Pare tudo. Leia o seguinte refrão: “e nessa loucura, de dizer que não te quero, vou negando as aparências, disfarçando as evidências, mas pra quê viver fingindo se eu não posso enganar meu coração?”. Agora fale a verdade. Mesmo sem ouvir a música, ela “tocou na sua cabeça”, certo? Sucesso dos anos 90, a sertaneja “Evidências” – da dupla Chitãozinho e Xororó – é considerada um dos modilhos brasileiros mais grudentos dos últimos 20 anos. Assim como essa, outras músicas chiclete também conhecidas como “vermes de ouvido” tem enorme potencial de grudarem nas nossas mentes e se repetirem durante todo o dia. Ou no dia seguinte. E no próximo também. Mas por que isso acontece?
Ouça o nosso Podcast sobre o tema “Música Chiclete” (continue a ler a matéria logo abaixo).
Há anos, cientistas de todo o mundo buscam uma explicação para o fenômeno das músicas grudentas e por que cerca de 90% das pessoas se pegam, pelo menos uma vez por semana, cantarolando refrões infames ou não. Mesmo sem explicação científica comprovada, a Tribuna do Paraná pesquisou sobre o assunto para tentar esclarecer, em partes, o que exatamente acontece na nossa cabeça quando ouvimos essas canções e porque é tão difícil parar de cantá-las repetidamente, quase a ponto de irritar quem está por perto.
- Como vocês perceberam hoje estreamos um novo produto da Tribuna do Paraná: o podcast. Trata-se de um programa semanal gravado pelos integrantes da Tribuna debatendo em áudio os mais variados temas relevantes ao público curitibano. Fiquem ligados que toda semana, sempre às segundas-feiras, um novo podcast será publicado no nosso site. Você pode ouvir online ou baixar para escutar quando quiser.
Numa rápida enquete pela redação do jornal, sucessos populares como “Xibom Bombom” (As Meninas), “Rebolation” (Parangolé), “Despacito” (Luis Fonsi) e “Dança da Manivela” (Asa de Águia) foram os primeiros a serem lembrados como os mais pegajosos. Já no cenário internacional os 20 hits mais grudentos de todos os tempos incluem sucessos como “Mambo N° 5” (Lou Bega), “Poker Face” (Lady Gaga), “Beat It” (Micheal Jackson) e “Wannabe” (Spice Girls) – que ocupa a primeira posição do ranking levantado por cientistas britânicos do Museum of Science and Industry, em 2014.
Pop 80 e 90
O assunto despertou tanta curiosidade que, para realizar a apuração, os pesquisadores fizeram um questionário online com 604 pessoas que, por meio de um aplicativo chamado “Hooked on Music” que traduzido para o português soaria como “fisgado na música” tiveram que reconhecer, o mais rápido possível, as músicas tocadas e escolher quais os trechos mais grudentos numa lista de 1.000 canções lançadas desde a década de 40. Segundo o estudo, o estilo musical mais lembrado foi o pop dos anos 90 e 80.
Ih! Grudou!
De acordo com o maestro e convidado da Orquestra Sinfônica do Paraná, Roberto Tibiriçá, não são só as músicas contemporâneas que grudam. A “fórmula” já é antiga e o fenômeno também pode ser observado em composições clássicas como “As Quatro Estações”, de Antonio Vivaldi e Pour Elise, de Ludwig Van Beethoven, consagradas também no universo comercial justamente pelo fato de “ficarem na memória”.
“Músicas com notas curtas costumam ser mais fáceis de assimilar. Normalmente composições que fazem parte de temas, ou trechos curtos, mais marcantes e com acordes repetitivos, tendem a ficar gravados na mente. É claro que quanto mais o ouvido for exposto à música, mais ela vai ficar marcada”, explica. Outro fator que influencia diretamente o “potencial de grude” é o “elemento surpresa” ou seja letras que fogem às expectativas do ouvinte.
Sabendo desse potencial, a indústria publicitária que não é boba nem nada descobriu nos jingles rápidos uma forma eficaz de fixação de marca. Quem não se lembra dos “pôneis malditos”? Ou “pipoca e guaraná”? Ou ainda do clássico “dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial”? Ouvindo bem, todos eles obedecem os requisitos: curto, simples e repetitivo.
Na prática, não existe comprovação científica que explique o que realmente acontece na cabeça quando somos expostos a uma música chiclete. De acordo com a psicóloga e especialista em neuropsicologia, Elvani de Lucia,o “fator grude” está muito mais ligado a quem ouve do que à canção em si. “As músicas tendem a mexer com uma parte do cérebro chamada córtex auditivo, que, além de estar diretamente atrelado às emoções, também é responsável pela impressão de ainda se estar ouvindo a melodia mesmo depois que ela parou de tocar. Quando a canção mexe com o emocional de quem ouve, as chances de ficar na cabeça são muito maiores”, explica.
Pra desgrudar? Como faz?
Segundo a especialista a missão é quase impossível, tendo em vista que uma vez fixada, a música praticamente “se aloja” no cérebro. Tudo por culpa do chamado “sistema límbico” responsável pelo processamento da sensação de prazer. “É muito difícil alguém se livrar de uma música chiclete sem encontrar algum outro pensamento que concorra com ela. A dica é buscar se distrair com pensamentos ou atividades prazerosas que desviem a atenção daquilo mas infelizmente isso é trabalhoso e leva tempo. Na maioria dos casos, você até ‘esquece’ a música depois de um tempo mas, é só ouvir de novo que o chiclete volta”, diz.
Para quem já tentou de tudo, o jeito é se conformar e se não dá pra “desescutar”, há quem recomende substituir uma música chiclete por outra, pior ainda. Saída que pode parecer drástica, mas que, pelo jeito, é a única.