Os competidores se alinham. No ginásio, só os mais fortes. Músculos esculpidos, construídos com muito custo. Soa a buzina. Na hora de levantar a barra pesada é necessário mais que força. Pra não perder o foco, cada atleta tem um mantra. “No pain, no gain” que traduzido para o português soa como “sem dor, sem vitória” é um dos mais conhecidos. Outros, até soam engraçado: “se for pra desistir, desista de ser frango”; “coma como um leão, durma como um urso e treine como um cavalo”; “o que cresce natural é planta. Como não sou, eu treino”, e por aí vai.
Enquanto a maioria busca motivação em bordões como esses, Júlio Ferraz, 36, mentaliza Nietzche: “nenhum vencedor acredita no acaso”. Filósofo, palestrante motivacional, ex-jogador de futebol e halterofilista, o atleta está se preparando para disputar o mundial de levantamento de peso, em agosto, no Uruguai. A Tribuna foi conhecer melhor o figurão que hoje representa o estado nas principais disputas das categorias em que participa (powerlifting, levantamento terra e supino) e prova que sim: existem cabeças pensantes por trás dos aparentes “brutamontes”.
A rotina é intensa. Seis vezes por semana mesclando atividades divididas entre exercícios de esforço e hipertrofia. Tudo isso para manter a musculatura e o percentual de gordura adequado. Além do esporte, a dieta regrada é calculada sob orientação profissional. “É como diziam os romanos: “mens sana in corpore sano” ou “mente sã, corpo são””, cita o atleta carioca que, quando larga os halteres dá vez aos livros de filosofia. “Muita gente estranha ao se deparar com um esportista que também é filósofo. Parece que não casa. Mas isso é puro julgamento. A ciência não só explica minha paixão pelo levantamento de peso, como também a motiva”, revela.
Pensadores
O interesse pelos grandes pensadores começou ainda no Rio de Janeiro, quando atuava como jogador de futebol profissional. Entre os pensadores prediletos, Jean-Paul Sartre, Platão e Aristóteles. Já morando em Curitiba, Júlio conheceu, ao mesmo tempo, Nietzche e o Halterofilismo. “Coincidiu de eu começar a trabalhar numa universidade, com acesso à filosofia de Nietzche e, no mesmo período, ser convidado a entrar numa equipe de halterofilismo”, lembra.
A escalada no universo da alta performance foi rápida e, desde então,aforça da mente e a força do corpo nunca mais trabalharam separadas. “Já dizia Nietzsche: “demore o tempo que for para decidir o que você quer da vida e, depois que decidir, não recue ante nenhum pretexto, porque o mundo tentará te dissuadir.” Eu achei a minha praia e não pretendo abandonar tão cedo”, afirma.
Títulos
Colecionador de títulos, Júlio contabiliza 45 vitórias individuais, 12 por equipe e 4 internacionais. O carioca é também campeão sul-americano de powerlifting, campeão mundial de levantamento terra, campeão sul-americano de levantamento terra estreante e open, além de vencedor de 31 títulos nacionais, de 11 prêmios por coeficiente (peso levantado vs peso corporal) e de 3 prêmios como atleta de destaque. Pensa que acabou? Júlio é também recordista mundial (3 quebras), sul-americano (4 quebras) e brasileiro (22 quebras).
“Penso que o treino e a rotina são fundamentais. Não importa o nível de dificuldade, isso vale de pessoa para pessoa. O importante é a sensação de superação e busca de objetivos. Antes de ser atleta, eu achava que os praticantes de halterofilismo eram pessoas vazias, que se preocupavam apenas com o corpo. Hoje percebo que eu estava enganado. Levantamento de peso vai muito além do ego”, afirma o atleta que, recentemente, ingressou também no universo das palestras motivacionais.
Se a Curitiba de 2018 fosse a Atenas de 600 a.C., Júlio seria como um misto dos mitológicos Hércules (pela força) e Édipo (pela inteligência). Quase como um herói dos nossos tempos, Júlio só se difere dos Olímpicos por um simples detalhe, que felizmente, prova que o “Übermensch”, ou “Super-Homem” de Nietzche, ainda é gente como a gente. “Vez ou outra eu cedo a alguns caprichos, dou uma escapulida e me jogo numa feijoada”, brinca.