Morreu! E agora?

Imagem ilustrativa. Foto: Felipe Rosa

Quando precisa falar com os irmãos, Tiago Valentim Horvat, 34 anos, já sabe que vai precisar acionar o advogado. Sem contato com os parentes há 7 anos, o analista de informática vive na pele um drama familiar que muita gente conhece: a briga por herança.

O problema, que está longe de ser exclusividade de celebridades “cheias da grana”, faz com que muitas famílias rompam relações, deixando de lado vínculo, história e respeito na hora de partilhar os bens do falecido. Para esclarecer um pouco melhor o tema polêmico, a Tribuna conversou com a advogada e professora de direito das sucessões da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Fernanda Pinheiro, que tirou algumas das principais dúvidas a respeito do assunto.

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Parece coisa de novela mas não é. Desde a morte do pai, em 2011, as brigas entre Tiago e seus irmãos foram tão sérias que chegaram a extremos. “Eu estava responsável pelo inventário e meu irmão começou a achar que eu estava pegando dinheiro. No dia que ele me ameaçou de morte percebi que aquilo tinha passado dos limites. A questão da herança até foi resolvida mas o relacionamento não existe mais. Hoje só nos falamos por meio de advogado”, afirmou.

Direitos

Garantido pela Constituição Federal, o direito à herança está previsto no artigo 5º, inciso XXX da legislação e, tudo seria muito simples, caso não fossem os inúmeros problemas que surgem a partir do momento em que os herdeiros, ou quem ficou de fora do legado, recorrem à justiça para garantir o seu quinhão. É nesse momento que o patrimônio da família vira um verdadeiro campo de batalha e muitas relações acabam se rompendo. O problema, infelizmente, é mais comum do que se imagina.

Foto: Arquivo
Foto: Arquivo

1 – Morreu! E agora?

A primeira coisa a ser feita é descobrir se o falecido deixou ou não um testamento. Já que nem sempre a pessoa que falece deixa por escrito a forma como gostaria que os bens fossem repartidos, os herdeiros devem abrir um inventário (conforme determina a Lei 11.441 do Código de Processo Civil), que é um levantamento de todos os bens, direitos e dívidas deixadas pelo ente que se foi. O conjunto desses itens se chama “espólio”. Então, a partilha pode ser feita. “O ideal é sempre se faça inventário. Lembrando que o prazo para solicitá-lo é de até 60 dias depois da morte”, explica. A partir daí, a divisão da herança poderá ser feita e a porcentagem de cada pessoa beneficiada estabelecida.

2 – Quem paga eventuais dívidas?

“Credores recebem antes dos herdeiros”, enfatiza Fernanda. “Aberto o inventário, lá estarão acusadas também as dívidas do falecido. Só depois que esses débitos foram pagos é que se pode falar em herança líquida, ou seja, em distribuir dinheiro e patrimônio para quem ficou”, explica.

Caso a família não arque com as dívidas do funeral, esse valor também deverá ser descontado dos bens. Caso os recursos deixados pelo próprio falecido não sejam suficientes para pagar suas dívidas, a obrigação de pagá-las não se transfere aos herdeiros, ou seja, quem herda não responde com seus próprios bens por dívidas deixadas pela pessoa falecida.

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3 – Sem testamento?

Se uma pessoa morre sem deixar testamento, seu patrimônio é dividido entre os herdeiros de acordo com a ordem sucessória determinada pelo Código Civil. No vocabulário jurídico, este grupo é chamado de “herdeiros necessários”. Os primeiros nesta ordem serão sempre os descendentes (filhos, netos e bisnetos) em concorrência com o cônjuge (esposa ou marido) do (a) falecido (a), ou seja, assim como os filhos, marido e esposa têm o mesmo direito na partilha.

Quando não há descendentes, os próximos da fila serão os ascendentes (pais ou, na ausência destes, avós e bisavós), em concorrência também com o cônjuge. Na ausência de descendentes ou ascendentes, a totalidade dos bens cabe somente ao cônjuge. Caso o falecido não tenha cônjuge a herança passará aos parentes colaterais (irmãos, sobrinhos, tios e primos até o quarto grau), nesta ordem. Caso o autor da herança queira beneficiar algum parente que não faça parte do grupo de herdeiros necessários, isso deve ser feito por meio de testamento.

4 – Filhos de relações extraconjugais

“Não existe nenhuma diferença entre filhos. Não importa se são frutos de casamento, união estável ou relações extraconjugais. Todos possuem o mesmo direito. Mesmo nos casos em que se descobre a existência de ‘novos’ filhos após a morte. Situações em que é necessário entrar com um processo de investigação de paternidade”, enfatiza. Enteados não têm direito à herança.

5 – “Amigados”

“Quem vive em união estável, ou seja, “companheiros” têm os mesmos direitos que marido ou mulher ‘casados no papel’ para fins hereditários”.

6 – Divórcio

“Quando o casal se divorcia (no papel), um cônjuge perde o direito hereditário sobre os bens do outro”.

7 – Documentos não oficiais servem como testamento?

“Não. Para fins de herança só vale testamento (particular ou público). Cartas ou outros documentos só valem para pertences pessoais de pequeno valor como uma roupa ou um anel de família”.

8 – Animal de estimação

“A legislação brasileira não permite que animais se beneficiem de herança. É possível, no entanto, beneficiar o animal de maneira indireta. Ex.: estabeleço o pagamento de um valor mensal para que um tutor tome conta de meu animal de estimação”.

9 – Uniões homoafetivas

“A legislação encara a união homoafetiva como união estável, ou seja, consideram-se companheiros para fins de herança, tendo os mesmo direitos de cônjuges. Lembrando que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prevê a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo nos cartórios de todo o Brasil”.

10 – Fora da família

“Se você tem herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) você só pode deixar metade para quem não for da sua família. Agora, nos casos onde os únicos parentes que restaram são de linha colateral (irmãos, tios, sobrinhos), é possível deixar todos os bens para alguém com a qual você não tenha nenhum parentesco”.

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