Policiais fora de série

Carros de luxo para chegar às cenas de crime e realizar campanas durante a madrugada, testes de DNA com rapidez para identificar os suspeitos, tecnologia de ponta para confrontar digitais, grande equipe para realizar o trabalho e infraestrutura impecável. É assim que os fãs de séries como CSI, Dexter e Law & Order (Lei & Ordem) estão acostumados a ver o trabalho dos detetives em Las Vegas, Miami e Nova Iorque, grandes cidades dos Estados Unidos. Porém, a realidade da investigação criminal é bem diferente no Brasil.

Nas delegacias de Curitiba e região metropolitana, por exemplo, policiais civis relataram à Tribuna que têm realizado seu trabalho com carros populares com mais de dez anos de uso repletos de problemas mecânicos. Eles também contaram que precisam aguardar meses por resultados de perícias, trabalhar com número reduzido de munições e conviver com excesso de trabalho devido à falta de efetivo.

“A viatura descaracterizada que eu utilizo para buscar informações, realizar campanas e chegar às residências dos suspeitos é do ano 2002 e está sucateada. Para você ter ideia, a porta de trás nem abre mais e não adianta mandar para manutenção porque tem fila e o conserto demora três meses”, lamenta um investigador da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada que investiga todos os casos de assassinatos registrados na capital.

Investigadores usam carros populares com mais de dez anos e cheios de problemas mecânicos. Foto: Átila Alberti
Investigadores usam carros populares com mais de dez anos e cheios de problemas mecânicos. Foto: Átila Alberti

Renovação parcial

A situação é a mesma em diversas delegacias da Grande Curitiba, pois desde 2011 foram adquiridas somente 70 viaturas descaracterizadas para atender todo o Paraná. “Temos aproximadamente duas mil viaturas distribuídas em nossas unidades, então não foi possível atender todas. Porém, como já percebemos essa necessidade há muito tempo, fizemos licitação de 200 veículos que devem ser entregues nos próximos 30 dias”, prometeu o delegado-geral da Polícia Civil, Julio Cesar dos Reis, em entrevista exclusiva à Tribuna.

Segundo ele, as 200 viaturas novas serão distribuídas para unidades da capital e também do interior do Estado, mas ele admite que ainda não será suficiente para renovar toda a frota.

E os carros do tráfico?

A alternativa que tem sido utilizada por alguns órgãos de segurança pública é o uso de veículos apreendidos em casos de tráfico de drogas. “É comum o Judiciário autorizar o uso desses veículos pelos policiais até a decisão final, quando ele passa a ser incorporado definitivamente ao patrimônio público”, informa o delegado-geral.

Essa ação é chamada de “perdimento” e repercutiu em março deste ano, quando a Guarda Municipal de Araucária recebeu um veículo Crossox e um Volvo para transformar em viaturas. Porém, somente as unidades que apreendem carros usados no tráfico podem receber o benefício, o que faz com que a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), por exemplo, mantenha o pátio repleto de automóveis que não podem ser usados a serviço da população.

Delegado-geral admite defasagem da frota e promete comprar 200 novas viaturas. Foto: Átila Alberti
Delegado-geral admite defasagem da frota e promete comprar 200 novas viaturas. Foto: Átila Alberti

“Ali existem carros com chassi adulterado e outras situações diferentes de apreensão que não permitem solicitação de perdimento, então o carro fica se deteriorando e pode até acumular água e se tornar um problema para a saúde pública. O que tem sido feito para evitar isso é o leilão desses veículos e também a relocação para um pátio específico na região metropolitana”, explica o delegado-geral.

Além de ser uma solução restrita a poucas delegacias, o processo que solicita o uso desses automóveis pela polícia também é demorado. “Nós conseguimos apreender um Astra que transportava drogas e solicitamos o perdimento para ajudar na nossa frota. Só que já estamos aguardando há oito meses porque o juiz defere e a defesa recorre. Enfim, o veículo continua parado”, pontua um investigador da Delegacia de Colombo.

Tudo que é encontrado no local de crime contribui para o sucesso da investigação. Foto: Átila Alberti
Tudo que é encontrado no local de crime contribui para o sucesso da investigação. Foto: Átila Alberti

Tecnologia restrita

Segundo policiais civis ouvidos pela Tribuna, outro fator que diferencia a realidade brasileira dos seriados norte-americanos é a tecnologia usada. “Em todos os episódios nós vemos a facilidade que a equipe tem para acessar sistemas de dados, cruzar informações e ainda manter contato com a perícia, que integra o mesmo departamento que os detetives nos Estados Unidos. Só que no Brasil estamos muitos atrasados nesse sentido e nossas principais provas são testemunhais”, compara um investigador de Colombo.

O pesquisador criminal Luiz Renato Blanchet, da DHPP e professor na Escola Superior de Polícia Civil, confirma: “Precisamos coletar o maior número de testemunhas e colocar em prática técnicas de interrogatório para chegar aos suspeitos”, comenta o policial, autor do “Manual prático de Investigação de Homicídios”.

Além disso, ele garante que tudo que é encontrado na cena do crime contribui para o sucesso da investigação. “Isolamos o local e sempre solicitamos para que ninguém caminhe pelo espaço ou coloque panos em cima da vítima, pois isso pode destruir provas. Tentamos encontrar o projétil da arma, fechaduras quebradas, rastros de sangue, sêmen, digitais, e tudo é enviado para perícia”.

Outro investigador, que preferiu não se identificar, conta que o resultado desses exames demora de 15 dias a 3 meses para ser divulgado. Assim, alguns casos acabam solucionados sem eles. “Nós conversamos com o perito criminal no local dos fatos e depois seguimos nosso trabalho procurando imagens de câmeras de segurança, solicitando escutas telefônicas, acompanhando as redes sociais dos suspeitos e ouvindo testemunhas. Afinal, não podemos esperar”, ressalta o policial.

A Secretaria Estadual da Segurança Pública (Sesp) informa que o prazo normal para laudos do Instituto de Criminalística é de 15 a 30 dias.  O delegado-geral enfatiza que os recursos periciais estão à disposição de todos os distritos policiais e delegacias especializadas que precisam. “O Instituto de Criminalística e também o Instituto de Identificação, que realiza os confrontos de digitais, atendem policiais de qualquer delegacia”, garante.

Investigadores reclamam que faltam munições para treinamentos. Foto: Lineu Filho
Investigadores reclamam que faltam munições para treinamentos. Foto: Lineu Filho

Falta treino e tempo

Outra situação que dificulta o trabalho dos policiais é a falta de projéteis para as pistolas. “Nós só temos 25 munições por ano, então não conseguimos treinar, a não ser que gastemos do nosso bolso para isso. Eu cheguei a ficar seis meses sem utilizar minha pistola e ela travou por falta de uso quando precisei dela”, conta um policial do 5º Distrito Policial, no Bacacheri.

O delegado-geral afirma desconhecer essa “cota de munições e afirma que o policial sempre será ressarcido ao comprovar seu uso. “Já na questão dos treinamentos, eles são vinculados à Escola de Polícia, onde existe munição remanufaturada específica para essa finalidade. Então, os policiais precisam entrar em contato com o delegado divisional responsável e marcar o treino. Nós até incentivamos que façam isso”, rebate.

Conforme os investigadores, também faltam armas não-letais para uso nas campanas e abordagens. Reis confirma a informação e adianta que esses equipamentos nem serão comprados. “Nossos policiais civis atuam em situações diferentes de manifestações de rua ou jogos de futebol, então não temos previsão de adquirir armas assim”, frisa o delegado, que aproveita para citar investimentos recentes em coletes balísticos e 160 pistolas Glock, consideradas as melhores do mundo. “Já compramos para os grupos especiais e a tendência é ampliar para todas as unidades”, promete.

Enquanto aguardam a chegada dessas armas e torcem para que tenham mais recursos que facilitem seu trabalho, os policiais lidam com a mais forte semelhança entre realidade e ficção: o trabalho excessivo. “Sempre vemos nas séries que os policiais passam noites em campana, ficam longe dos filhos e enfrentam conflitos familiares por conta dessa ausência. Eu já saí da ceia de Natal porque aconteceu uma chacina e tive que iniciar a investigação no local do crime. Acabei com a festa em casa, mas localizei e prendi os autores. É uma escolha que precisamos fazer todos os dias para alcançar resultados em nossa função”, exemplifica um investigador.

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