Ele entrou para o Corpo de Bombeiros por ter visto uma oportunidade de crescimento. Ivoni Miguel de Jesus, 55 anos, sequer imaginava que se esta era a profissão certa e que se tornaria um dos sargentos mais bem quistos da corporação. Hoje, 35 anos depois do primeiro dia de trabalho, vai ser um dia de despedida para o sargento Jesus, que está se aposentando.

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Depois de muito protelar e seguir firme e forte, ele teve de “pendurar” as fardas. Além da experiência de todos os resgates que fez e das vidas que salvou, o sargento vai levar também as histórias que, como ele mesmo define, foram marcantes.

“Mas já caiu a ficha (da aposentadoria), venho fazendo uma preparação psicológica há algum tempo”, disse. Parte de seus 35 anos de profissão, o sargento dedicou ao quartel central do Corpo de Bombeiros, no Centro de Curitiba. Lá, trabalhou por 26 anos. “Depois fui para Santa Felicidade, passei pelo Cabral e vim para Colombo, onde termino meu ciclo”.

Foto: Átila Alberti
Foto: Átila Alberti

Começo

De família humilde, o sargento veio de uma cidade pequena do interior de Santa Catarina (SC) em 1975 e entrou para o Corpo de Bombeiros em 1983. Antes de pensar em ser bombeiro, ele trabalhou em outras áreas e disse que nunca teve o sonho de ser da corporação.

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“Mas num dia, enquanto seguia para o trabalho, entrei no ônibus e vi uma propaganda do concurso. Resolvi arriscar”. A primeira tentativa não deu certo. O sargento foi barrado por sua altura. “Mas aí virou questão de honra”, explicou. Uma semana depois, voltou ao quartel com uma bota mais alta e conseguiu.

Vício bom

Logo no primeiro dia de trabalho, o sargento sentiu que aquela profissão o faria feliz. “No começo, pensei na questão profissional, pois era muito jovem. Mas essa profissão é igual cachaça, meu amigo, bebeu uma vez, viciou”, brincou.

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Em todo esse tempo de carreira, o sargento estima que fez pelo menos 20 mil atendimentos. Dos resgates, ficaram muitas histórias. “Trabalhando com vidas, tudo acaba sendo marcante, de uma forma ou outra. Talvez tenha sido por isso que continuei na profissão e não me aposentei antes, porque o amor ao que faço me conduziu”.

Tá no sangue

Sargento tem o brasão do Grupo de Busca e Salvamento tatuado no braço. Foto: Átila Alberti

Hoje, dia 19 de outubro de 2017, é o último plantão do sargento Jesus. O homem que se tornou exemplo para seus companheiros de farda agora vai ficar nas lembranças e nas amizades que conquistou. “Levo a experiência, as amizades, o carinho das pessoas, saber que fiz a minha parte e procurei fazer bem feita. Infelizmente encerrou. Mas agora vou ter um tempinho livre para outros projetos”.

O sargento contou à Tribuna que pretende se dedicar a trabalhos manuais com madeira e também ao neto, de dois anos. “Mas já avisei a minha esposa que agora teremos um tempo livre só pra gente. Viagens que ficaram pra trás, agora vamos poder fazer”.

Mesmo se aposentando, o sargento não deixa de se preocupar com a corporação. “Nosso trabalho não é fácil, todo mundo sabe. Trabalhamos única e exclusivamente com situações extremas, então, sempre no limite entre vida e morte. O que eu peço é para que não se tornem insensíveis e não esperem muito reconhecimento, porque só a gratificação de você poder fazer a diferença já é o suficiente”, disse como incentivo aos novos bombeiros e socorristas.

Casos marcantes

O sargento citou dois casos de vítimas e familiares que voltaram para agradecer. “Um deles aconteceu recentemente. Uma menina que eu socorri quando tinha 3 anos me procurou, agora com 17, para dizer que era grata. Lembro que foi um atendimento difícil, que precisei me impor e falar que nossa equipe iria, se não ela morreria. E ela não esqueceu”.

Outro caso que marcou o sargento foi o de um pai e uma mãe que perderam o filho num acidente de trânsito, há algum tempo. “Foi um acidente bem grave, que o rapaz capotou o carro e bateu num poste. Fizemos de tudo para salvá-lo, mas não conseguimos e foi muito triste”, lembrou.

Um tempo depois da morte do rapaz, o pai e a mãe do jovem o procuraram. “Isso me impressionou muito. A mãe queria saber se ele tinha falado alguma coisa antes de morrer, porque ela estava bem abalada. E ele tinha dito, me pediu para que eu despedisse deles”. O pai foi para a casa e voltou, pouco tempo depois, com um presente. “Era um carrinho de bombeiro do rapaz, fabricado em 1970. Está intacto, guardado comigo”.

Socorrista salvou muitas vidas ao longo de 35 anos de carreira. Foto: Átila Alberti

O sobrenome

Durante a carreira, o sargento sempre teve que lidar com as comparações por conta de seu sobrenome, que rendeu a identificação na corporação. “Chegaram até a dizer que eu não poderia usar o nome de Jesus, mas é meu sobrenome. Agora, se estivessem me comparando com ‘aquele lá de cima‘, a fé dessas pessoas está meio baixa. Se eu chegasse à sujeira da unha do dedo mindinho do verdadeiro Jesus, estava ótimo”.