“Padrinho” da Vila Torres, Padre Parron não se abalou pela covid-19 e seguiu ajudando os mais pobres

Um homem de 61 anos que, com sua força de vontade, mobilizou a comunidade e conquistou uma grande equipe de voluntários para fazer o bem. Assim podemos definir o padre Joaquim Parron que, neste período de pandemia do novo coronavírus, mostrou a importância de seguir um dos principais ensinamentos de Jesus: “amar o próximo como a ti mesmo”.

Nascido em São Paulo, padre Parron, como é conhecido na Vila Torres, em Curitiba, chegou à capital paranaense quando ainda faltava um tempo para se tonar oficialmente padre. “Atuava no Xaxim, fui morar bem numa favela grande, e nos meus últimos quatro anos de formação morei na periferia de Curitiba. Comecei a buscar ajudar as pessoas, buscando alimentação adequada, montamos uma feira comunitária, meu trabalho sempre foi nessa área”.

Antes de se estabilizar na Vila Torres, ainda que temporariamente, pois os padres nunca criam raízes numa comunidade só, Parron atuou por cinco anos no Pantanal também com um trabalho social e pastoral. “Depois, consegui uma bolsa e fiz mestrado nos Estados Unidos. Voltando ao Brasil passei por Diadema (São Paulo), fiquei alguns anos em Paranaguá, onde também fiz um trabalho social muito grande, até que vim para a Vila Torres, onde criamos o projeto SOS Vila Torres”.

Lado social sempre foi sua missão

Padre Parron contou à Tribuna do Paraná que iria cursar a faculdade de engenharia civil, mas, aos 17 anos, entendeu seu chamado e percebeu que sua vida tinha que ser dedicada a Deus e às pessoas. “Decidi entrar para a congregação redentorista. Me atraiu porque a congregação ajudava muito os pobres. Sempre foi feito um trabalho social muito grande e isso me motivou”.

Embora o chamado de Jesus tenha sido muito forte para Parron, ele sempre teve também o sonho de ajudar as pessoas. “Quando estava com 23 anos, perto de me tornar padre, eu me questionei se eu seria útil às pessoas. Tenho familiares advogados, engenheiros, médicos, mas eu queria mesmo era ajudar os pobres. Fiz essa pergunta a mim mesmo e entendi que como padre eu poderia organizar as pessoas para buscar ajuda, entendi que era o meu lema de vida, realmente me encontrei”.

Foto: Divulgação.

Reforço em meio à pandemia

No momento em que a orientação era “fique em casa”, padre Parron encontrou uma forma de sair e ajudar a quem precisa. Isso porque ao longo de seu tempo na Vila Torres ele percebeu quais eram as dificuldades e sabia que as pessoas teriam um momento muito crítico pela frente. “Ao invés de nos fecharmos em casa, nos unimos a médicos que nos orientaram para fazermos da forma mais correta. Fomos atrás de entender qual era a necessidade das pessoas, o que podíamos fazer, ainda que sempre mantendo todos os cuidados necessários para que até mesmo nós não pegássemos o vírus”.

Ao longo de 2020, Parron e seus mais de 50 voluntários ajudaram muita gente. “Já tínhamos um trabalho social na Vila Torres antes da pandemia, sabíamos, por exemplo, que 70% da população dali vive da coleta de recicláveis, mas quando veio a pandemia, vimos que as pessoas não teriam mais onde coletar os materiais recicláveis, voltavam para a casa com seus carrinhos vazios, e começaram a bater em nossas portas. Resolvemos alargar o projeto e, na sequência, a própria imprensa começou a divulgar e nos ajudar”.

Além de orientar, Parron também entregou suprimentos para fazer com que as pessoas se protegessem: foram doadas mais de 16 mil máscaras e frascos de álcool gel. Ao todo, no momento mais crítico da pandemia, no meio do ano passado, foram mais de 2 mil famílias ajudadas com cestas básicas. Hoje, ainda são 1200.

“Ao longo dos meses, as pessoas foram conseguindo emprego e nos avisavam para que retirassem da lista, mas ainda assim temos muitas famílias cadastradas, que ainda recebem estas cestas básicas”.

As doações foram tantas que além da ação social na Vila Torres, a ação social mobilizada pelo padre Parron foi para outros bairros. “Fomos para a periferia do Uberaba, do Boqueirão, do Caximba”.

Foto: Arquivo Pessoal.

Indo além das cestas básicas

Padre Parron conta que, ao perceber e as pessoas estavam começando a ser supridas, resolveu levar o projeto para além de simplesmente “dar o peixe”, mas também “ensinar a pescar”. “Nosso objetivo agora é desdobrar no sentido de conscientizar as pessoas sobre a cidadania, não só dar a cesta básica, mas ajudar de outras formas para que consigam se estruturar de alguma forma”.

Para ajudar ainda mais a comunidade, Parron começou a criar formas de juntar o social com o estrutural. “O que nos queremos é ajudar as pessoas a saírem do fundo poço, por isso agora quero trabalhar também com a geração de renda para quem precisa”.

No fim de 2020, já foram feitos alguns cursos, como o de diarista para quem quis aprender um pouco mais sobre a profissão e buscar uma nova chance de entrar para o mercado de trabalho. “Mas vamos além, neste ano temos muitos planos, que se Deus quiser ainda colocaremos em prática”.

O move Parron é o lema de Jesus, que diz “dai comida a aquele que passa fome”. “Curitiba passa fome sim, por isso lançamos o projeto em parceria com muita gente do bem, que cresceu e se tornou também um projeto em cinco áreas: da marmita, da cesta básica, do material de higiene, ajudamos as pessoas a conseguirem o auxilio emergencial e por fim começamos a atuar na geração de renda”.

Padre continuou rezando as missas, mas ampliou seu lado social na pandemia. Foto: Arquivo Pessoal.

Influenciador da vida real

Sem se importar se ajudava católicos ou evangélicos, Parron se tornou um grande influenciador da vida real. Através de seu carisma e força de vontade, consegue juntar as pessoas de diferentes realidades sociais e formar um só grupo. ”Nós não temos recursos, mas conseguimos mobilizar as pessoas para ajudar e criarmos estes recursos. E essa força mexeu com Curitiba. Se calcular em dinheiro, todas as cestas que conseguimos chegariam a mais de R$ 500 mil, isso é tudo fruto da mobilização das pessoas, da sociedade. A ideia de mobilização é muito importante”.

Parron disse que nunca teve a ideia da proporção que sua força de vontade poderia tomar, mas se surpreende ao perceber que não só conseguiu ajudar, como também juntar as pessoas. “A solidariedade tem que voltar a ser moda entre nós. Fazer o bem para os outros ajuda as pessoas a se libertarem da depressão, de doenças mentais, angústias. Se a pessoa faz o bem, ela está ajudando a si mesma. A pessoa se torna mais feliz. Vivemos num mundo de isolamento e muito forte o individualismo, meu chamado vem muito nessa linha de coletivo, de somar, de integrar, sem viés partidário”.

A política, inclusive, tentou embarcar na visibilidade que teve o projeto do padre Parron, mas foi em vão. “Não permitimos, principalmente para não contaminar. Vivemos num país com uma situação política muito difícil, mas não entramos nesse meandro para evitar qualquer problema”.  

Parron deixa o legado de que “é possível fazer um mundo novo, especialmente agora quando experimentamos, na pandemia, muitas vidas sendo ceifadas, muitas pessoas perdendo a direção”. Para o padre, este é justamente o momento de darmos as mãos, ainda que à distância. “Não importa credo e ideologia, temos que edificar um mundo novo, onde todos tenham espaço. Deixe a solidariedade contagiar a sua vida. Um sorriso que você dá, você pode transformar a vida da pessoa que está triste. Você estende a mão e pode ajudar a pessoa a caminhar e ter vida digna”.

Agente Luiza de Araújo (esquerda) trabalha na comunidade há 20 anos. Ana Paula Ferreira (direita) é voluntária e acabou precisando de ajuda ao perder o emprego. Fotos: Átila Alberti/Tribuna do Paraná.

Pra fazer o bem!

A irmã Claudia Molin, freira que atua com padre Parron há pelo menos dois anos na Vila Torres, disse se emocionar ao perceber tudo que ele conquistou. “Sinto que nós criamos uma rede e essa rede tem uma força muito grande. Não se torna mais só o meu trabalho, o do padre, mas sim uma equipe. São muitas pessoas que, juntas, fazem a diferença. Nossa equipe luta, mas nada seria sem esse nosso coordenador, que é o Parron. Consegui sentir um pouco do que é o amor de Deus e o amor ao próximo”.
A agente de saúde Luzia de Araújo, que trabalha na comunidade há mais de 20 anos, se tornou voluntária e trouxe consigo até o seu filho de 16 anos. “Por andar pela comunidade, a gente conhece a dificuldade das pessoas e nesse momento o trabalho do padre, de mobilizar, ajudar e dar esperança para a comunidade, tem sido incrível”.

Luzia considerou e Parron não só ajudou a matar a fome das pessoas, como também alimentou a comunidade de esperança. “Nesse momento de pandemia, que seria só tristeza, nós nos sentimos acolhidos, confortados. O que seria um momento ruim, se tornou um tempo de muito aprendizado e esperança. Ele foi uma luz no fim do túnel, foi além da religião, olhou para a gente”.  

Entre os voluntários, há até mesmo aqueles que passaram a ajudar e acabaram também precisando de ajuda. É o caso de Ana Paula Ferreira que, desempregada, se viu num dos piores momentos de sua vida, mas encontrou em Parron a esperança. “Nunca fui rica, mas tinha uma situação estável e vi tudo desmoronar. Pegava minhas cestas básicas e sobrevivi desta ajuda nesse período. Passei a ter ainda mais empatia pelas pessoas”.

Irmã Claudia Molin, freira que atua com padre Parron há pelo menos dois anos na Vila Torres, se emociona ao lembrar de tudo que foi conquistado. Foto: Átila Alberti.

Para Ana Paula, o trabalho social de Parron foi essencial para a sobrevivência do pessoal da Vila Torres. “A ação do padre abrangeu a todos, em todos os níveis de necessidade. Curitiba abraçou esse projeto e foi muito emocionante ver. As pessoas não tiveram medo de vir e entregar suas doações, mesmo sabendo que estavam numa comunidade, isso que é influenciar a sociedade”.

Parron disse à Tribuna que nunca teve ideia da proporção que sua força de vontade poderia tomar. Foto: Divulgação.
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