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O barulho de tiros de pistola, de armas pesadas e de explosivos até poderia ser a única trilha sonora na rotina do britânico Kevan Gillies, 56 anos, fundador da Tees Brazil, uma escola de treinamento de operações especiais em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba. Há pelo menos 20 anos, ele ajuda a aprimorar o conhecimento tático de agentes das Polícias e do Exército de todo o Brasil. Mas a trilha sonora não é só essa. Em seu gosto pessoal também cabe a melodia do heavy metal da banda curitibana DevilSin, da qual é vocalista. Sim. Música e a tática de operações especiais andam juntas na vida desse personagem intrigante.

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A história que contaremos, talvez, não espelhe nem a metade das habilidades desse homem, mas, sem dúvida, deverá potencializar o desejo que muita gente tem de se focar em realizar sonhos de vida. Se inspiração é preciso, leia o texto imaginando usar os médios e agudos do som dos armamentos de Gillies como ondas para surfar na adrenalina.

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A Tees Brazil é uma escola civil privada especializada em treinamento de operações policiais e militares de alto risco. A Sigla é: Tactical Explosive Entry School, algo possível de se traduzir como escola de entrada tática em ambientes de risco ou de difícil acesso usando explosivos. Ações contra terrorismo, resgate de reféns e cumprimento de mandados de prisão em áreas perigosas estão entre os ensinamentos. Kevan Gillies fundou a escola junto com um sócio Alan Brosnan, em 1997. Dois anos depois, em 1999, a Tees conquistou sede própria, em uma antiga pedreira de Tamandaré com 100 mil metros quadrados de área.

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Mas como é possível um civil dar aulas de operações táticas para equipes como as do Tático Integrado de Grupos de Repressões Especiais da Polícia Civil (Tigre), Centro de Operações Policiais Especiais da Polícia Civil (Cope), Divisão Estadual de Narcóticos da Polícia Civil (Denarc), Comando de Operações Especiais da Polícia Militar (Coe), do Grupamento de Mergulhadores de Combate do Exército do Brasil (Grumec) e até dos temidos mariners U. S. Navy SEALs, que mataram Osama Bin Laden?

Tudo começa na Inglaterra, na infância, em 1970, com uma obstinação pelas artes marciais e pelo desejo de pertencer às Forças Especiais Britânicas (Special Air Service; sigla: SAS). “Quando eu tinha 8 anos, ganhei um livro das Forças Especiais Britânicas e me lembro da foto da capa até hoje. Tinha um cara da SAS montando uma carga explosiva. Eu adorei aquela capa, minha ideia era servir no Exercito Britânico”, conta Gillies.

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Para dar sequência a esse desejo, aos 9 anos Gillies foi aprender Karatê. Aos 11 anos, já era faixa preta Júnior, uma categoria britânica da época. Mais tarde, ele iria se tornar professor de kempô, arte que o aproximaria dos policiais militares da Academia Militar do Guatupê, em Curitiba.

Chegada a Curitiba

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná

A família de Kevan veio para o Brasil por causa da profissão do pai, que trabalhava com exportação de aço. A primeira vinda ao país foi em 1975. Além do pai, vieram a mãe e as duas irmãs e o irmão, todos mais novos. Eles passaram seis meses em Santos, no Litoral de São Paulo.

“Eu era um moleque de 13 anos. Passei seis meses surfando em Santos e fazendo Karatê. Depois, voltamos para Inglaterra”, lembra. Mas não deu nem tempo de desfazer as malas na terra da Rainha. Em 1976, outra proposta de trabalho os trouxe de volta ao Brasil, dessa vez para Curitiba, onde estabeleceram residência definitiva. “Também foi um trabalho relacionado à exportação. A família apoiou a decisão do meu pai, só que eu não poderia me alistar no Exército daqui, portanto, o sonho de me tornar militar ficou para trás”, desabafou.

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Mas Kevan não desanimou. As artes marciais permaneceram vivas e a música veio com força morando na capital paranaense, afinal, não é à toa que muita gente chama Curitiba de capital do rock’n roll. Estudando no Colégio Martinus, Kevan que já era fã de Alice Cooper, Sweet, Suzi Quatro, Marc Bolan e todas as bandas glitter rock (ou glam rock) dos anos 70, montou com os colegas a banda Carne Podre, que fazia sucesso no mundo punk da época. “Não tinha esse negócio de bares para tocar. As bandas não se apresentavam ao vivo em boteco, naquela época.

Nós fazíamos shows no Teatro Universitário de Curitiba (TUC), Teatro do Colégio Estadual do Paraná, no Guairinha, no Parque São Lourenço. Antigamente, era assim”, relembra.
E a música segue pulsando na veia de Kevan até hoje, com a DevilSin. “Tocamos em locais importantes no cenário e já abrimos shows para a Angra, Twisted Sister, Black Label Society, e Sepultura. É a realização do meu segundo sonho: tocar em grandes palcos”, diz, enquanto solta uma gargalhada.

“Nunca desista”

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná

Kevan não terminou nem o segundo grau, mas correu atrás do seu sonho e não se arrepende
O sonho principal já sabemos qual é. Só de olhar para Kevan Gillies já é possível notar porque ele se tornou referência internacional em treinamento tático e ver o orgulho que ele tem do trabalho que desenvolveu, ao longo dos 20 anos da Tees. O biótipo até engana. Os 1,72m de estatura, 60kg, coturnos número 40, voz rouca de vocalista experimentado, português agregado ao sotaque britânico e os tragos no cigarro Lucky Strike lembram um roqueiro procurando a sua Harley Davidson perdida em algum estacionamento, mas o jeito dele observar o ambiente, a postura militar, as roupas camufladas e a pistola Glock 380 simetricamente colocada em cima da mesa da cozinha da Tees Brazil não deixam dúvidas: é ele o “homem”.

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A pistola sobre a mesa inspira a pergunta: você é a favor da liberação das armas no Brasil? “Prefiro não me aprofundar no tema. Essa pergunta não se faz, é o mesmo que querer saber se alguém já fez sexo com mais de uma pessoa ao mesmo tempo”, brinca Gillies. Mas ele reflete um instante e dispara: “O povo tem o direito de se defender. Se isso vai trazer problemas até melhorarem as leis, acredito que sim. Para o treinamento dos policiais, a liberação não muda nada. Eles já são treinados para isso, para os riscos de se depararem com um local onde haja cidadãos comuns armados. Na Tees, já cobrimos todas as ameaças possíveis”.

E a Tees, com surgiu? “Desde os 15 anos, dou aula de karatê. Comecei na garagem de casa, em Curitiba, e cheguei a dar aulas em diversas academias de artes marciais, incluindo a Academia Militar do Guatupê, onde ensinava kempô para os oficiais”, conta Kevan. Nessa época, em abril de 1995, estourou o caso de Marechal Cândido Rondon, interior do Paraná, onde três criminosos de Santa Catarina mantinham sete reféns, dentro de uma casa. Policiais especializados do Tigre, Águia, Goe e Cope entraram na casa e conseguiram resgatar os reféns com vida, matando os criminosos.

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“Deu certo, mas o comandante da PM achou que era preciso aprimorar esse tipo de treinamento, para próximas ações. Ele faria uma visita aos Estados Unidos, na Tees de Memphis, que era do meu antigo sócio Alan Brosnan. Eu fui convidado para ir junto e viajei como tradutor para o inglês”, revelou Gillies.

A partir desta viagem de reconhecimento, o interesse de Gillies pela área de tática militar e aproximação dele com oficiais da PM resultaram na Tees Brazil. “No início, com o dólar perto do valor do real, fazíamos viagens com grupos de alunos para os Estados Unidos. E, a cada três meses, o Alan vinha para o Brasil para dar aula. Eu me aprimorei e disse ao comandante da PM que gostaria de trazer a Tees para Curitiba. Ele respondeu: ‘Um civil dando aulas para militares? Pode esquecer’. Essa foi a maior motivação que eu tive na minha vida para chegar onde eu estou”.

Sede própria

Foto: Átila Alberti/Tribuna do Paraná

Em 1997, a Tees Brazil estava com sede própria, em Tamandaré. A escola tem autorização do Exército para funcionar e, desde aquele ano, cerca de 15 mil alunos já passaram pelos treinamentos de Kevan, vindos de todas as partes do Brasil, e de países como Estados Unidos, Canadá, Argentina e Paraguai. Segundo Kevan, nesses últimos 20 anos, o conhecimento tático das polícias evoluiu muito, tornando os agentes extremamente especializados no que fazem. “Antes, era só roupa preta, velcro, boina lambida e pouco conhecimento. Agora, é diferente”, explica.

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A sede da Tees em Tamandaré é uma segunda casa para Kevan. É lá que os grupos de alunos de todo o Brasil aprimoraram conhecimentos e é dessa adrenalina do dia a dia que ele gosta. Quando necessário, o instrutor passa de dois a três dias hospedado no local. “Fica mais fácil de me organizar”.

A rotina de instrutor começa sem café da manhã. Kevan acorda às 6h e vai até as 9h trabalhando a linha de tiro sem comer nada. Ao meio-dia ele almoça e volta para o batente às 13h. As aulas terminam entre 16h e 16h30. Para relaxar, quando volta para casa, ele liga a TV, fica com a família, planeja a aula do dia seguinte e, às vezes, passeia com a sua Harley Davidson. “Tenho a moto faz um ano. Se soubesse, tinha comprado uma muito antes”, brinca. Por causa da banda DevilSin, a semana fica mais corrida quando tem shows, principalmente pela rotina de ensaios ou passagens de som.

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Kevan é casado desde os 17 anos, tem duas filhas gêmeas e um filho (que trabalha na Tees). Ele não fez faculdade, largou o colégio antes de concluir o segundo grau e não se arrepende. “Fui atrás do meu sonho”, diz. Ao ser questionado sobre o tipo de conselho que daria para as pessoas conquistarem seus objetivos, ele pensa: “Foco e persistência. Todos temos a capacidade de aprender algo. O importante é não desistir”.

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