Para produzir essa reportagem a Tribuna pediu licença e entrou na casa da professora curitibana Nicole Lima, 39. Moradora do bairro Juvevê e mãe de dois filhos, Nicole compartilha a guarda de ambos – cada uma com o respectivo pai. Para registrar um pouco do dia a dia da família e entender melhor como funciona cuidar de crianças, filhas de pais separados, fomos atrás das perguntas que muitos casais em processo de divórcio podem estar se fazendo quando o assunto é a guarda compartilhada dos filhos. Como funciona? Como conciliar rotinas diferentes, em casas diferentes? Guarda ou visita? E a pensão? Qual a melhor saída quando os pais não se entendem?

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Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Brigas, discussões, desentendimentos. Enquanto muitos conseguem resolver a vida na base do diálogo, infelizmente, para vários casais, a única saída é mesmo a separação. Segundo o último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2015 e 2016, a justiça concedeu cerca de 344.526 divórcios em primeira instância em todo o território nacional. De um ano para outro, isso representou um aumento de 4,7% nas dissoluções matrimoniais em todo o país. Em números práticos, significa dizer que a cada três casamentos que aconteceram no Brasil naquele período, um terminou em separação.

Criada para facilitar a vida de pais e mães na hora de “distribuir” de forma equilibrada a convivência e a responsabilidade com as crianças, a Lei da Guarda Compartilhada foi instituída em 2008 e, desde então, tem sido aplicada em quase 18% dos processos de divórcio do país, segundo o IBGE. Decisão nem sempre fácil, mas que quando bem aplicada, traz benefícios tanto para os pais quanto para os pequenos.

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É o caso da professora Nicole Lima. Mãe dos pequenos André, 2 (filho do segundo casamento) e Elis, 8, (do primeiro casamento), ela não hesita em numa só palavra definir o instituto da guarda compartilhada: “libertação”. Desde o seu primeiro divórcio, há 4 anos, a curitibana recorre à custódia para dividir as responsabilidades na criação dos filhos e afirma; “vale a pena compartilhar a guarda”.

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A afirmação soou como uma afronta: “você ainda vai ser grata à essa lei”. Quem cravou foi a advogada do ex-marido de Nicole, enquanto corria o processo de divórcio do casal. “Ela não sabia como nossa convivência era difícil. Ele pouco ajudava na rotina comum e, se quase não chegávamos a nenhum acordo sobre a Elis no casamento, imagine como seria separados. Eu não queria de jeito nenhum”, lembra. O acordo aconteceu depois de muita insistência do ex-companheiro com quem vivera durante 5 anos – e equilibrou a convivência com filha na proporção 40% (com ele) 60% (com ela).

No começo não foi fácil. Como conta Nicole, problemas em relação à rotina e alimentação da criança, nos períodos nos quais permanecia com o pai, provocaram verdadeiros embates entre eles. Porém, com o tempo e um pouco de paciência, as convivências foram se ajustando e, hoje, a professora se vê satisfeita com o resultado. “Aprendi a aceitar algumas decisões dele por entender que eu não sou a dona da verdade. Por mais que eu não concorde com uma coisa ou outra, sei que ele quer o bem da filha tanto quanto eu e as principais decisões ainda tomamos juntos”, revela.

Já com o filho do segundo casamento, tudo foi mais fácil. “Eu mantinha um bom diálogo com o pai do André, então resolvemos tudo de forma bem mais tranquila e, mesmo ele sendo pequeninho, adora passar tempo lá”, conta. Para Nicole, no fim das contas, o instituto da guarda compartilhada mais que um “quebra galho” representa uma conquista. “É um direito que toda a mãe tem de dividir as responsabilidades sobre a criação dos filhos. Antes eu me sobrecarregava, tendo que decidir tudo sozinha. Hoje, quando eles estão na companhia dos pais, a responsabilidade de cuidar, gerir o tempo, alimentar, levar e buscar, fica a cargo deles sem que eu precise me preocupar com isso”, diz. E ressalta: “no começo é normal ter dúvidas e conflitos, mas depois é de fato – libertador”, finaliza.

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Para ajudar quem está passando por isso ou simplesmente para esclarecer algumas dúvidas comuns sobre o instituto da Guarda Compartilhada, a Tribuna conversou com a advogada, presidente da Comissão de Direito da Família da OAB/PR e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/PR), Andrea Bahr Gomes, que explicou como a lei tem sido aplicada na prática.

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

O que é Guarda Compartilhada?

Instituída pela lei 11.698/2008 e também pelo Código Civil (artigo 1.583 e seguintes, a Guarda Compartilhada é o dispositivo legal que confere a ambos os genitores o dever de cuidar, assistir e acompanhar os filhos em suas atividades. A ideia é compartilhar a responsabilidade sobre a vida da criança com relação às decisões que dizem respeito à saúde, vida escolar, lazer e convivência familiar. A ideia não é estabelecer horários de visita, mas uma forma equilibrada de convivência e, ao contrário do que muitos pensam, não se trata de dividir matematicamente o tempo do filho mas, sim, compartilhar o direito de ser pai e mãe. Para regulamentar tudo isso de forma a garantir esse direito aos pais e proteger os interesses da criança, o Poder Judiciário faz essa ponte, estabelecendo de forma justa a divisão da convivência.

Ela é obrigatória?

Via de regra, a guarda compartilhada não é obrigatória, porém, recomenda-se que seja aplicada. Caso os genitores atendam aos requisitos para a partilha não há motivos para que não seja viabilizada, tendo em vista que conviver com pai e mãe são direitos da criança. Vale lembrar que a “guarda unilateral”, na qual somente um dos genitores detém a responsabilidade sobre a criança, é exceção e só se aplica em alguns casos onde a separação é litigiosa ou quando um dos genitores mora no exterior, por exemplo.

Qual o passo a passo processual?

Normalmente é fixada uma audiência de mediação onde os pais conversam informalmente com um mediador e um psicólogo na tentativa de acordo. Se não há decisão pacífica entre os pais, é feito um estudo psicossocial onde se analisa a convivência da criança com cada genitor. Mesmo assim, caso não haja consenso, é marcada uma audiência de instrução para decidir como será feita a partilha.

Existe regra para a regulamentação da convivência?

A lei fala em “divisão equilibrada” e não em “divisão igualitária”. Normalmente uma das residências é escolhida para ser a “base de moradia” da criança. Essa escolha se faz com base no que melhor atender às necessidades da criança como a distância em relação à escola, por exemplo. Sobre a quantidade de tempo que o filho passa com cada genitor, normalmente a busca é por uma divisão equilibrada. O mais comum é que a criança passe 3 dias fora da “base”, com o outro genitor. Tudo é analisado caso a caso.

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Qual a forma mais comum de guarda compartilhada, na prática?

O mais comum é que a criança fique com a mãe a maior parte do tempo. O que vemos muito são os pais concordando em buscar o filho na sexta-feira, na escola, e devolver na segunda, no mesmo lugar. Para fins de semana e feriados, o mais comum é alternar e em datas especiais como aniversários do pai ou da mãe, o habitual é que a criança fique com o genitor respectivo. No aniversário da criança pode-se dividir o tempo ao longo do dia, estabelecendo por exemplo que almoce com um e jante com o outro.

Em quais casos é estabelecida a guarda unilateral?

Como dito, a guarda unilateral é exceção. Aplica-se somente em casos de maus tratos, abandono ou quando o genitor não possui condições ou não quer exercer o dever. Para que seja aplicada a guarda unilateral é preciso que cada caso seja analisado judicialmente a partir de provas que corroborem a sua adoção.

Guarda unilateral isenta o outro genitor de tomar decisões?

Não. O dever parental continua ativo e deve ser exercido n em relação à educação, saúde, etc. Quem tem a guarda deve responder pelas decisões que tomar sozinho e aquele que não é o guardião pode questionar e acompanhar as mesmas.

Até quando vale?

Até os 18 anos, ou até a emancipação do filho. De qualquer forma, a guarda pode ser alterada a qualquer momento.

E quando a criança não quer passar tempo com o outro genitor?

É preciso entender o porquê disso estar acontecendo. Normalmente se a criança não quer é porque há algum problema. Tudo, porém, deve ser muito bem investigado para descobrir o que realmente se passa e garantir que não se trata de manipulação por parte de um ou outro. O Poder Judiciário, nesses casos, estabelece a realização de visitas monitoradas por psicólogos que observam indícios de riscos físicos ou psicológicos às crianças.

E a pensão?

A guarda compartilhada não altera a obrigação dos genitores em relação aos alimentos. A pensão, normalmente é paga por aquele que detém o direito de visitas, pois entende-se que o outro genitor já arca com as despesas relativas à convivência diária. O valor da pensão é definido de acordo com as necessidades de quem recebe e a possibilidade de quem paga, podendo ser estabelecida entre partes ou judicialmente.

Para casais separados desde antes da entrada em vigor da lei, é possível pedir guarda compartilhada?

Sim. O pedido de guarda compartilhada pode ser feito a qualquer tempo.

A opinião da criança conta?

A criança não pode decidir sozinha. Porém pode ser ouvida pelo juiz ou perito. Normalmente, a partir dos 12 anos, já é possível ao menor opinar sobre o processo.

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