Inimigo a bordo

Foto: Felipe Rosa

Sempre com medo. É assim que vive boa parte dos motoristas de aplicativos cadastrados no Paraná. Se antes a maior ameaça eram grupos de taxistas preocupados com a concorrência, hoje os profissionais se sentem, cada vez mais, na mira dos criminosos. Encabeçando a lista dos estados que mais registram mortes entre condutores de aplicativos de transporte particular, o Paraná contabilizou, oficialmente, três mortos da categoria entre 2017 e 2018, todas em Curitiba e Região Metropolitana.

Na prática, porém, esse número é bem maior, já que muitas vítimas não estavam em serviço no momento em que foram mortas. A situação preocupa não só os trabalhadores mas também as autoridades e, atentas à questão, empresas buscam soluções para o problema.

A mensagem é simples, mas diz muito. “Meu filho amado: hoje seria o dia de comemorar mais um aniversário… Quero ficar com a lembrança do seu sorriso e daria tudo para poder te dar um abraço. Você está mais forte do que nunca em meu coração. Eu te amo, meu anjo. pra sempre. Vc é uma luz que brilhará para sempre em nossas vidas! (sic)”.

O desabafo postado no Facebook, no dia 3 de maio, por Aruna Jaya Mosaicos, mãe do motorista de Uber, Alex Srour ­ morto em setembro de 2017 ­ revela o sentimento da família que, pela primeira vez, passará o aniversário do rapaz sem ele. Se estivesse vivo, Alex completaria 29 anos neste mês.

Vítima de latrocínio, o jovem caiu nas mãos de uma quadrilha de assaltantes que praticava delitos contra motoristas de aplicativos acionando-os aleatoriamente pelos serviços. Na época, a Polícia Civil concluiu que a intenção do grupo, inicialmente, era roubar apenas o carro e alguns pertences de Alex, porém, diante da reação do jovem ao assalto, os bandidos o mataram a facadas.

Outros casos parecidos que ganharam destaque nos últimos meses foram o de Marcos Mathozo Cordeiro, 25 (morto a tiros em janeiro) e Ricardo Gonçalves Habitzreuter, 26, assassinado em abril. Os casos chocam pela frieza dos criminosos e despertam alerta entre a categoria, já que, em todos os casos, os condutores estavam vulneráveis e em serviço, sem ao menos suspeitar dos fins trágicos que teriam.

Campeão de mortes

Oficialmente não parece muito: três motoristas mortos no Paraná, vítimas da violência. O dado é da Associação dos Motoristas Autônomos Por Aplicativo (Abmap), que indicou que o estado foi um dos que mais registrou crimes fatais contra a categoria entre 2017 e 2018. No mesmo período, o Rio de Janeiro registrou dois casos e São Paulo, um.

O curitibano Gabriel Grahl, 29, conhece bem essa realidade. Condutor pelos aplicativos Uber, 99 Pop e Cabify há um ano e meio, o rapaz foi sequestrado e mantido como refém no porta malas do seu carro, por duas horas, depois de atender um chamado de corrida no Boqueirão. O caso aconteceu em fevereiro. “Os passageiros fizeram o pedido na Rua das Carmelitas. Armados, eles me renderam e obrigaram a entrar no porta malas do carro. Lá fiquei por duas horas, na completa escuridão, sem saber se ia viver ou morrer”, lembra. Depois dos momentos de terror, Gabriel foi liberado numa favela na Vila Guaíra. O carro foi roubado, assim como os pertences do motorista.

Pressão

Com o mesmo nome e quase a mesma história, Gabriel do Rosario também viveu horas de pânico sob a mira de bandidos, enquanto atendia pelo aplicativo Uber. Sequestrado por uma quadrilha depois de receber um chamado em Campina Grande do Sul, o jovem relembra com tristeza o caso, que aconteceu em novembro do ano passado.

“Era uma rua estreita e muito escura. Depois que deixei o rapaz fui abordado por um Honda Civic preto com quatro pessoas dentro. Dois deles vieram para o meu carro e saíram dirigindo comigo dentro. Fiquei 20 minutos sendo ameaçado e agredido. Me deixaram ir embora mas levaram o carro. Depois daquele dia me afastei por 3 meses do serviço por conta do meu estado psicológico”, revelou.

Inseguros

Foto: Lineu Filho
Foto: Felipe Rosa

Difícil é precisar exatamente o número de crimes realizados contra a categoria no Estado, já que os dados oficiais levantados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (Sesp) separam os crimes pela natureza ­ sem apontar a profissão das vítimas. Não se pode negar, no entanto que, se por um lado o assunto urge em ser incluído na pauta das autoridades públicas, do outro, medidas que garantam a segurança dos motoristas também se mostram inadiáveis por parte das plataformas.

De acordo com o vice-presidente da Abmap, Luis Carlos de Souza Ferreira, não apenas os homicídios devem despertar o alerta da segurança, mas todos os crimes aos quais a categoria está sujeita. Até aqueles considerados de “menor potencial”.

“O número de assaltos entre motoristas de aplicativos assusta. As situações são diversas; desde pequenos furtos até sequestros premeditados. No fundo as pessoas tem uma noção por ouvir histórias aqui e ali. Mas a mídia não divulga tanto e os próprios aplicativos fazem vistas grossas para esses casos”, afirma.

Na falta de iniciativa das plataformas, os próprios condutores se manifestam. As principais reivindicações são pelo monitoramento dos destinos, recebimento dos pagamentos (possibilidade de escolha se em dinheiro ou cartão) e, principalmente, pela identificação dos passageiros. “Por que quando nós (motoristas) vamos nos cadastrar, precisamos apresentar toda a documentação detalhada – com foto e comprovantes ­ e os passageiros não? Nada mais justo que a gente também saiba quem está levando. Pra isso, as plataformas deveriam exigir um cadastro mais criterioso dos clientes”, desabafa Gabriel Grahl.

Empresas

A Tribuna do Paraná procurou as empresas responsáveis pelo gerenciamento de alguns dos aplicativos de transporte particular mais utilizados no Brasil e perguntou o que tem sido feito para garantir a segurança dos motoristas cadastrados. Por meio da assessoria de comunicação, a Cabify afirmou que busca garantir a segurança dos motoristas e usuários, investindo e desenvolvendo tecnologias que possibilitam a informação de todas as etapas de uma viagem – desde o pedido e aceitação do motorista até a finalização da corrida e o pagamento. A plataforma ainda informa que oferece um seguro de acidentes pessoais para casos de morte ou invalidez.

Já a Uber garantiu que adota tecnologias de bloqueio para viagens potencialmente arriscadas. A empresa ressalta ainda que, ao longo do trajeto, é possível compartilhar localização e chegada em tempo real com quem o usuário ou o motorista desejarem, além do caminho que está sendo feito. A plataforma afirma ainda que “Nenhuma viagem é anônima e todas são registradas por GPS. Isso permite, por exemplo, que em caso de incidentes uma equipe de apoio especializada possa dar o suporte necessário, sabendo quem foi o motorista parceiro e o usuário, seus históricos e qual o trajeto que foi feito, sempre respeitando a legislação aplicável”.

Por fim, sobre o pagamento em dinheiro (um dos fatores que mais gera insegurança entre os motoristas), a Uber afirma que exige dos usuários que insiram CPF e data de nascimento antes do acesso. A 99 Pop, por sua vez, permite que o motorista escolha a forma de cobrança das corridas. Além disso, o perfil dos passageiros deve ser validado por CPF ou outros documentos. O aplicativo informa também que todas as chamadas são monitoradas em tempo real por inteligência artificial.

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