Na rotina dominada por homens, Daiane Zanon, 40, já nada – ou melhor – voa de braçada. Há dez anos atuando como investigadora na Polícia Civil do Paraná (PCPR), a agente assumiu no mês de maio, o posto de copiloto no Grupamento de Operações Aéreas (GOA) da PCPR, situado no bairro Bacacheri, em Curitiba. Única mulher a assumir o cargo na organização, Zanon é a representação da tímida presença feminina num mercado composto, na sua maioria esmagadora, pelos homens. Em conversa com a Tribuna, a copiloto contou um pouco de sua história, chamando a atenção para a importância da abertura de espaço para as mulheres na aviação nacional.
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A diferença é extravagante. Segundo dados apurados e divulgados no mês de março pela empresa EasyJet, de todos os pilotos de avião em atividade, em todo o mundo, apenas 6% são mulheres. No Brasil, o último levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), publicado em 2017, mostrou que – no país – apenas 41 mulheres atuavam como pilotos comerciais. Número irrisório, comparado aos quase 5 mil pilotos do sexo masculino registrados no mesmo setor naquele ano. Desde então, centímetro a centímetro, a presença feminina vem crescendo no espaço aéreo brasileiro. Motivo de orgulho para quem vê de fora, e de responsabilidade para quem vê de dentro.
Assim descreve a investigadora da Polícial Civil do Paraná, Daiane Zanon, quando perguntada sobre como enxerga seu novo cargo. À frente da copilotagem do Grupamento de Operações Aéreas (GOA), Daiane, junto com outros dois agentes da organização, passou pelo curso para formação de pilotos comerciais no início deste ano, tornando-se uma das únicas integrantes da organização capacitadas a empregar o avião bimotor – utilizado nas missões da polícia judiciária. Mais que grande conquista, a ascensão ao cargo, segundo Daiane, é sonho realizado. “A aviação era meu sonho de infância. Desde bem pequena meu maior desejo era estar pelos ares. Só que ao contrário do glamour das ‘aeromoças’ eu me enxergava pilotando os aviões”, conta.
Foram anos de preparo que, a princípio, quase “morreram na praia”. Formada em ciências aeronáuticas, Daiane teve de abrir mão da pilotagem logo após a graduação. “Quando me formei eu tinha toda a força de vontade necessária para decolar. Literalmente. Só que quando entrei no mercado, percebi que a profissão exigia altíssimos investimentos e que o resultado vinha a longo prazo. Sem ter como arcar com os custos deste início de carreira, acabei engavetando este sonho e comecei a estudar para concurso público”, relembra.
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Ainda assim, enquanto conciliava os estudos da graduação aos do concurso – Daiane tirou do próprio bolso os recursos para o aprimoramento necessário à atuação como piloto. Fez curso teórico, prova teórica, obteve o certificado médico aeronáutico e realizou a prova da ANAC, que chancela os aspirantes ao exercício da profissão. Até aí, a então estudante, acumulava dezenas de horas de voo prático.
“Nessa etapa tive contato ainda mais aprofundado com a realidade da profissão e pude concluir que, sim, ainda é um segmento extremamente masculino”, revela. Para concluir os estudos, legitimar suas primeiras horas de voo e se formar piloto, Daiane optou por ignorar piadinhas e comentários indecorosos. Sobre o machismo no mercado da aviação, porém, ela não passa pano. “Tem machismo sim, como todo o segmento do mercado de predominância masculina ou não. Eu mesma já ouvi a piadinha sem graça do: ‘mulher só serve pra pilotar fogão’. Mas nunca dei bola pra esse tipo de coisa e sempre me posicionei pra que não me rebaixassem”, afirma.
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Em 2010 então, Daiane dava mais um grande passo – mesmo que não soubesse – em direção à sua vocação. Aprovada no concurso da Polícia Civil, dentro de dois anos, ela seria nomeada investigadora da PCPR. Convidada a integrar o setor administrativo do GOA, em 2020, a investigadora já sabia que, cedo ou tarde, alçaria voos ainda mais altos. “Atuar na Polícia Civil é minha paixão. Quando eu soube que a própria organização viabilizaria o curso de pilotagem comercial, eu quase não coube em mim de tanta alegria. Era meu sonho que virava realidade. Finalmente!”, conta.
Ao lado de outros dois investigadores, os policiais, Jaime Pacífico Urdiales e Santos Dumont de Menezes Júnior, Daiane completou o curso para condução de aviões multimotores, em Santa Catarina. “A formação foi feita pela escola Voe Floripa entre janeiro e abril deste ano. A PCPR custeou todo o curso e ao todo, nós cumprimos 120 horas de aulas práticas em aviões, além da instrução em simuladores de voos de aeronoves multimotoras, por instrumento”, conta.
Para a copiloto, o momento mais emocionante da escalada até o atual posto, foi a prova prática, na qual o aluno realiza o primeiro voo solo. “É você e a aeronave. Absolutamente tudo depende de você nessa hora. A conclusão do primeiro voo solo é marcante para todo o piloto. Pra mim não foi diferente”, revela.
Desafios
Sobre os desafios de atuar num mercado cuja representação masculina é de 96%, a policial pondera: se você é mulher, planeje-se. Isso porque, segundo ela, as exigências da profissão demandam dedicação integral o que, para muitas profissionais que sonham em ser mães, pode representar fator de ‘concorrência’.
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“Quando me perguntam sobre os obstáculos da profissão – além é claro do alto investimento financeiro – minha resposta é sempre esta: ser mãe e dedicar-se à profissão pode ser mais desafiador quando em comparação às mulheres que não têm filhos. Porém, se essa é sua vocação e seu sonho é ser piloto, não desista! É preciso estimular cada vez mais as mulheres a ingressarem na aviação. Temos que trabalhar para quebrar esse paradigma que diz que este mercado é dos homens e para os homens”, ressalta.
Para quem está no começo da jornada, Daiane recomenda: “primeiro precisa querer muito. E, então, se dedicar. Ficar longe de casa, da família e mudar-se de cidade também não pode ser problema. Mas no fim, estar acima das nuvens faz tudo valer a pena. O céu lá de cima, também merece o olhar das mulheres”, finaliza.