Nunca é tarde

Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná
Dona Normalia de Souza aprendeu a ler com quase 70 anos. Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Lápis nas mãos, olhos atentos e sempre bem humorada. É assim que Normália de Souza dos Santos, de 71 anos, assiste diariamente as aulas noturnas da Educação Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal Bela Vista do Paraíso, no bairro Santa Cândida, em Curitiba. De sorriso fácil e muita humildade, dona Normália, como é conhecida por todos os alunos da escola, nasceu em Contendas do Sincorá, no interior da Bahia, mas mora no Paraná há algumas décadas.

Mãe de sete filhos, ela conta que começou a trabalhar com apenas sete anos e, ao invés de ir para aula, como costumam fazer as crianças desta idade, ela se arrumava para colher algodão ao lado dos irmãos, que também não tiveram a oportunidade de frequentar uma sala de aula durante a infância. Apesar de ser baiana, Normália só foi conhecer sua terra natal depois de 60 anos. A ideia era conhecer ao lado do marido, mas antes do sonho se realizar, ele acabou falecendo e desde então a vida mudou bastante.

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“Trabalhador e dedicado”, como a aposentada relata com carinho, ele resolveu aprender a ler e escrever com mais de 60 anos. “Ele estudava aqui na escola antes de falecer e sempre me dizia que eu tinha que estudar também, mas eu ‘não dava bola’. Falava pra ele que já estava velha pra isso, que não ia dar certo. Ele partiu e então comecei a pensar que ele tinha razão. Eu queria ler os letreiros dos ônibus, ir ao mercado sem pedir ajuda de ninguém e, vou te falar, eu sentia inveja das pessoas que liam a bíblia na igreja, porque eu sou evangélica, sabe? Eu queria muito ler a palavra de Deus também”, relembrou.

Dona Normalia de Souza aprendeu a ler com quase 70 anos.
Dona Normalia de Souza aprendeu a ler com quase 70 anos.

Apoio familiar

Com o apoio dos filhos, todos formados, ela resolveu que poderia mudar de vida, sim. De tanto pensar no assunto, depois de dez anos da morte do marido, ela se matriculou na EJA em 2014 e aprendeu a ler e escrever com 71 anos. “Agora tudo está diferente, eu leio de tudo, não sofro mais para entrar no ônibus e ainda leio a bíblia. A vida foi difícil pra mim, mas eu finalmente descobri que tudo poderia ser melhor. Aqui na escola eu mudei a minha vida”, contou.

Fã de matemática e apaixonada pela escrita, ela ficou conhecida na escola por sua simpatia, dedicação, matérias em jornais e também pela habilidade na cozinha. “Eu faço doces, bolinhos, comida caseira e aqui na escola todo mundo adora quando eu trago algumas coisas para vender. Além de ter mudado minha vida, ainda consigo juntar um dinheirinho por aqui. Eu frequento as aulas há quatro anos e quero continuar até aprender direitinho”.

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Para aprender a ler e escrever, não existe tempo determinado, conta a professora Iolanda de Lourdes Porto, 49 anos. Cada aluno tem seu tempo e a instituição não estipula nenhum tipo de prazo, mas sim uma média para o aprendizado. “Não existe tempo certo, mas a média é de seis meses a dois anos. A gente não impõe um determinado tempo e pra mim é muito gratificante acompanhar este desenvolvimento. Eu trabalho há 26 anos como professora e me sinto muito honrada. Cada um aprende de um jeito e nós respeitamos muito isso”.

Atualmente, de acordo com a Prefeitura de Curitiba, 53 escolas municipais ofertam turmas na modalidade EJA Fase I (1º ao 5º ano) e no total 1,4 mil estudantes acompanham as aulas. Na sala de Dona Normália, são 14 colegas de classe de 30 a 71 anos.

Verdadeira inspiração

Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná
Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

No período diurno, quem frequenta as aulas são os alunos do 1º ao 5º ano. Com uma história tão inspiradora, Dona Normália foi convidada pela diretora do colégio para conversar com os pequenos estudantes. Durante a conversa, a aposentada contou sobre sua origem, a dificuldade de não saber ler ao longo da vida e de como tudo mudou após o aprendizado.

A “palestra” durou pouco, mas foi o suficiente para as crianças entenderem que estudar faz toda a diferença e mudar até mesmo o pensamento dos pais. O aluno Hiato de Azevedo Ribeiro Pinto, 8 anos, do 3º ano, chegou em casa animado depois da conversa e questionou a mãe. “Ele chegou falando que uma senhora de 70 anos tinha voltado a estudar e me perguntou por que eu parei. Fiquei sem resposta! Pensei muito sobre e resolvi procurar a diretora para perguntar se era verdade que eu ainda tinha chance de terminar os estudos. Ela me disse que ‘nunca é tarde para estudar’ e que isso poderia me dar um emprego melhor. No mesmo dia me matriculei e hoje corro atrás dos meus novos sonhos”, contou a mãe de Hiato, Rosilda de Azevedo, servente em uma empresa alimentícia e agora estudante.

Além dela, a diretora Adriana Filippetto, 42 anos, conta que pelo menos outros cinco pais procuraram a escola para voltar a estudar após a palestra. No ano passado, havia somente uma turma EJA na escola e atualmente são duas turmas com cerca de vinte alunos em cada. “Depois que tivemos esta palestra, as crianças ficaram animadas e começaram a perguntar em casa porque os pais pararam de estudar, sendo que uma senhora de 70 anos estudava na mesma escola que eles, só que em outro período. Na sequência alguns pais vieram aqui e resolveram mudar de vida.

É o que eu sempre digo, nunca é tarde. Estudar muda tudo, assim como mudou a vida da Normália”, explicou empolgada. “Eu fico feliz de saber isso. Se eu mudei de vida, outras pessoas também podem mudar, não é? Todo mundo pode estudar e agora até palestra eu dou. Estou chique, né?”, brincou dona Normália, quando perguntamos sobre os pais que começaram a estudar por sua causa. Para quem ficou interessado nas aulas, que são gratuitas, basta entrar no site da Prefeitura de Curitiba e encontrar a lista de escolas que oferecem este tipo de modalidade. Afinal, nunca é tarde para realizar um sonho e deixar o mundo mais colorido.

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