Grande Família

Uma cidade nova a cada dois meses. Quem vive no circo não sabe onde estará parando dali a algumas semanas. Mas será que estas famílias gostam desta vida itinerante ou uma hora cansam e querem fixar residência em algum lugar? “Quem bebe a água do circo fica ‘contaminado’ para sempre”, brinca a bailarina Emanuele Lupato, 26 anos. Ela está há sete anos  na estrada e diz que não sabe mais morar “na cidade”, como dizem os artistas. Ela prefere a vida itinerante e não a troca por nada.

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A história de amor da bailarina pelo circo e pelo atual marido começou no dia que o Circo Fantástico, parou na cidade de Videira (SC). Emanuele estava com 19 anos e trabalhava como balconista numa papelaria da cidade. Foi assistir a um espetáculo e imediatamente se interessou  elo malabarista. Procurou o nome dele no site do circo e o achou Henrique Maximiliano, 32 anos, no Orkut. Começaram a conversar virtual e pessoalmente, o amor surgiu, mas o circo foi mudando-se de lugar e o romance ficou cada vez mais à distância. Quatro meses depois, Emanuele subiu no trailer de Henrique e nunca mais “voltou” para casa. Henrique, do contrário, nasceu no circo, onde todos os seus familiares vivem. Ele sequer sabe como é morar “na cidade”.

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Passaram-se pouco mais de cinco anos e chegou Lorenzo, filho do casal, hoje com um ano e meio. Eles trocaram o antigo trailer por outro maior e mais confortável (uma casa muito bem equipada, por sinal) e hoje dividem o tempo entre os ensaios, os espetáculos e os cuidados com o menino e a casa sobre rodas. “As pessoas acham que o circo é precário, como antigamente. Mas não é mais assim. As coisas se modernizaram e a gente tem que evoluir também.

Antigamente era caro comprar um trailer. Hoje é mais acessível e cada família aqui tem seu trailer, bem equipado”, afirma Henrique, mostrando que hoje em dia ser artista de circo permite  dar uma vida com algum conforto à família. Tanto é que o casal planeja mais um filho para daqui mais uns anos. O trailer deles, por exemplo, tem quartos, sala, cozinha, banheiro e uma boa varanda para Lorenzo brincar. “Não mudo mais a minha vida. Não sei mais morar fixo”, diz Emanuele, que no começo enfrentou a resistência da família quanto à mudança dela para o circo, justo porque a família não sabia como as coisas funcionam atualmente.

Revezamento

Mas logo a família dela desconstruiu os preconceitos que tinha e a mãe da bailarina tenta acompanhar a filha em algumas cidades, para cuidar de Lorenzo, já que a vida do casal é bem corrida. Emanuele é responsável por preparar os churros vendidos na praça de alimentação do circo. Durante o dia, quando o casal não está envolvido com os ensaios ou outras funções (além
de malabarista e motociclista do globo da morte, Henrique também é o eletricista do circo), Emanuele está na cozinha preparando a massa de churros. No intervalo de um número e outro no picadeiro, corre para o trailer fazer mais massa ou fritar mais churros. Põe Lorenzo no carrinho e leva ele junto de um lado a outro.

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Quando vai se apresentar, deixa o carrinho atrás do palco, e corre para o picadeiro. Enquanto Henrique está ali atrás, vai cuidando do filho. Daqui a pouco é a vez de Emanuele voltar aos bastidores, dar uma chacoalhadinha no carrinho e correr ao camarim trocar de roupa. Passa de novo pelo carrinho, dá outra olhada no filho, corre ao palco, enquanto Henrique volta aos bastidores. E assim o casal se reveza, quando a mãe de Emanuele não está lá para ajudar.

E enquanto ambos estão no picadeiro, contam com a ajuda dos colegas de trabalho, que passam por ali e cada um dá atenção a Lorenzo, que sorri e brinca com todos. “No circo não há rotina. Cada dia surge algo diferente para fazer. Mas aqui somos uma mini cidade, com famílias, todos se ajudam”, mostra o malabarista, que sempre tem muito trabalho durante as mudanças de cidade, para manejar todo o sistema elétrico e religá-lo a cada nova chegada.

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A vida no circo faz famílias passarem 11 meses do ano na estrada, mas muito bem instalados. Foto: Marcelo Andrade.

Casa ambulante

Bertha Braunig Casção, 39 anos, tem uma história bem parecida com a de Emanuele, mas que começou há 19 anos. Um dia o circo passou perto da cidade que ela morava, Santa Maria (RS). A  lona foi fixada no município de Agudo (RS), onde o pai de Bertha era o secretário de administração municipal e autorizou a estadia da atração na cidade. Ela foi a uma das apresentações e conheceu Mário Ferreira Casção Júnior, 40 anos, o “Júnior”. Os dois se apaixonaram e Bertha, que aos 20 anos era estudante de enfermagem (mas sonhava em ser fisioterapeuta), casou depois de seis meses de namoro e pegou estrada como artista.

A vida no circo faz famílias passarem 11 meses do ano na estrada, mas muito bem instalados. Foto: Marcelo Andrade.
“As pessoas perguntam pro meu pai, que se ele soubesse que o circo ia levar embora a filha dele, se ele teria autorizado o circo ficar lá”, brinca Bertha, que hoje vive uma vida feliz na estrada. Foto: Marcelo Andrade

Hoje o casal é dono do Circo Fantástico (que está ao lado da Havan da Linha Verde) e tem três filhos, todos artistas. Larah, 19 anos, faz uma bela apresentação de lira (malabarismo num bambolê aéreo), além de atuar como bailarina e ajudar a mãe no número de mágica. Bruna, 16 anos, também é bailarina. E Marinho, 12 anos, é o palhaço “Mixaria” e ajuda na iluminação de palco. Durante os espetáculos, Bertha se reveza entre as fichas da praça de alimentação, a bilheteria, seu número de mágica e os bastidores da apresentação da filha Larah.

Conforto

Aliás, viver da arte circense já não é mais de forma simples, como era muito comum aos circos de antigamente. Júnior consegue dar uma vida confortável à esposa e aos filhos, que sempre estudaram em colégios particulares e possuem muitos dos objetos de desejo que os adolescentes têm. Mas apesar de possuírem uma casa grande e muito bonita na cidade de Lobato, perto de Maringá, no interior do Paraná, eles não trocam o trailer pela casa.

Aliás, o trailer deles é uma casa bastante confortável, decorada, bem equipada e com ambientes climatizados. Os pais e uma das irmãs de Júnior (todos nascidos no circo) também viajam junto, cada um com sua casa-trailer. “Eu já não sei mais morar ‘na cidade’. Apesar de termos uma casa grande, bonita, me acostumei com esse ‘vuco-vuco’, com gente, com movimento. E Lobato é uma cidade muito parada”, diz Bertha.

Mãe “ambulante”

A dona de casa conta que ser uma “mãe sobre rodas” é exatamente igual a uma “mãe fixa”. “Você tem casa para cuidar, filhos para criar, ajudar nas tarefas da escola, orientar, marido para dar atenção, ajudar nos negócios dele, como qualquer outra mulher”, diz ela, que já atuou mais no circo, mas hoje se dedica mais aos filhos.

Uma das poucas diferenças entre uma casa fixa e a sobre rodas, mostra a família Casção, é o perigo a que todos estão expostos. “Estamos sempre na estrada. A maioria de nós arrisca a vida para levar a arte às pessoas, com risco de cair de um trapézio, de encostar num fio exposto, de  sofrer um acidente”, mostra Larah, a filha mais velha do casal. A mãe de Júnior, por exemplo, já sofreu um assalto à mão armada dentro do trailer, enquanto todos estavam no espetáculo.

E assim, numa minicidade ao redor da lona, várias famílias convivem juntas 11 meses ao ano. “Precisa que todos tenham disciplina, sigam regras, que mantenham seus trailers organizados,
pelo menos do lado de fora, para que todos convivam harmoniosamente”, diz Bertha, contando que o segredo para a boa convivência é cada um ter sua própria casa (trailer) e se respeitar mutuamente. E com esta fórmula, raramente as três famílias donas do circo brigam, ou alguém do casal vai dormir na sala.

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