Curitiba

Mãe não esquece

Nove anos depois do acidente que tirou seu filho, Vera Lúcia dá detalhes da vida de Carlos Murilo de Almeida

Diz o ditado que mãe é tudo igual. Será? Desde o trágico acidente envolvendo o ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho, em maio de 2009, muito se falou em Gilmar Rafael Souza Yared, 26 anos, que dirigia o Honda Fit atingido pelo Passat conduzido pelo deputado naquela noite. Na mídia, nas notícias e nos discursos da deputada federal Christiane Yared (PR), o nome de Gilmar ainda ecoa, impedido de ser esquecido pela voz da mãe. Longe dos holofotes, porém, Vera Lúcia de Carvalho, 57, mãe de Carlos Murilo de Almeida, 19 morto no mesmo acidente busca outras formas de lidar com a perda. Na semana do julgamento que pode decidir o rumo da história que se arrasta há tanto tempo, ela quebrou um silêncio de mais de oito anos e conversou com a Tribuna do Paraná. Falou um pouco mais sobre a vida do filho.

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“Sei que me ajudareis e sei que me acompanhareis sempre, até a hora da minha morte”. As palavras que encerram a pequena oração à Nossa Senhora Aparecida são as que, hoje, consolam a dona de casa que optou por deixar anônima a dor que carrega desde 2009. Retraída frente às inúmeras abordagens da imprensa, desde o acontecido, a melhor forma que encontra de aliviar a tristeza é no túmulo do próprio filho, no Cemitério Municipal de Campo Largo. “A cada quinze dias vou ao túmulo do Murilo conversar com ele. Não levo flor porque ele não gostava. Acendo uma vela e fico ali, rezando à Nossa Senhora Aparecida. Santa da qual ele era devoto”, conta.

“Sei que me ajudareis e sei que me acompanhareis sempre, até a hora da minha morte”. Palavras consolam a mãe de Murilo. Foto: Felipe Rosa
“Sei que me ajudareis e sei que me acompanhareis sempre, até a hora da minha morte”. Palavras consolam a mãe de Murilo. Foto: Felipe Rosa

Católico dedicado, Murilo levava a religião a sério. Quando criança, gostava de ir às missas e ajudar como coroinha nas paróquias próximas ao Parteno, bairro onde morava, em Campo Largo. “Muitas vezes era ele que puxava a mim e a irmã mais velha pra missa. Pra ele era muito importante. Uma vez eu pintei as unhas com esmalte vermelho e ele não me deixou ir à igreja até que tirasse. Dizia que era sinal de respeito”, lembra. Com notas sempre azuis, Murilo também era bom aluno. Principalmente em matemática. Ao longo da vida escolar, a casa da dona Vera era o local escolhido para os trabalhos em grupo. “Depois que os amigos iam embora ele deixava tudo arrumadinho. Nunca deu trabalho”, revela.

Alto lá, porém, quem pensa que o menino era só santidade. Murilo também tinha um lado bagunceiro que rendeu alguns apuros à família. Apaixonado por nadar, ele pulava em “qualquer poça d’água”. “Morávamos numa casa baixa. Quando chovia fazia muita lama e, como o sonho dele era ter uma piscina, me pedia pra nadar na lama mesmo, só com a roupa de baixo. Depois eu lavo a roupa, mãe’- ele dizia”, recorda. Em outra ocasião, a diversão virou bronca. “Com sete anos ele fugiu de casa num dia de sol, com dois amigos, pra nadar na barragem. Eu fui atrás desesperada e quando chegamos não teve desculpa. Foi direto pro castigo. Ele quase me matou do coração aquele dia”, conta dona Vera.

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Apesar da relação conturbada com o pai, Murilo cultivava bons relacionamentos. Na adolescência, as quadras de basquete eram o destino preferido do rapaz aos fins de semana. Quando o assunto era trabalho, porém, a preocupação era estar sempre com roupas limpas e bem alinhado. Na mesa, Murilo não tinha frescura. Prato favorito? Quirerinha com frango. “Era simples mas ele adorava”, diz a mãe. Salgadinhos de pacote também eram predileção. “Ele enchia a boca de cheetos, até não caber mais. Aí vinha na cozinha e ficava fazendo careta pra mim”, recorda.

Dia da tragédia

Assim foi a rotina do jovem até a noite de quinta-feira, 7 de maio de 2009 , quando, após o expediente na bilheteria do cinema de um shopping, pegou uma carona com o amigo Gilmar. Triste coincidência, era dia do aniversário de Vera. Na lembrança, o desespero ao receber a notícia do acidente. “Eu estava dormindo em casa quando vieram bater no meu portão. Disseram que ele estava acidentado no hospital e pediram que eu buscasse algum parente pra me acompanhar. Na verdade ele já estava morto, mas não quiseram me falar na hora”, conta.

Depois da tragédia, as noites mal dormidas foram apenas uma parte do sofrimento. Por conta do trauma, a família mudou de endereço, e continua lutando para aprender a conviver com a saudade. Nove anos depois do acidente, o sono foge por outro motivo: a expectativa de justiça. De um lado, Carli Filho. Do outro, as famílias Almeida e Yared. Sete jurados decidirão pela condenação ou absolvição do ex-deputado, que responde pelo crime de duplo homicídio com dolo eventual por assumir o risco de matar. “O Murilo tinha planos, queria estudar e ser alguém na vida. Me perguntam se perdoei o Carli Filho. Sinceramente eu não sei responder. É muita irresponsabilidade e a justiça precisa ser feita. Eu creio que a Nossa Senhora não vai nos decepcionar. Acho que não prego o olho essa semana”, diz dona Vera.

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Maria Luiza Piccoli

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