Desde que o aplicativo Uber passou a funcionar em Curitiba, em março de 2016, ao menos 643 multas foram emitidas. Foram abordados 1.508 veículos em 206 ações de fiscalização, segundo a prefeitura. As autuações são emitidas com base no Artigo 231, Inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A lei trata da proibição de transporte remunerado de pessoas, quando não há autorização do poder público.
Os motoristas do aplicativo, por sua vez, convivem com medo. Quando o receio não é de confronto com taxistas, é de multa. Demitido há três meses da multinacional que trabalhava e deficiente auditivo, um motorista da plataforma, que prefere não se identificar, diz que optou pelo serviço quando não encontrou outro emprego. “Consigo me comunicar bem com os passageiros e esse se tornou o meu sustento. Infelizmente, já fui multado uma vez em R$ 85,13, mas a gente continua”, relata.
Em novembro, a multa subiu para R$ 130,16 e, assim como antes do reajuste, contabiliza quatro pontos na Carteira de Habilitação, sendo considerada uma infração média.
A Secretaria Municipal de Trânsito (Setran) confirma que a maioria dos motoristas de Uber contesta a autuação e, devido ao prazo legal para recurso, não soube dizer se algum deles já chegou a pagar o valor.
Felipe Pereira, que trabalha com a Uber desde que o aplicativo chegou à capital paranaense, é também produtor de eventos. Ele atua como motorista nas horas vagas e garante um extra semanalmente. Contudo, age sempre atento. Já foi abordado por taxistas que chegaram a colocar o carro na frente, para evitar que ele pudesse sair. Apesar do bate-boca, não houve confronto. Em outras vezes, passou por blitze na cidade. “Expliquei para o passageiro a minha situação e pedi para que ele confirmasse que era meu amigo – assim, não haveria como provar que eu estava trabalhando”, conta.
Lei confusa
Para o professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo, Fernando Borges Mânica, enquanto a União não se manifestar e estabelecer regras para o funcionamento de plataformas online, como é a Uber, a situação vai possibilitar questionamentos de ambos os lados. “Enquanto a prefeitura age amparada pelo Código de Trânsito Brasileiro, a empresa diz que atua com base na Política Nacional de Mobilidade Urbana, e nenhum dos dois lados falta com a verdade”, explica.
O especialista opina que “a Uber é uma inovação tecnológica e que, como em vários setores da economia, tem trazido discussões sobre como o direito deve regular esse assunto. São novas realidades criadas em decorrência da tecnologia, e que não possuem disciplina jurídica própria”.
Uber critica repreensão
Por meio de nota, a empresa diz que não concorda com as autuações e apreensões de veículos porque o serviço prestado “não só encontra respaldo na legislação federal, mas ainda na própria Constituição Federal. Reforçamos que nossos parceiros precisam ter os seus direitos constitucionais de trabalhar (exercício da livre iniciativa e liberdade do exercício profissional) preservados”. A Uber alega ainda considerar inaceitável o uso de violência e esperar que motoristas parceiros do aplicativo ajam de acordo com a lei e termos de uso, sendo que em caso de descumprimento podem ser desligados da empresa.
Regulamentação não anda
Parado na Câmara Municipal desde junho, o projeto que regulamenta o funcionamento do aplicativo aguarda um parecer da Urbs. Por decisão da Comissão de Serviço Público, um ofício foi enviado à empresa que gerencia o transporte público na cidade com alguns questionamentos sobre a fiscalização e a atuação relacionada ao serviço. Apesar disso, até agora, cinco meses depois, nenhuma resposta foi dada.
O presidente da comissão, vereador Serginho do Posto (PSDB) diz não ser normal a demora, mas entende que o período eleitoral pode ter atrapalhado. “Geralmente nos respondem em trinta dias, não sei o que houve. Mas, mesmo que não haja um posicionamento, vamos votar pela continuidade do trâmite na próxima semana”. Depois disso, a proposta ainda será analisada por outra comissão antes de poder seguir para votação. “Temos menos de 40 dias para o término da atual legislatura, é pouco tempo para que um assunto como esse seja devidamente debatido e votado”, relata.
Procurada pela Tribuna, a Urbs alegou que está “finalizando os procedimentos e que deve enviar o documento à Câmara nos próximos dias”, mas sem especificar data para isso. A proposta em trâmite, assinada por 17 dos 38 vereadores, estabelece regras e impõe taxas municipais para o funcionamento de aplicativos como o Uber em Curitiba.