Por do sol. Um momento do dia com muitos significados, entre eles o da missão cumprida, relax, praia e até o da saudade do interrompido Horário de Verão. Para o loneiro aposentado Alceu Hernandes de Sousa, 70 anos, estar sob os raios alaranjados e ofuscantes do final das tardes relembra uma história de suor, muito trabalho e conquistas especiais. Assim é a profissão dele, que ao longo de quase 40 anos ganhou a vida costurando e reformando lonas na beira da estrada, em Curitiba. A cidade o adotou quase que ao mesmo tempo em que Hernandes resolveu deixar a vida de empregado para se tornar patrão, empreendendo e lutando por seu próprio negócio.
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Na sabedoria popular, loneiro é o profissional que trabalha com lonas, seja vendendo, reformando ou fabricando esse material, muito utilizado por caminhoneiros e diversos outros profissionais para proteger as cargas. Para Alceu, ser loneiro é viver um dia a dia mergulhado em uma profissão que ensina na prática o que é empreendedorismo. “Saber costurar uma lona é o mínimo necessário para começar. Já para manter o negócio, você tem que ser uma pessoa atenta, negociar o ponto de venda certo, conquistar o cliente com um bom atendimento e trabalhar de sol a sol. Isso é um aprendizado que só a vida te traz”, define.
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E por falar em negócio, aliás, o loneiro não esconde o orgulho que sente pelo dele. Mesmo aposentado há alguns anos, ele não soube dizer quantos, até hoje Alceu costuma visitar o ponto de trabalho conquistado com muito esforço no Contorno Sul, ao lado do pátio do Auto Posto Trevão, próximo do acesso à BR-476 sentido Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
Quem passa por ali, logo vê um senhor de cabelos brancos escassos e escondidos debaixo de um boné, movendo-se com um pouco de dificuldade e com as mãos fazendo gestos de quem manda e não pede aos colaboradores. Até um assovio em código ainda é capaz de dar uma ordem.“Eu só oriento, não trabalho mais. Só venho aqui quando dá, mas gosto de ver a coisa funcionando, aí dou meu apoio, orientando aqui e ali. Tudo para melhor atender o cliente. Isso é um orgulho para mim. Eu não consigo ficar em casa, quando venho aqui me realizo”, revela.
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Só que a realização vai além das finanças. Quando decidiu morar em Curitiba, há 40 anos, Alceu deixou a família de pequenos agricultores em Bela Vista do Paraíso, no Norte do estado, e foi o primeiro dos seis irmãos (cinco homens e uma mulher) a vir para a capital, abandonando a lavoura em busca de uma vida melhor. O emprego conquistado foi de vigilante, em uma grande empresa de telhas e, depois, em uma empresa terceirizada de vigilantes, que prestava serviço para uma multinacional.
Com o baixo salário, não era fácil manter o aluguel. O serviço como empregado na área durou entre um ano e meio e dois anos, período em que os outros irmãos também decidiram vir para Curitiba. “Primeiro veio eu, depois trouxe eles e a família toda. Eles vieram para o mesmo trabalho como seguranças”, conta. Insatisfeito, foi nesse meio tempo, entre uma vinda e outra dos irmãos, que o então vigilante decidiu se tornar loneiro.
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“Eu ganhava muito pouco. Era difícil se manter. Por isso, eu queria encontrar alguma coisa para trabalhar por conta própria. Foi assim que a lona apareceu. O investimento não era tão alto e eu precisava aprender a costurar. Estou a minha vida toda nesse ramo”, explica. Depois disso, Alceu foi incentivando os irmãos a fazerem a mesma coisa. Hoje, todos têm o seu ponto de costura de lona na rodovia. Todos estão bem financeiramente e essa é a verdadeira realização de Alceu, que se emociona ao contar esse trecho da história.
“O que é estar bem? É ter dinheiro? É só você se realizar na vida? Não. Eu quero ver toda a minha família bem, todos construindo suas vidas, e isso eu consegui proporcionar a eles, incentivando para que eles viessem para o ramo das lonas. Graças a Deus, tudo deu certo e continua dando certo”.
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As lágrimas escorrem nos olhos quando ele menciona mais conquistas da família. Na segunda geração dos loneiros, os sobrinhos fazem curso superior. “Minha sobrinha está fazendo Farmácia. Tem outro sobrinho fazendo faculdade em Paranaguá e mais um que vai seguir um curso na área de cultura. São oportunidades que não tínhamos antes da lona”, revela ele. Ao todo, são nove sobrinhos, distribuídos em duplas entre os irmãos. “Só um que tem três”, recorda Alceu, brigando com a memória.
Viver na lona
Em um encontro anual de família, visitando a cidade de origem, uma prima perguntou para Alceu Hernandes como estava a vida em Curitiba. A resposta foi seca e direta: “Estamos na lona”. A prima ficou desesperada, até que alguém destrinchasse a piada. O jeitão brincalhão do loneiro descontrai, mas não esconde a personalidade metódica dele. “Sou planejado. Tudo tem que estar no lugar e funcionando”, revela.
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O ponto de atendimento onde funcionam as costuras tem um largo espaço para os caminhões estacionarem. A organização é visível. Ajudantes que recebem pagamento por dia trabalhado dão apoio para estender as lonas no chão, medir os rasgos, fazer recortes e posicionar os materiais para a costura. “Eles recebem quando chega a hora de ir embora”, diz Alceu. Duas máquinas de costura bem antigas tratam de dar conta do trabalho.
“Quando eu comprei meus equipamentos, uma dessas máquinas já estava com 70 anos de uso. Funciona que é uma beleza”, brinca o loneiro. Ele se refere a uma Singer de 1914. Há também uma máquina modelo Adler, mais ou menos da mesma época. E o conserto de lonas sintéticas é feito com um vulcanizador térmico, tipo um secador de cabelo.
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As costuras na lona ganham um ponto cruzado, usando um fio de algodão poliéster. Para quem sabe o que faz, o conserto se torna mamão com açúcar. “Já disse que o segredo não é saber costurar, é saber tratar bem o cliente”, reforça. Segundo Alceu, os caminhoneiros escolhem o ponto de parada pela conveniência, pela rapidez e qualidade do serviço. Um posto de gasolina com um bom preço no combustível, loja de conveniência, borracharia e conserto de lona atrai a freguesia. “Tudo se resolve no mesmo lugar”, explica. “Já faz tempo que estou aqui. Só nesse local estou há oito anos, mas comecei na BR-116. Ali, ficamos muito tempo, quase 30 anos”, conta.
Alceu reclama que a BR-116 era uma rota boa de passagem de caminhão, mas, atualmente, isso mudou, principalmente com a Linha Verde. “Muitos dos que prestavam serviço de beira de estrada se extraviaram. Era uma rota para Paranaguá e agora dividiu. Há motoristas que vão por outro lugar e isso espalhou os clientes também. Fora que começou a ter horário para passar caminhão. Aí, não tem jeito, a pessoa tem que procurar recurso”, aponta. Os caminhões ganharam horário para rodar pela Linha Verde em setembro de 2011, no trecho entre Pinheirinho e Atuba. Em maio de 2018, a prefeitura liberou a circulação deles temporariamente.
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Além do posto do Trevão, um dos irmãos atua nas proximidades do viaduto de acesso ao Contorno Norte, na ponta da rodovia, e um terceiro irmão trabalha consertando lona em Campo Largo, na RMC. Há mais um irmão que fica junto com Alceu quando ele resolve visitar o Trevão. O quarto irmão dele já faleceu e a irmã trabalha como dona de casa. Os pontos não são divisões familiares. Cada um tem o seu. Os materiais de trabalho também. Cada um tem a sua máquina de costura e seus cuidados com ela. “A minha vai e volta comigo para casa, todos os dias”, explica Alceu.
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A profissão de loneiro de beira de estrada sempre foi informal, até o surgimento da categoria empresarial de Microempreendedor Individual (MEI), que nomeou o ofício como: Reparador de cordas, velames e lonas independente (CNAE n.º 3319-8/00). Não é o caso de Alceu, que não saiu da informalidade e se aposentou por idade.
E Curitiba?
“Eu moro vizinho de um irmão meu. Eu não tenho nada em termos de bens, não tenho casa própria e moro numa comunidade, em um terreno que a gente pagava aluguel quando chegou em Curitiba. Eu comprei o direito de uma pessoa e estou há 40 anos na mesma casa”, conta Alceu Hernandes.
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Libriano do início de outubro, ele se define como “um cara que não gasta”, que se preserva e se sente bem quando o seu próximo está bem. Ficar em casa nem pensar. Alceu gosta de ficar com a galera. A vida em Curitiba quase que não começa por culpa do frio. “Quando viemos para cá, o frio era demais. Gosto de Curitiba, mas pensei que ficaria por aqui, no máximo, um mês ou dois. Mas o tempo foi passando e hoje, no fim das contas, só restou a saudade que tenho do lugar da gente”, explica.
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