei do Estado, e a resolução 41/2013 da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que obriga a utilização do terceiro dígito na exposição dos preços em postos de todo o Brasil. De acordo com o sindicato, o conflito entre normas teria gerado dúvidas em muitos proprietários de postos do Paraná: afinal, a inserção do terceiro dígito é ou não obrigatória? Por questões processuais, o mérito não chegou a ser julgado pelo TJ-PR. De acordo com o sindicato dos postos, um recurso deve ser encaminhado ainda esse ano ao STF, para que a questão seja decidida de uma vez por todas.
Sobra pro motorista!
Enquanto a discussão sobre a legalidade da lei estadual que proíbe o terceiro dígito deve seguir para Brasília, o motorista curitibano paga o preço – hora maior, hora menor – dependendo do posto onde abastece.
“É um absurdo. Se a lei diz que o valor deve se limitar aos dois dígitos de centavo, não há o que discutir. Como sempre, o consumidor é quem sai prejudicado”, afirma o representante comercial João Ricardo Guimarães, 38. Para quem usa o carro como principal instrumento de trabalho, a diferença no bolso é sentida de forma ainda mais óbvia. É o caso do taxista Nelson Machado Lucas, 58, que abastece o carro a cada dois dias. “Não adianta nem escolher o combustível mais barato. Esses ‘centavinhos’ cobrados a mais fazem um estrago no fim do mês. É um abuso”, reclama.
Liminares e multas
Responsável por fiscalizar os postos de combustíveis, o Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-PR) tem encaminhado notificações aos estabelecimentos em desacordo com a lei estadual. A partir da notificação, os estabelecimentos têm o prazo de dez dias para interpor recurso. A multa para os postos flagrados em situação irregular varia de R$ 700 a R$ 9 milhões.
O problema é que alguns têm autorização judicial para incluir o terceiro dígito na tabelação dos preços. Nestes casos, o órgão não pode interferir, conforme explica a vice-diretora do Departamento, Alane Borba. “Existem cerca 65 postos de gasolina em Curitiba que conseguiram liminares na Justiça para incluir este terceiro dígito de centavo no preço do combustível, aí o Procon não tem autorização para aplicar multa. Nos demais casos de irregularidade, os postos têm sido notificados e multados”, explica. De acordo com a vice-diretora, em torno de 70 postos já foram autuados no Estado.
Como denunciar?
As denúncias são recebidas semanalmente pelo departamento jurídico do Procon-PR. Para denunciar, o consumidor pode recorrer ao site: http://www.procon.pr.gov.br/; ao telefone 0800-41-1512 ou pessoalmente, na Rua Presidente Faria, 431 – Centro – das 9h às 17h.
Insegurança jurídica
Após a publicação da matéria, o Sindicombustíveis-PR entrou em contato com a Tribuna para ressaltar que os postos estão no meio de um quadro confuso causado por um conflito legal. “Os donos de postos também estão sendo prejudicados, ficando numa situação de total insegurança jurídica. Se por um lado o Procon tem fiscalizado e notificado os postos que utilizam as três casas depois da vírgula, aplicando a lei estadual, por outro a ANP (Agência Nacional de Petróleo) também continua notificando os postos que não seguem a regulamentação federal, segundo a qual é obrigatório utilizar os três dígitos (Resolução 41/2013 da ANP). Ou seja, num mercado que já sofre com a alta carga de impostos e escalada dos preços impostos pela Petrobras, temos no momento duas determinações legais conflitantes”, argumenta a entidade, em nota enviada à Tribuna.
O sindicato dos postos cita ainda que “dezenas de liminares assegurando o cumprimento da norma da ANP já foram conquistadas na Justiça”. “O que para a lei estadual é irregularidade, para a determinação federal é a norma exigida”, destaca.