Por Ricardo Pereira
Os acordes do violão revelam que, na sala ao lado da entrada da casa, os alunos demonstram os primeiros sinais de intimidade com o instrumento musical e a língua estrangeira. A letra da música no quadro-negro ajuda o grupo a entoar “Have You Ever Seen The Rain?”, sucesso da banda norte-americana Creedence Clearwater Revival. Quem conduz a aula é o jovem professor Maicon Douglas, de 16 anos.
Apaixonado por música desde criança, foi convidado a transmitir seu conhecimento no projeto de voluntariado, instalado na Vila Sabará, Cidade Industrial de Curitiba. “Os alunos, que são meus vizinhos, hoje se tornaram meus amigos. Ser professor é uma vontade minha desde sempre. E essa será minha profissão após a faculdade”, explica Douglas, que além de lecionar, também assiste às aulas do cursinho pré-vestibular oferecido no mesmo local.
Edgar Teluski tem apenas um ano a menos que o professor, mas, assim como ele, sonha alto e já tem traçado o seu plano de vida. “Entrei aqui há quatro meses tendo meu violão apenas como enfeite e agora sei tocar um pouco de tudo. É um hobby. Minha meta é seguir a carreira de advocacia. Quero ser advogado”, detalha, abraçado ao violão.
Promessa cumprida
Voluntário e aprendiz fazem parte do Projeto Kalahari. Funcionando há cinco anos na Vila Sabará, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), atende hoje cerca de 250 crianças e jovens carentes da região. Tudo começou com o Antônio Luiz Demenchucki, hoje sargento da Polícia Militar. Aos 12 anos e morando no interior do Paraná, ele precisou largar os estudos para trabalhar e ajudar a família. Como uma espécie de promessa para si mesmo, definiu que ajudaria outras crianças a não passarem pela mesma situação. Teve, junto com a esposa, a ideia de fazer um serviço de assistência social.
Só que, para o sonho começar a se tornar realidade, o casal precisou abrir mão de muita coisa. “Não conseguimos o recurso financeiro que precisávamos. Por isso, vendemos nosso carro, vendemos nossa casa, juntamos nossas economias e fizemos alguns empréstimos. Assim, compramos este terreno e construímos este espaço. Os voluntários foram chegando aos poucos. Hoje já são 150”, comemora.
Maior recompensa
O cursinho pré-vestibular é a “menina dos olhos” do idealizador do projeto. “São vinte professores, que não têm qualquer retorno financeiro. Mas, em dois anos, já aprovamos três alunos na UFPR e um em concurso público. Essa é nossa recompensa”, define o sargento.
Aulas de idiomas também são oferecidas aos fins de semana. Além de artes marciais e música, há psicólogos disponíveis para atendimento à população. A intenção é colocar em funcionamento, o quanto antes, um centro médico e um setor jurídico. O espaço já está construído. Aos poucos, por meio de doações, chegam os aparelhos e equipamentos necessários.
Expansão internacional
Atualmente, o projeto tem parceria com centros de educação de crianças e adolescentes em Curitiba e Região Metropolitana, só que o que começou como uma ideia humilde, agora chega à outra parte do mundo: a África. Pai de um angolano adotado, hoje com 28 anos, o sargento Antônio Demenchucki conseguiu a doação de um terreno em Luanda, capital da Angola, país que sofreu com a guerra civil durante décadas. “Em fevereiro de 2017 iremos até lá, em um grupo de 10 voluntários, para estruturar a nossa primeira escola no continente africano. Meu filho será o responsável por tocar o projeto”, conta, sorridente.
Você pode ajudar!
O Projeto Kalahari é mantido com auxílio da própria comunidade por meio do programa “Adote Um Aluno”: um padrinho da sociedade é responsável por bancar uma criança ou adolescente. O custo mensal é de R$ 50. “Temos, por enquanto, 100 padrinhos, mas como atendemos 250 alunos, o déficit ainda é grande”, revela Demenchucki. Quem tiver interesse em participar pode acessar o site do Projeto Kalahari ou levar doações até a sede, que fica na Rua Carlos Eduardo Martins Mercer, 34, CIC. Alimentos não perecíveis são os itens mais solicitados, já que cestas básicas são distribuídas aos moradores mais carentes.