Seis horas da manhã e você está lá na sua cama, curtindo aquele último soninho. Mas o repouso é interrompido pela campainha, ou batidas na porta ou palmas no portão da sua casa. Alguns ficariam receosos de um assalto. Outros ficariam preocupados, pensando que alguém precisa de ajuda. Mas uma pequena parcela de endinheirados brasileiros tinha muito a se preocupar e já estavam acordados a essa hora, com uma pequena mala de roupas pronta, só esperando este momento. Sim, era Newton Ishii, o “Japonês da Federal”, que estava ali para executar o mandado de prisão destes endinheirados, investigados pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). Quando se iniciaram as delações premiadas dos investigados, eles sabiam que era questão de tempo para receberem a visita do agente federal.
Newton acaba de virar personagem de um livro: “O Carcereiro – O Japonês da Federal e os presos da Lava Jato”, escrito pelo jornalista Luís Humberto Carrijo. Nele, o agente conta sobre a convivência que teve com os presos da operação federal. Na obra, fala pouco do momento das prisões, na porta da casa de cada um. Mas faz muitas revelações do que ouviu de cada um deles, enquanto chefe da carceragem da Superintendência da PF. Coisas que talvez não tenham sido reveladas formalmente nos processos da Lava Jato, na Justiça Federal.
Biografia
Newton, que ficou involuntariamente conhecido por aparecer sempre na mídia, levando os figurões aos exames no Instituto Médico-Legal e à cadeia, confessa que não leu o livro inteiro. Nos primeiros capítulos, o jornalista conta a história de vida do agente, que tem capítulos muito tristes nos anos anteriores à Lava Jato. “Eu e minha filha estávamos lendo juntos. Mas chegamos nesta parte e não conseguíamos parar de chorar. Não consegui ir adiante”, diz ele, que em entrevista à Tribuna do Paraná mostrou-se controlado no que diz em frente às câmeras, mas com a língua afiada e cheia de “offs” quando a câmera está desligada.
Ordeiros e encrenqueiros
Mais ao final do livro, Newton revela as características de cada um dos presos “ilustres” e porque passou a nutrir admiração por alguns deles. Desde os mais ordeiros e obedientes como o empreiteiro Marcelo Odebrecht até os mais encrenqueiros e cheios de exigências como Alberto Youssef, a quem deixou por último, por conta das revelações que o doleiro fez na cadeia. Apesar do jeito de Youssef, Newton diz que o doleiro tem uma mente brilhante, pois aprendeu a operar transações financeiras sem deixar qualquer rastro, sem ser percebido pela Receita Federal. Só acabou descoberto por causa das delações premiadas.
Nas conversas, os presos deixaram muito claro ao “Japonês da Federal” que a propinagem é algo muito comum no mundo da política e dos negócios e que nada vai para frente no Brasil sem ela, acreditando também que não deixará de existir por causa da operação Lava Jato. Aliás, Newton tem dúvidas se todos os que passaram pela cadeia da PF ou do Complexo Médico Penal (CMP) sairão regenerados (que em tese é objetivo da prisão de criminosos) e levarão uma vida honesta. Afinal, para quem foi acostumado a viver cheio de regalias e mordomias, deve ser difícil ficar longe das benesses que o dinheiro promoveu outrora. Além do mais, na visão dos presos, a propina sempre existiu e nunca deixará de existir.
Notoriedade inesperada
Newton Ishii, 63 anos, estava sempre focado no seu trabalho, comandando o Núcleo de Operações da Polícia Federal (PF) e a carceragem. Não ligava muito para a mídia, a não ser pelo fato de organizar a aproximação dela com os presos, sem que isso causasse problemas à Polícia Federal e às investigações da Lava Jato.
Qualquer deslize de Newton durante os cumprimentos de mandados de prisões, buscas e apreensões, poderiam levar toda a Lava Jato por água abaixo. Por isso ele pensava em todos os detalhes de trajetos, alternativas de rotas de fuga, segurança para os presos, nas coisas que dizia para presos e advogados, entre muitos outros detalhes.
Algumas pessoas até depositam na seriedade do trabalho de Newton a decisão de muitos dos presos em colaborar com a Justiça, fazendo delações premiadas. Tanto trabalho, foco e organização, característica marcante de Newton, fizeram com que os presos gostassem do “Japonês da Federal” que os prendeu e criassem até uma espécie de amizade com ele.
Até mesmo advogados e familiares dos presos passaram a admirar o “Japonês” e pediam para tirar selfies com o agente, nos dias de visita. Gerou até ciúmes de alguns presos, que sentiram-se constrangidos com isso.
Fama
Demorou para que Newton entendesse que era famoso. Depois de ser batizado de “Japonês da Federal”, pensou que logo sua imagem voltaria ao anonimato. Mas, para sua surpresa, no Carnaval de 2017, ele virou máscara e marchinha e até mesmo boneco de Olinda.
Quando estava começando a assimilar a fama (e aprendendo a lidar com o ciúme de vários colegas e delegados da PF), demorou mais um tanto para Newton perceber que virou um símbolo anticorrupção, de esperança que toda a sujeira do mundo das propinas irá acabar e que a política irá se moralizar. Demorou, mas se acostumou com as selfies e chegou a ficar mais de duas horas atendendo pessoas numa fila, que aguardavam uma foto e um autógrafo.
Política
Aposentado desde o começo do ano e com mais tempo para pensar na vida, a fama lhe rendeu assédio de muitas mulheres e convites para ser candidato nas próximas eleições. E apesar de ter dado entrevista à Tribuna dentro da sede do partido Patriotas, em Curitiba, Newton continua afirmando que não quer ser candidato a nada. Mas explica a relação entre ele e o partido: “Acredito que posso ajudar a organizar coisas, influenciar pessoas, contar minha história e inspirar pessoas a fazerem escolhas e caminhos certos. E escolhi apoiar o Patriotas porque o presidente do partido é um cara simples, honesto, que assim como eu tem vontade de ver um Brasil melhor”, diz Newton, que pretende viver a aposentadoria dando palestras e motivando pessoas, porém longe de qualquer candidatura.
Mas o Japa não tinha sido preso?
No livro, Newton também dá sua versão para a Operação Sucuri, que investigou o envolvimento de agentes federais em facilitação de contrabando na fronteira do Brasil com o Paraguai, onde ele trabalhou no começo da carreira. O policial conta porque a operação foi iniciada e porque ela o levou à cadeia, mais de 20 anos depois. Newton afirma que não se envolveu com o crime e que apenas foi investigado e condenado porque todos os agentes que trabalhavam naquela delegacia, na época, foram colocados num “bolo” só.
O livro, da editora Rocco, tem 271 páginas e pode ser encontrado nas versões digitais (em torno de R$ 20) e física (em torno de R$ 30).