“Enquanto uns choram, outros vendem lenço”. Já ouviu esse ditado? Pois é. Pra muitos donos de postos de combustíveis essa tem sido a regra nos últimos 4 dias já que, com a paralisação nacional dos caminhoneiros que acontece desde segunda-feira, o abastecimento está comprometido em todo o Brasil. Com mais procura e menos oferta, todo o mundo sabe: os preços disparam e, como sempre, quem sofre é o povo.

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Se por um lado, muitos empresários do segmento têm enxergado na paralisação uma oportunidade para lucrar, alguns permanecem fiéis ao consumidor e não só isso: se juntam aos manifestantes, estendendo a mão à categoria.

Quinta-feira, hora do almoço. No posto Pedro Pelanda 4, localizado na altura do quilômetro 641 da BR-376, que liga Paraná e Santa Catarina, até parece dia de festa. Ao som do acordeão, dez motoristas cantam animados em uma roda improvisada bem no meio dos caminhões estacionados no pátio. Mais ao canto, sete pontas de costela assam no chão em brasa, cuidadosamente vigiadas pelo sub gerente do estabelecimento, Valdir Felipe. Ao todo, são 120 quilos de carne, ofertados de graça para o almoço dos cerca de 100 caminhoneiros “acampados” no local desde o último domingo.

A iniciativa, totalmente voluntária, acontece em cinco postos da rede localizados em diferentes pontos das rodovias que cercam Curitiba e Região Metropolitana e quem vê de fora, como todo o bom e velho brasileiro desconfiado, questiona: autopromoção? Oportunismo? Vontade de aparecer? Felizmente, nenhuma das alternativas.

Foto: Felipe Rosa

Valores

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A história começou há muito tempo, em 1985, quando Pedro Pelanda – atual proprietário da rede – percebeu a importância da relação entre os caminhoneiros e os postos de gasolina depois de muitos anos trabalhando no segmento ao lado do pai, Guido. “Desde muito cedo eu ouvia meu pai dizer que era nosso dever tratar bem os caminhoneiros. Aprendi que sem essa categoria, que é tão menosprezada, absolutamente nada acontece no país. E nós, que trabalhamos lado a lado com eles, temos a obrigação de reconhecer esse valor. É um agrado. Um apoio. Todo mundo merece ser bem tratado”, afirmou.

Sem “lista vip”, qualquer um pode chegar. Nem precisa ser cliente do posto, basta ser caminhoneiro. Em uma mesinha montada à beira do fogo de chão, Rodrigo Saath, 29, prepara uma caipirinha de limão. Natural de Terra de Areia, no Rio Grande do Sul, o caminhoneiro “mora” no posto desde o último domingo. “Se a única saída é parar, que jeito melhor de fazer isso senão com uma boa costelada?”, brinca.

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Já para José Custódio Braga, 58, que veio lá de Itariri – no litoral de São Paulo – a boa ação é vista com austeridade: “é uma via de mão dupla. Nós os ajudamos (donos de postos) e eles nos ajudam. Estão nos acolhendo muito bem, mas o que seria deles sem a gente?”, questiona com a cervejinha na mão. Ao lado dele, o catarinense, Joel Fletcher, 40, pensa em uma coisa só: a saudade de casa. “Tenho falado todos os dias com minha esposa, mas à noite o coração aperta. Ainda mais nesse frio”, graceja.

Amizade antiga

“É uma via de mão dupla. Nós os ajudamos (donos de postos) e eles nos ajudam”, diz um dos caminhoneiros. Foto: Felipe Rosa

Alguns quilômetros de distância do posto onde acontecia a costelada, em outra rodovia, mais um grupo grande de caminhoneiros se reúne para o almoço. O local? Posto Pelanda 22, em Fazenda Rio Grande, onde mais de 100 motoristas estacionam desde o início da paralisação. Aqui não tem costela fogo de chão mas tem lanche, banheiro, chuveiro, cobertor, água, suco, internet e até touca para o frio. Tudo financiado pela rede.

O caminhoneiro José Vanderlei Machado, 49, está surpreso. “Sou cliente do posto há muitos anos mas nunca esperei que fosse me sentir em casa por aqui”, afirma. Já Hivonlido da Silva, 56, natural de Santos, se emociona com a ação já que não é cliente do posto e, mesmo assim, foi beneficiado pela iniciativa. “Rodo por esse Brasil todo e me sinto muito valorizado. Não nos faltou nada. Segurança, alimentação, higiene. É louvável”, diz.

Engajada pela causa humanitária, Kelly Pellanda – proprietária da unidade – afirma que a medida foi adotada como forma de respeito à categoria e lamenta que, mesmo assim, pra muita gente, a ação seja vista com maus olhos.

“Recebi algumas mensagens pelas redes sociais criticando a iniciativa e dizendo que estamos nos aproveitando do momento de fragilidade para nos promovermos. Isso é lamentável porque estamos tirando do nosso bolso pra ajudar esses trabalhadores sem pedir nada em troca. Nos questionaram se esses encargos estão sendo repassados no preço do combustível mas desde que as manifestações começaram não aumentamos nem um centavo nas bombas. A gente só quer minimizar os efeitos negativos que recaem sobre a categoria por estarem lutando por uma causa que afeta toda a coletividade”, garante.

Envolvimento

Além dos cinco postos que participam do movimento de apoio aos motoristas, a rede Pedro Pelanda também organiza ações nas estradas, onde a concentração de motoristas é grande. Na última segunda-feira, um grupo de gestores esteve no município de Mafra, em Santa Catarina, onde distribuíram lanches de cabine em cabine, e instalaram banheiros químicos perto da fila. “É uma troca. Eles são fiéis a nós e vice versa. No fim, o que vale é fazer o bem”, finaliza Leandro Valnei Batista, um dos gerentes do posto.

Unidades que dão apoio aos motoristas:

Posto Residência Fuck Monte Castelo (SC)
Posto Pelanda 22 Fazenda Rio Grande
Posto Juliane Pelanda Tijucas do Sul
Posto Pedro Pelanda e Pelanda 27 São José dos Pinhais

Veja o vídeo

A Tribuna do Paraná acompanhou uma rede de postos que forneceu lanches, pátio, banho e cobertores a caminhoneiros em apoio às manifestações.

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